Eu estava encostado à banca, tentando perceber se entre toda
aquela tralha imprestável haveria alguma coisa interessante. Estava já com umas
tampas na mão e ainda não tinha falado de valores com o dono porque este estava
de conversa com um casalinho bem jovem a meu lado.
Exprimiam-se eles numa mistura meio caótica de italiano,
inglês e português e ela afirmava que aquela câmara era igualzinha à dela. Até a
dificuldade em abria a tampa frontal era igual. Referia-se a uma câmara de rolo
e de plástico, daquelas que não prestamos atenção naquelas bancas e que, mesmo
na loja, não se evidenciam por demais. Não recordo a marca. Mas recordo ela ter
dito que se ainda tivesse rolo e se revelassem, haveriam de lá estar algumas
fotografias dela e das amigas.
Foi nesse momento que a minha atenção se concentrou no que
acontecia. Que o dono da banca, que conheço há anos dali, abriu de súbito a
câmara e retirou a película do seu interior. Sem mesmo se dar ao trabalho de a
rebobinar, sacrificou aquele rolo ao sol daquele sábado de tarde expondo-o por
completo. O que estaria já fotografado e o que ainda estaria virgem na cassete.
Fosse o que fosse que estivesse latente estava perdido para todo o sempre.
Os olhos da mocinha estavam marejados de lágrimas, tentando
saber quando haveria ele comprado aquilo e ele respondia que não sabia, umas
semanas, talvez. Ficaram os três na mesma: o casalinho triste afastando-se da
banca, o vendedor com a câmara no meio de muitas outras semelhantes que ali
tinha.
Eu já tinha feito o meu negócio, mas o desalento daqueles
dois condoeu-me e fui meter o nariz numa vida que não era a minha. Tentando consola-la
e dizendo-lhe que era apenas uma câmara e barata e que não justificava toda
aquela tristeza, pois era fácil de substituir.
Fiquei a saber de toda a história. Ambos italianos, estavam
cá a estudar não sei já em que curso. E a casa que ela partilha com duas amigas
tinha sido assaltada e a câmara fora uma das peças levadas. O grave mesmo fora
o ipad também roubado, que continha todo o trabalho de um ano de curso cá. Irrecuperável,
sem dúvida. E que mais que justificava as lágrimas mal contidas.
Deixei-os com duas recomendações: ter sempre anotado os
números de série das peças e, caso tenha dúvidas sobre se o que se encontrou é
ou não o seu, nunca devolver ao vendedor a peça. Aquele tirar do rolo daquela
forma matou qualquer prova que ainda pudesse existir. Ou dúvidas.
O dono da banca, em os vendo afastar, veio tirar nabos da
púcara sobre a conversa, afastando-se depois mais tranquilo, que nada do que
fora dito colocava em risco a tranquilidade do seu negócio. Já a da consciência
não sei, mas sendo habitual ali, também ela não teria sido beliscada.
A única lição a tirar deste episódio é a que sei desde há
muito: na feira da ladra não se pergunta pela origem das peças em venda.
By me
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