domingo, 30 de abril de 2023

Peças raras


 


Um fotógrafo sente-se realizado quando o trabalho final cumpre aquilo que imaginou antes de primir o botão da câmara. Essa é a sua satisfação.

E a câmara (objectivas, luz, etc), bem como a pós produção, são as ferramentas que usa para tal.

Mas também encontra satisfação no uso da ferramenta. Não apenas porque lhe permite obter o resultado pretendido mas no seu manuseio: facilidade no uso, o bem ficar na mão que a usa e, não pouco importante, a estética da ferramenta. A “Belle Époque” e o movimento Bauhaus bem o sabiam e bem se esforçaram para o conseguirem.

Há uns anos “deitei as mãos” a esta objectiva. A da esquerda. Uma Takumar 135 1:3,5. Para além de bonita, para além de ter sido fabricada no ano em que nasci, para além de estar em estado de práticamente nova, custou metade do que me custou o adaptador para a poder usar nas câmaras digitais. Guardo-a com carinho.

Tem ainda a particularidade de ter um sistema de “presset” para o diafragma. Um sistema hoje obsoleto e poucos saberão o que é ter o diafragma aberto para enquadramento e focagem e ter que o fechar manualmente para fotografar.

Eis que hoje, numa feira de rua, encontro outra peça igualmente incomum: um multiplicador focal. À direita. Para quem não sabe, o colocar isto entre a objectiva e a câmara aumenta a “potência” da objectiva. Para quem sabe, saberá igualmente que este sistema era e é o sistema dos pobres para se ter uma objectiva potente, com o sacrfício da qualidade da imagem.

Este é mais incomum por dois motivos: por um lado porque em vez de multiplicar por dois, o habitual, multiplica por três. A perda de qualidade é equivalente. Mas também divide por três (grosso modo) a luminosidade do conjunto. Este tem de incomum o possuir uma escala na sua base que nos indica qual o diaframa (ou transmissão de luz) real que se tem para usar. Coisa que hoje, com os medidores de luz incorporados nas câmaras, nem se pensa ser nessessário. Na época (anos ’60), o habitual era usar um fotómetro manual ou ter o olho treinado. Ou usar a regra do “Sunny 16”. E haveria que ter esta ajuda se se queria uma fotografia bem exposta.

Se me perguntarem se o irei usar, a resposta é sim. Não faz sentido possuir uma peça destas, a funcionar, sem lhe dar uso ou, pelo menos, ter testado. Com a antecipação óbvia das questão de qualidade do resultado.

Fica na mala das M42.


By me

domingo, 23 de abril de 2023

Abris




Já não há fascismo. Já não há PIDE. Já não há censura. Já não há guerra colonial. Já não há caciques. Já não há bufos.

Não é verdade!

Ainda há censura, embora encapotada.

Ainda há caciques, embora com vários cartões.

Ainda há bufos, mas não ideológicos: ambições de carreira, actualmente.

As revoluções são momentos específicos no tempo. As mais das vezes, o mais notório que dá origem aos actos revolucionários extingue-se de um modo ou de outro.

Mas aquilo que é inerente ao ser Humano mantém-se. Por cultura ou por genética.

Quase meio século passou sobre Abril. E festeja-se a data com alegria. Mesmo que a maioria dos cidadãos não saiba, na pele, o que foi o “antes de”. Saberão por aquilo que leram, por aquilo que ouviram aos antigos, pelos filmes e séries, por aquilo que romancearam.

Mas quando alguém é afastado de funções porque a chefia não gostou do olhar que recebeu; quanto se ouve “cala-te, que falas e escreves demais”; quando se “inventa um caso” para esconder outro; quando há figuras que são alvo de notícia, várias vezes ao dia, em detrimento de outras; quando os representantes representam os seus próprios interesses ou ideias, em detrimento dos representados; quando os ideais políticos e partidários semelhantes aos de antigamente ganham força entre os cidadãos...

Abril acabou há quase meio século. Hoje estamos em Maio, ou Outubro, ou Fevereiro. O mês é outro, os ingredientes e métodos são outros, as guerras fazem-se com petro-dolares ou petro-rublos.

Se não estivermos alerta para o regresso daquilo que não quisémos, se não nos acautelarmos para novas ditaduras e métodos repressivos, se não escutarmos com espírito crítico os discursos castrantes, mais ou menos inflamados, se não afastarmos os candidatos a não democratas no poder...

De nada servirá descermos a avenida dando vivas ao que foi. O que será virá igual com outras roupagens e outras formas de servidão famélica.

Festeje-se a revolução. Mas acautele-se o futuro. Todos os dias.


By me

sábado, 15 de abril de 2023

Ferramentas




A importância de uma ferramenta está na proporção directa daquilo que se é capaz de fazer com ela.

É por isso que eu, em tendo acesso a uma ferramenta que não conheço mas sobre a qual só posso deduzir as suas potencialidades, trato de ir praticando e fazendo experiências com ela até que me seja “natural” o seu uso. Tentando perder a lógica e hábitos de outras ferramentas e procurando adaptar-me a novas lógicas e métodos.

No caso de objectivas, haverá que “ver” com o seu ângulo de visão, com as suas distâncias de trabalho, focagem e profundidades de campo. Haverá que antever as perspectivas que permite, o como evidenciar centros de interesse pertinentes e anular conteúdos impertinentes.

E perceber quais as potencialidades e limitações que cada uma tem e decidir se é aquele ângulo de visão (vulgo distância focal ou potência) é ou não útil para materializar aquilo que vimos e imaginámos.

Admito que é um desafio pessoal e muito intimista o olhar para algo e decidir qual a objectiva certa para o que quero. Claro que o uso das objectivas zoom facilita o trabalho, mas quero mesmo é dizer-me “Para isto é uma XXmm”. E sinto-me realizado se a minha escolha, com mais ou menos algum ajuste, é a certa.

Tal como é um desfio pessoal encontrar soluções técnicas e estéticas para contar o que quero dispondo apenas de uma objectiva: perspectiva e enquadramento. E é aqui que recorro à objectiva zoom mais antiga que conheço e que funciona a dois tempos: pé direito e pé esquerdo. Porque, e como costumo dizer, se a luz é a minha matéria-prima, a perspectiva é a minha ferramenta.


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terça-feira, 11 de abril de 2023

A minha janela




A minha câmara é a minha janela, de onde vejo outras janelas, mais pudica ou despudoradamente permeáveis, cada uma contendo um minúsculo pedaço daquilo a que chamamos vida.

No rectângulo do meu visor só cabe uma ínfima parte das janelas que vejo com a minha janela, abrindo as vidraças ou obturador, fixando num efémero para sempre aquilo que a janela da minha alma viu.

Mais que um voyeur como muitos portadores de câmara, mais que um caçador de troféus imagéticos como tantos outros, mais que um pseudo-artista que tenta pintar com a palete de cor da luz, da ou com a minha janela tento juntar as peças de um puzzle com o qual talvez seja possível construir um outro e melhor edifício a que chamamos vida. Em que a beleza do material e imaterial esteja dos dois lados da vidraça.


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domingo, 9 de abril de 2023

À tardinha




Uma ocasião, regressava eu a casa ao fim do dia e sou saudado por um motociclista numa esquina. Buzina e aceno.

Acenei de volta, claro está, que sou bem educado, mas não tinha a certeza de quem seria, ainda que o capacete e a moto me dessem algumas pistas.

Uns dias passados, em encontrando uma colega, questionei-a sobre o episódio e se teria sido ela então.

Retorquiu-me que sim e que tinha achado graça o ver-me ali, parado, no meio de quase nada.

Tentei explicar-lhe, mas não sei se consegui, que desde sempre ou quase que faço isso. Em não tendo motivos para andar depressa, caminho devagar, parando de quando em vez para apreciar o que me cerca e deixar que a mente me leve para outras ideias e paragens. Pessoas, espaços e luz, mesmo que conhecidos por ao pé de casa, são sempre diferentes, sempre apelativos, tanto quanto uma cidade desconhecida algures nos antípodas. E as ideias não têm nem tempo nem geografia.

Não sei se me entendeu. Consumidora dos últimos gadjets, alheada do que a cerca com música nos auscultadores, creio que a vida e o mundo passam por ela como chuva no vidro, protegida que está no mundo que escolheu e onde se refugia. À velocidade das redes de comunicação e das publicidades da tecnologia.

Sei-a mais ou menos feliz nesse rumo que segue. Pelo menos aparenta, que não somos próximos. Mas o seu mundo não é, garantidamente o meu. E, estou certo, muito do de belo que vou vendo e apreciando é-lhe tão rápido que nem dele se apercebe. Ou lhe altera a vida.

Vantagem de quem caminha, no lugar de se deslocar de moto.


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terça-feira, 4 de abril de 2023

Equivalente




Longe de mim equiparar-me aos mestres! No caso Edward Weston (1856-1958).

Mas o mestre por vezes fotografava formas, por vezes nuvens, e titulava essas fotografias de “equivalente”.

Na sua forma de ver, pensar, sentir, aquelas formas, fotografadas daquele modo, equivaliam aos seus sentimentos naquele momento. Algumas dessas fotografias são magistrais, outras apenas formas que para ele foram apelativas mas que, pelo menos para mim, mais não são que formas ou nuvens sem que me transmitam mais nada que isso isso mesmo.

Também eu, por vezes, me sinto tentado a seguir o mesmo caminho. Formas ou objectos sem outro significado que corresponderem ao que sinto no momento. De bom ou nem tanto.

Neste caso não começou por aí. Em saindo do cafézinho perto de casa, notei como estes galhos despidos balanceavam com a aragem, que quase nem se sentia cá em baixo, no chão. Foi ao aproximar-me das árvores que elas falaram comigo e que me impeliram a um ou vários “bonecos”. Sem mais significado que isso: um equivalente do que sentia.

A objectiva de 50mm limitava-me as possibilidades de enquadramento. Ou, vistas as coisas de outro modo, obrigava-me a procurar o enquadramento que correspondesse ao que me ía por dentro.

Um “boneco”, outro com outra perspectiva, escolha de outra árvore e outro “boneco” e, na última, parei.

Por entre os galhos escuros, contrastando com o céu branco, um apontamento de cor: uma folha verde, piquinininha, despontava. Um aviso indiscutível sobre os ciclos da vida e que, depois do inverno, a primavera chegará. Nas árvores e nos homens.

Não a fotografei. Não tinha a objectiva certa para tal. Mas ficou-me o registo, indelével, no local onde guardo todas as minhas fotografias: na alma.


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segunda-feira, 3 de abril de 2023

O pára-sol




Quais são as probalilidades de encontrar este pára-sol em estado novo, com o respectivo estojo e na caixa original numa feira de rua? E vendido por 10 euros?

Particularmente diminutas, convenhamos.

Mas acordar com aquela sensação de “tenho que lá ir”, deixar para depois outras tarefas para ceder ao impulso, abalar de casa com destino certo e acabar por voltar com um prémio destes... é quase como comprar uma cautela e ter prémio.

O problema é que gosto de saber um pouquinho da história de cada peça que tenho. E deste pára-sol só encontro na net que está esgotado. Nenhuma outra referência ao Pentax PH-S49 para 50mm 1:1,4 ou 1:1,7. Existem de outros fabricantes, a preços que nem se comparam, mas aquilo que quero...

Alguém sabe, ou desconfia, entre que anos foi isto fabricado?

É anterior aos pára-sois de baioneta, o que o coloca no séc. XX. É de plástico rígido, o que o coloca posterior aos anos ’70, suponho. Mas algum rigor para além de suposições?


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