Poderia ter feito como em outros anos e ter ido engrossar as fileiras dos que desfilam no 1º de Maio. O meu horário de trabalho este ano, de entrar às seis da manhã, assim o permitia. Seria mais um a lutar com a minha presença, pelos direitos de quem trabalha.
Mas a emissão da manhã tirou-me a vontade. Sentados lado a lado em estúdio, estiveram os dois líderes das principais centrais sindicais a falar do dia e das razões que lhes assistem. Nem se cumprimentaram, nem se sorriram, nem se falaram. E, quando o jornalista lhes perguntou, com sofisma, para quando uma manifestação conjunta, titubearam, meteram as mãos pelos pés e deram a entender que não estava nos seus planos a curto prazo. Talvez que num futuro, distante, bem distante, se bem soube entender o que disseram e o que não disseram.
Este antagonismo mal disfarçado, se bem que por mim bem conhecido de há muito, deixou-me furioso! Porque, afinal, as posições de ambas as organizações até que são semelhantes. Diferentes mas bem semelhantes. E, juntos, obteriam bem melhores e mais rápidos resultados nas suas reivindicações.
Mas as coisas são como são e, neste 1º de Maio de 2008, não me apeteceu dar força com a minha presença a nenhum destes adversários de longa data.
No seu lugar, preferi ir ser mais um dos que se manifestaram e desfilaram, a partir do Largo de Luís de Camões, em Lisboa. Meio marginal, o evento acontecia sob o nome de May Day. O objectivo, transnacional, é dar voz específica aos que vivem com e da precariedade do seu trabalho, bem como à precariedade do seu futuro.
E, no meio daquela pequena multidão maioritariamente composta de gente nova (talvez que eu fosse o mais velho naquele espaço) vejo uma equipa de reportagem.
Com idades iguais ou ligeiramente inferiores à média dos presentes, tinham todo o aspecto de estudantes nestas coisas do audiovisual que, aproveitando o ensejo, estavam ali para fazer um trabalho prático. Bem vista a oportunidade!
E, ainda que a câmara andasse rodando de um para outro ombro, apercebi-me que as funções estavam mais ou menos bem definidas, cada um com uma tarefa definida. E, para minha alegria, o ombro que tinha a “ingrata” tarefa de carregar e apontar “o bicho”, era feminino.
Mas que alegria mesmo! Num país ainda bastante machista, onde as oportunidades de emprego definem-se pelo que há a fazer e pelo género, num país onde se fala em aplicar cotas na atribuição de cargos políticos, no lugar de deixar que os méritos falem mais alto para além do sexo, ver uma mulher segurar uma câmara no ombro e, apesar disso, ter toda a sua feminilidade patente no vestir e gesticular, é bom de ver! É mesmo bom de ver!
Que, neste ofício são raras e marginalizadas.
O que já não foi tão bom de ver foi a forma como ela e os seus companheiros seguravam o equipamento. Mão direita na objectiva, manobrando o comando de zoom, mão esquerda no visor de ocular. Claro que faltava uma mão para afinar o foco ou controlar a exposição. Para já não falar na estabilidade da câmara e no seu permanente nivelamento. Deixando de parte a fragilidade do visor, que não foi concebido e construído para ser o suporte da câmara.
Perdi então a vergonha e, tirando partido da brancura e comprimento das minhas barbas, abordei-os, tratando de ser tão afável quanto o possível, no meio daquela gente toda. E meio paternalista, lá lhes sugeri que segurassem a câmara como é suposto ser feito, dando uso prático às duas mãos. Afinal, aquilo tem sido estudado por muitos e competentes profissionais para um máximo de ergonomia e eficácia. E aquele não seria, com toda a certeza, o melhor resultado.
Para surpresa minha, dois deles reconheceram-me, que já tinham estado lá, onde trabalho e tínhamos estado um pouco à conversa, com umas dicas pelo caminho. E, em dado o recado, fomos cada um para seu lado, eles com o vídeo, eu com a fotografia, que era para isso que lá estávamos.
Mas lá no fundo, enquanto ia fazendo os meus bonecos, ia pensando no caso e ficando triste. Que eles eram estudantes da Escola Superior de Comunicação Social. E que esta, aparentemente, não lhes tinha dado a formação correcta. Porque alguma lhes teria dado, ou não lhes teria fornecido a câmara para trabalho autónomo no exterior. O mínimo que se poderia esperar seria que soubessem segurar no raio da câmara, que diabo! De uma forma segura e eficaz!
Pergunto-me que saberão eles de prático no final de três anos de estudo, pagando bom dinheiro pelo curso. Que, como ouvi e aprendi faz muito tempo, “A teoria sem prática é cega, a prática sem teoria é estúpida!”
Em qualquer dos casos, espero que o trabalho lhes tenha corrido bem e que, mais tarde ao visionarem as imagens que fizeram, se apercebam da diferença entre segurar mal e bem a câmara. Não é a “pedra de toque”, mas pode ser o que separa um trabalho sofrível de um bem feito!
E venham daí a mulheres para se agarrarem à câmara! Que só conheço duas por cá, e uma delas já nem exerce. Mostrem que isto de trabalho tem a ver com as capacidades de cada um e não com o sexo ou com ideias pré-concebidas!