Estive a acompanhar um forasteiro pela cidade de Lisboa.
Ruas, vielas, praças, um pouco de história, descrições de comportamentos contemporâneos, episódios pitorescos, viu-se e falou-se de tudo um pouco.
Mas, a dado passo, surgiu o que eu esperava que não acontecesse: uma olhada no castelo da cidade, de São Jorge de seu nome. E esperava que o pedido não acontecesse porque se trata da minha vergonha. Da minha e da de muitos que, como eu, são aqui nascidos e criados mas que, fruto das pressões das grandes urbes, imobiliárias e outras, temos que residir fora da cidade.
Na entrada, fui obrigado a pagar ingresso, para visitar o que pertence a mim e a todos os alfacinhas!
Mas poderia eu até nem protestar muito se, desse pagamento, tivesse um retorno valido. Não é o caso!
Logo à entrada encontramos uma estatueta num vitrine, do santo padroeiro. Quem me acompanhava constatou de imediato que faltava o dragão. E quando perguntámos por ele ou se haveria algum no interior, o guarda enfardado de uma empresa de segurança, olhou para nós atónito e soube nos dizer que não, apenas um leão. Não creio que o salário que recebe seja suficiente para entender o humor.
Transposto o torniquete, somos confrontados com casal, vestido com o que se imagina serem trajes medievais, que quase nos solicitam a fazerem-se fotografar connosco, à laia de recordação. Claro que é tudo bem moderno e verificamos a incongruência da aqueles dois serem acompanhados por um moderníssimo PC portátil onde as imagens são tratadas e impressas, tal como os DVD’s que constam no álbum que nos exibem.
Lá dentro, bem lá dentro é uma tristeza! As pedras que vemos em nada ou quase se relacionam com a história que ali esperamos poder ver ou constatar, uma mistura caótica de tempos e estilos, pouco diferindo de uma depósito casual resultante de uns nós dados nas linhas do tempo. Até poderia ser aceitável se algo o identificasse, uma legenda, uma tabuleta ou semelhante. Mas nada de nada. Quem quiser que imagine o que aquilo é! E ficamos a pensar se aquelas mesas redondas de pedra, com os respectivos assentos igualmente frios, seriam os assentos reais ou nobliaticos ou se, em alternativa, terão sido inaugurados por um qualquer presidente de câmara, de freguesia ou mesmo de um instituto perdido nos apoios estatais.
Em passando para o interior, o ambiente confrangedor mantém-se. Parte dos pátios que circundam as torres originais, boa parte deles, estão vedados ao público. Atrás da rede verde com os seus dois metros de altura, entrevemos aquilo que parece ser uma intervenção arqueológica. Zonas escavadas e cobertas por toldos. Bem, afinal o que paguei para entrar está a servir para isto. Nem tanto, que a maior parte do espaço vedado serve de parqueamento a viaturas privadas, entras as quais não se vislumbra nenhuma municipal, mas antes algumas da empresa de segurança e outras onde, nos bancos de trás, constam cadeiras de criança. Viaturas privadas, ao serviço de privados, parqueadas em espaços públicos que é pago para ser visitado mas que está vedado.
Dentro da zona das torres, a pobreza do espaço é acabrunhante! Pátios envolvidos pelas altas muralhas, de terra bem batida em redor de pedras hiper-polidas dos milhares de turistas e escadas íngremes e perigosas em que o simples imaginar da subida já assusta. Nenhuma referencia à utilização dos espaços, das idades ou mesmo um simulacro do que poderia ter sido. O mais que vemos são oliveiras que competem em anos vivido com as pedras.
Num destes pátios aquilo que quem me acompanhava apelidou de menestrel. Nome pomposo para quem está sentado num banquinho portátil, tangendo uma viola, tirando partido da acústica do local mas que, pudicamente, cobre com um pano o amplificador eléctrico do instrumento. E o seu estar ali, que pode agradar a quem passa mas cujos acordes em nada se aproximam do que ali se ouviu em tempos recuados, não o faz pelo simples prazer de o fazer. À sua frente, e de uma forma inequívoca, uma mesinha desmontável exibe um chapéu aberto para cima e um conjunto de CD’s para venda. Afinal, toca a troco de trocos, com a esperança que lhe comprem os panfletos fonográficos. Extra, entenda-se, ao preço do ingresso no lugar!
O melhor de tudo é auditivo e visual! Junto à ponte que cruza o fosso, seco, estava uma moça pintando a aguarela. Paisagens de Lisboa, feitas de memória que de onde estava apenas via pedras e transeuntes. É alvo de fotografias, porque até que bonita. Mas soube protestar, com um tom e vocábulos que nada tinham de agradáveis ou simpáticos, que nada de abusos, que os trabalhos não podiam ser fotografados, ainda que ali exibidos a descorar ao sol de Outono. Não fora eu estar acompanhado, e ela ouviria aquilo que não gostaria e que a sua mãezinha lhe terá ensinado que não se deve dizer!
Quanto ao dragão, de facto não constava, como o guarda portão nos tinha dito. Apenas uns leões de pedra, que não os do Marquês nem do futebol, que enquadravam um restaurante cujos preços e qualidade nem quis investigar para não ficar ainda mais envergonhado.
Restaram, para além dos demais turistas, apenas dois gatos dorminhocos e este cachorro. Em redor da antipática pintora de paisagens fictícias.
Mas, em boa verdade, que poderíamos esperar nós por cinco euros extorquidos à entrada? A estátua de um dragão mitológico ou o protegido Dragão de Komodo, que nem sabe que São Jorge existiu?
Da próxima vez que um forasteiro me perguntar pelo castelo da cidade, levá-lo-ei a uma loja de brinquedos a ver um de fadas, comprarei um baralho de cartas e construirei um ou pô-lo-ei a olhar para as nuvens para que imagine um. Que não gosto de passar por vergonhas!
Texto e imagem: by me
Ruas, vielas, praças, um pouco de história, descrições de comportamentos contemporâneos, episódios pitorescos, viu-se e falou-se de tudo um pouco.
Mas, a dado passo, surgiu o que eu esperava que não acontecesse: uma olhada no castelo da cidade, de São Jorge de seu nome. E esperava que o pedido não acontecesse porque se trata da minha vergonha. Da minha e da de muitos que, como eu, são aqui nascidos e criados mas que, fruto das pressões das grandes urbes, imobiliárias e outras, temos que residir fora da cidade.
Na entrada, fui obrigado a pagar ingresso, para visitar o que pertence a mim e a todos os alfacinhas!
Mas poderia eu até nem protestar muito se, desse pagamento, tivesse um retorno valido. Não é o caso!
Logo à entrada encontramos uma estatueta num vitrine, do santo padroeiro. Quem me acompanhava constatou de imediato que faltava o dragão. E quando perguntámos por ele ou se haveria algum no interior, o guarda enfardado de uma empresa de segurança, olhou para nós atónito e soube nos dizer que não, apenas um leão. Não creio que o salário que recebe seja suficiente para entender o humor.
Transposto o torniquete, somos confrontados com casal, vestido com o que se imagina serem trajes medievais, que quase nos solicitam a fazerem-se fotografar connosco, à laia de recordação. Claro que é tudo bem moderno e verificamos a incongruência da aqueles dois serem acompanhados por um moderníssimo PC portátil onde as imagens são tratadas e impressas, tal como os DVD’s que constam no álbum que nos exibem.
Lá dentro, bem lá dentro é uma tristeza! As pedras que vemos em nada ou quase se relacionam com a história que ali esperamos poder ver ou constatar, uma mistura caótica de tempos e estilos, pouco diferindo de uma depósito casual resultante de uns nós dados nas linhas do tempo. Até poderia ser aceitável se algo o identificasse, uma legenda, uma tabuleta ou semelhante. Mas nada de nada. Quem quiser que imagine o que aquilo é! E ficamos a pensar se aquelas mesas redondas de pedra, com os respectivos assentos igualmente frios, seriam os assentos reais ou nobliaticos ou se, em alternativa, terão sido inaugurados por um qualquer presidente de câmara, de freguesia ou mesmo de um instituto perdido nos apoios estatais.
Em passando para o interior, o ambiente confrangedor mantém-se. Parte dos pátios que circundam as torres originais, boa parte deles, estão vedados ao público. Atrás da rede verde com os seus dois metros de altura, entrevemos aquilo que parece ser uma intervenção arqueológica. Zonas escavadas e cobertas por toldos. Bem, afinal o que paguei para entrar está a servir para isto. Nem tanto, que a maior parte do espaço vedado serve de parqueamento a viaturas privadas, entras as quais não se vislumbra nenhuma municipal, mas antes algumas da empresa de segurança e outras onde, nos bancos de trás, constam cadeiras de criança. Viaturas privadas, ao serviço de privados, parqueadas em espaços públicos que é pago para ser visitado mas que está vedado.
Dentro da zona das torres, a pobreza do espaço é acabrunhante! Pátios envolvidos pelas altas muralhas, de terra bem batida em redor de pedras hiper-polidas dos milhares de turistas e escadas íngremes e perigosas em que o simples imaginar da subida já assusta. Nenhuma referencia à utilização dos espaços, das idades ou mesmo um simulacro do que poderia ter sido. O mais que vemos são oliveiras que competem em anos vivido com as pedras.
Num destes pátios aquilo que quem me acompanhava apelidou de menestrel. Nome pomposo para quem está sentado num banquinho portátil, tangendo uma viola, tirando partido da acústica do local mas que, pudicamente, cobre com um pano o amplificador eléctrico do instrumento. E o seu estar ali, que pode agradar a quem passa mas cujos acordes em nada se aproximam do que ali se ouviu em tempos recuados, não o faz pelo simples prazer de o fazer. À sua frente, e de uma forma inequívoca, uma mesinha desmontável exibe um chapéu aberto para cima e um conjunto de CD’s para venda. Afinal, toca a troco de trocos, com a esperança que lhe comprem os panfletos fonográficos. Extra, entenda-se, ao preço do ingresso no lugar!
O melhor de tudo é auditivo e visual! Junto à ponte que cruza o fosso, seco, estava uma moça pintando a aguarela. Paisagens de Lisboa, feitas de memória que de onde estava apenas via pedras e transeuntes. É alvo de fotografias, porque até que bonita. Mas soube protestar, com um tom e vocábulos que nada tinham de agradáveis ou simpáticos, que nada de abusos, que os trabalhos não podiam ser fotografados, ainda que ali exibidos a descorar ao sol de Outono. Não fora eu estar acompanhado, e ela ouviria aquilo que não gostaria e que a sua mãezinha lhe terá ensinado que não se deve dizer!
Quanto ao dragão, de facto não constava, como o guarda portão nos tinha dito. Apenas uns leões de pedra, que não os do Marquês nem do futebol, que enquadravam um restaurante cujos preços e qualidade nem quis investigar para não ficar ainda mais envergonhado.
Restaram, para além dos demais turistas, apenas dois gatos dorminhocos e este cachorro. Em redor da antipática pintora de paisagens fictícias.
Mas, em boa verdade, que poderíamos esperar nós por cinco euros extorquidos à entrada? A estátua de um dragão mitológico ou o protegido Dragão de Komodo, que nem sabe que São Jorge existiu?
Da próxima vez que um forasteiro me perguntar pelo castelo da cidade, levá-lo-ei a uma loja de brinquedos a ver um de fadas, comprarei um baralho de cartas e construirei um ou pô-lo-ei a olhar para as nuvens para que imagine um. Que não gosto de passar por vergonhas!
Texto e imagem: by me
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