segunda-feira, 29 de abril de 2024

O cravo e o cardo




Numa empresa que conheci por dentro, em tempos era assim:

Quando era necessário fazer trabalhos longe da área de residência pagavam-se ajudas de custo. Para refeições e alojamento.

Acontece que estas ajudas de custo eram indexadas ao salário. O que resultava que os de mais baixo salário recebiam menos, por vezes bem menos, que os de salário intermédio. Para já não falar nos de topo.

Por outras palavras: se deslocados para longe de casa, havia quem dormisse em hoteis de cinco estrelas e quem fosse procurar pensões duvidosas e partilhasse o quarto com mais três ou quatro, que não dava para mais. O mesmo sucedendo nas refeições.

Mesmo após a revolução e o primeiro 1º de Maio, levou alguns anos para que se corrigisse esta injustiça. Mesmo eu, que entrei na empresa alguns anos depois, vivi isso.

Foram os movimentos sindicais e a força dos trabalhadores unidos que acabaram com algumas destas mordomias de classe, nivelando valores e pagamentos de despesas forçadas.

Enquanto houver quem coma bife e quem coma meia salsicha, enquanto houver quem durma em lençóis de seda e quem durma em serapilheira, as revoluções e os primeiros de maio não podem ser apenas desfiles e comemorações.

Pentax K7, Sigma 70-300


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domingo, 28 de abril de 2024

Orgulho




Cada fotografia tem uma história. Com várias vertentes, algumas bem visíveis, outras ocultas. Porque fora da imagem, porque fora do tempo da imagem. Tal como há a história do fotógrafo e a história daquilo que usou.

Esta Pentax Spotmatic SP tem história.

Pertenceu ela a um bom amigo, já falecido. Nunca o conheci a usá-la ou a usar o que quer fosse Pentax. Sempre foi Canon. Nunca falámos sobre isso, mas cada um usa o que mais lhe convém, importando acima de tudo o resultado.

Veio esta câmara para as minhas mãos porque a sua esposa, algum tempo depois de ele ter falecido, em arrumando coisas antigas dele a encontrou. E, sabendo-me utilizador desta marca, não teve dúvidas em ma entregar. Suponho que sabia que ficaria em boas mãos e cuidada, o que é verdade.

É uma câmara de que tenho orgulho em possuir.

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5


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sexta-feira, 26 de abril de 2024

Topa-a-tudo




Se convidarem um canalizador para uma festa, pedem-lhe que leve uma chave francesa? E se for um escultor, que leve um cinzel? No caso de um cirurgião, deve levar o bisturi? Então porque é que se for um fotógrafo lhe pedem que leve a câmara?

Foi o que me aconteceu há uns bons anos!

Tratava-se de um jantar de natal organizado por colegas de trabalho, num espaço amplo e que contaria com muita gente e convidaram-me para estar presente. Mas que, de caminho, levasse a a câmara, já que queriam ter umas fotografias dos convivas, tanto aquando da entrada como depois, durante o repasto.

Fiquei furioso com a situação, que mais parecia uma contratação à borla que um convite. E fiquei incomodado porque nesses eventos juntam-se sempre pessoas que passam um ano inteiro a não se falarem ou ainda pior e, nestes encontros, sobrevém a hipocrisia dos sorrisos de circunstância e do convívio a contra-gosto.

Não me comprometi no momento, mas que iria pensar. É que se o evento me incomodava e o convite me insultava, enquanto fotógrafo era um desafio e sempre poderia fazer uma fotografias “especiais” de algumas pessoas de quem não gostava.

Além disso, eu não tinha uma objectiva que cobrisse todas a situações, desde a individualização a alguma distância a grupos bem perto. A alternativa seria levar duas câmaras, cada uma para o seu trabalho. Não me apetecia ter que ir carregado.

Acabei por encontrar esta objectiva que comprei. Uma Tamron Asferical 18-200mm 1:3,5-6,3. Uma espécie de canivete suisso fotográfico, capaz de fazer de tudo um pouco mas não sendo brilhante em nada. Suficientemente pequena e leve para levarmos para férias sem mais nenhuma outra, ou para a termos no saco do dia-a-dia, só para o caso de nos apetecer fazer uma fotografia, mas não sendo suficientemente luminosa para situações mais complicadas nem permitindo grandes jogos de profundidade de campo, se considerarmos até que só cobre o APS-C.

Apesar de tudo isso, e porque por vezes sou preguiçoso, acabou por ser uma objectiva que muito usei, em casa e fora dela, casualmente ou de propósito.

Posso mesmo dizer que, apesar de não recomendar objectivas zoom em geral e com esta amplitude em particular a aprendizes de fotografia, esta foi das que mais usei nos últimos anos.

O que acaba por ser divertido é que o tal jantar de natal para o qual fui “convidado” acabou por não acontecer.

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5


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quinta-feira, 25 de abril de 2024

Celebrações




A cada um a sua sensibilidade e memórias.

Do que recordo daquilo que hoje se assinala, e do que dela se seguiu, são dois factores importantes.

Por um lado, aquilo que todos referem: a liberdade, o fim da guerra colonial e da sociedade castrante e castrada com polícia e censura.

Por outro, o termos uma certeza visceral de que o futuro estava nas nossas mãos. Decidirmos e fazermos, sem esperarmos que uma qualquer organização ou burocracia decidisse ou fizesse.

Na escola (eu era adolescente), na rua, no trabalho, a democracia era directa e imediata. E se havia que fazer, o que quer que fosse, estávamos lá para isso, mesmo que a duras penas, com a alegria de sabermos que o que saída das nossas mãos era para um bem colectivo e generalizado.

Este espírito feneceu. Hoje celebramos a liberdade, tendo-a por certa que o não é. Celebramos a democracia, mas a mais fácil: a representativa.

Atribuímos a alguns de elite as tarefas e responsabilidades de decidirem sobre o nosso futuro, ficando conformados com os resultados mesmo que discordemos ou nos incomodem. E saímos do nosso conforto apenas para descer a avenida celebrando o que deve ser celebrado mas nunca para construir o que deve ser construído.

Deixamos ter o nosso futuro a sair das nossas mãos, seguindo os ditâmes de alguns, ainda que escolhidos. E isso não é liberdade plena!

Pentax K1 mkII, Tamron 18-200


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quarta-feira, 24 de abril de 2024

OK, tudo fixe




Algumas pessoas vivem num mundo muito seu, tentando sobreviver na fina linha que o separa do nosso normal.

E nós, na nossa intolerância ao que sai do nosso normal, chamamos-lhes loucos ou outro piropo equivalente.

Quando viu a fotografia no ecrã da câmara, abriu bem os olhos e comentou sorrindo francamente: “Olha! Este sou eu.”

Obrigado pelo retrato, srº Lima.

Pentx Kx, Pentax DAL 18-55mm


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terça-feira, 23 de abril de 2024

Privacidades




Aceitou o fazer da fotografia. Já o nome não quis dizer.
Apesar de permitir o uso, a privacidade tem destas coisas.
Chamemos-lhe “A mocinha da baguete”.
Pentax K1 mkII, Pentax-M 35mm 1:2

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Marcas e afectos




Eu sou um utilizador Pentax.

Não sendo fanático a esse respeito, prefiro usar equipamento Pentax a usar outras marcas, desde que o resultado me satisfaça.

Essa preferência surgiu no final dos anos ’70 com a compra da minha primeira Pentax MX, por sugestão de um mestre e amigo e fui ficando.

Durante muito tempo mantive-me na marca e sistema por não ter como mudar porque, queira-se ou não, fotografia é algo dispendioso e não se troca de sistema como quem troca de camisa.

Depois... bem, depois veio o afecto por aquela ferramenta que tão carinhosamente encostamos ao rosto, que cuidamos e afagamos e que, se bem usada, nos proporciona momentos de satisfação e desejos de ir mais longe no seu uso. Ir mais longe no que fazemos e ir mais longe no que temos ao dispor.

Durante muito tempo este tipo de objectiva – 80-200 – esteve longe das minhas possibilidades. Mas, quando entrei no campo das câmaras digitais, encontrei uma que me satisfazia e a uma preço que podia pagar. Mas não é Pentax. E a dualidade entre a marca e o resultado foi-se mantendo, mesmo que isso não me tirasse o sono.

Um dia encontrei esta Takumar Bayonet 80-200mm 1:4,5.

Data de meados dos anos ’80, é muito maior e bem mais pesada que as equivalentes actuais, nenhum dos automatismos que encontramos hoje e a qualidade de imagem é a da Pentax dessa época.

Mas é uma Pentax, que uso de quando em vez no lugar de uma 70-300 para APS-C que tenho. Com a satisfação de obter o resultado que quero ou espero com algo da marca que prefiro e uso.

Que isto de marcas de equipamento fotográfico é um pouco como os clubes de futebol: para além da qualidade dos resultados, se equivalentes, preferimos uma em desfavor de outras por questão de hábito e afectos.

E se não tivermos afecto por aquilo que encostamos na cara, aquilo que fazemos é insípido e meramente mecânico.

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5


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