quarta-feira, 20 de maio de 2009

Da ignorância ao crime


A coisa aconteceu pelo pôr-do-sol, como não podia deixar de ser.
Na estação fluvial do Cais-do-Sodré, em Lisboa, vejo um vigilante da empresa Securitas com um escadote debaixo do braço. E fiquei curioso até porque, ao que sei, não fazem eles trabalhos de manutenção nas instalações que vigiam. Deixei-me ficar por ali.
E constato que, afinal, o escadote era para poder aceder aos pontos de amarração das guias das bandeiras que drapejavam nos três mastros. As amarrações estão bem altas, tão altas que só mesmo de escadote ou equivalente se lhes chega. Suponho que por via de brincadeiras ou vandalismos.
Põe-se o homem, diligentemente, a arrear a primeira, da União Europeia. No final, depois de solta e arremessada ao chão como se de um trapo velho se tratasse, enrolou as guias e amarrou-as de volta onde estavam. E tratou de encostar o escadote ao segundo poste, onde alteava a bandeira Nacional.
Há que dizer, neste ponto, que não dou nenhuma importância a essas coisas dos códigos e símbolos nacionais. Nem a esse disparate que é a existência de fronteiras e a posse de terra. Como se o Homem pudesse reclamar a posse de tal se, ainda ele era menos que amiba e ela já por cá andava. E ele não será mais que fosseis antigos e ela continuará a por cá estar.
No entanto, e apesar desta minha posição, se os códigos devem ser cumpridos, então que o sejam no todo e não apenas em parte, dependendo da vontade arbitrária de cada um ou consoante as circunstâncias e o grau de humor.
Assim, e no que toca a bandeiras, há duas regras absolutas e, suponho, universais: A bandeira Nacional não pode estar hasteada às escuras (daí o ser arreada ao pôr-do-sol) nem pode estar mais baixa ou ser descida, no seu próprio território, antes de qualquer outra hasteada no local. O Símbolo Nacional não pode ser menosprezado!
Assim, ao ver o vigilante preparar-se para arreara a bandeira Nacional antes da terceira, por sinal a da empresa de transportes fluviais, achei que deveria intervir pedagogicamente, falando com ele e explicando-lhe como as coisas se passam de acordo com a lei.
Ignorou-me por completo e continuou a tarefa. Insisti, lembrando-lhe mesmo que o que estava a fazer poderia ser considerado crime contra a pátria e, como tal, punível por lei.
Foi desabrido na resposta e continuou o que estava a fazer!
Aqui fiquei incomodado! Uma coisa é ignorar a lei, outra é deliberadamente infringi-la. E, tirando do saco o bloco de apontamentos e do bolso a caneta, pedi-lhe os dados de identificação constantes no cartão que, regulamentarmente, tinha pendurado no peito. Recusou-mos liminarmente e, perante a minha insistência, acrescentou que só os daria a um agente da autoridade.
Sei, de fonte segura e da prática, que já por cá ando há muitos anos, que não é assim. Mas como em nada adiantava discutir com ele, que o seu humor assemelhava-se ao de uma tarântula com crise hepática, afastei-me.
Dirigi-me ao interior da estação e pedi a um seu colega para falar com o chefe do terminal, ou com quem que o representasse. Meio a custo, lá consegui chegar-lhe à fala e explicar-lhe o sucedido.
Acto continuo e pelo rádio deles, perguntou ao vigilante em causa o que eu queria saber. Não o confirmei visualmente, mas não creio que me tenham mentido. Tal como não acredito que o nome e posto do meu interlocutor tenha sido inventado quando mo disse a pedido.
Tenho esses dados, e mais alguns complementares, anotados no meu bloco. E ainda não sei que destino lhes dar. Se os fazer chegar à empresa onde o vigilante trabalha e às forças de segurança ou se me fico com o susto que ele apanhou com a conversa que o chefe do terminal teve com ele à medida que me afastava.
Porque, ou bem que as regras são para serem cumpridas ou, em as sabendo, assuma-se a responsabilidade da sua infracção.


Texto e imagem: by me

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