domingo, 10 de janeiro de 2021

Subtilezas perigosas



 

Sabemos que comunicar passar por usar códigos. Explícitos ou implícitos, conhecidos ou apenas interiorizados.

E sabemos que, consoante eles são utilizados por quem emite a “mensagem”, assim são interpretados por quem a recebe.

Dois exemplos, simples, sobre comunicação verbal:

1 – Numa redacção de um órgão de comunicação social foi alterado o verbo usado sobre a morte de um líder político. Ele morreu em virtude de uns mísseis disparados por helicóptero inimigo.

Inicialmente falou-se em “foi assassinado” e foi imposto por quem podia fazê-lo “foi abatido”. Aparentemente será o mesmo, mas o verbo “assassinar” tem uma carga de ilicitude ou crime, enquanto o verbo “abater” tem uma carga de legitimação do acto.

Ficou assim clara a posição sobre o conflito armado de quem impôs um verbo em alternativa ao outro

2 – “Eu comi um bife” versus “Um bife foi comido por mim”. As clássicas formas gramaticais “voz activa” e “voz passiva” que aprendemos na escola.

Se no primeiro caso o centro da acção é quem come, no segundo é o bife. E isto altera a importância do que é contado.

Trata-se de uma técnica usada frequentemente por quem usa a comunicação como forma de ganhar a vida. E de moldar opiniões.

 

Na linguagem visual o mesmo se passa: pequenas mudanças nos contrastes de luz ou de perspectiva fazem toda a diferença na interpretação subjectiva que se faz do que se vê.

Uma luz que resulte em maiores contrastes evidencia sombras e, consequentemente, rugas. “Envelhecendo” a pessoa ou tornando o seu semblante mais duro ou agressivo. O contrário é igualmente verdade.

De igual forma, a perspectiva ou ponto de vista induz quem vê a gostar mais ou menos o que é mostrado. Ou a criar maior ou menor ansiedade ou expectativas.

Vejamos os exemplos da imagem:

No caso da mocinha, não temos qualquer dúvida que o centro de atenção no exemplo da esquerda é o olhar dela. Já no exemplo da direita é a mão e, mais concretamente, o boneco que segura.

Isto é definido, queiramos ou não, pelo sentido de leitura que temos na nossa sociedade (esquerda/direita) e pelo facto de, em havendo uma figura humana, procurarmos inconscientemente o local para onde estará a olhar, conduzindo o nosso olhar inexoravelmente para lá. Por esta ordem de importância.

Já no caso do boneco com óculos, se do lado esquerdo nos centramos nele, tal como com a mocinha, no caso do lado direito a nossa atenção será levada para fora da imagem, tentando perceber para onde estará ele a olhar.

 

Estes exemplos são clássicos na composição de imagem e na comunicação visual. Nada terá de novo para quem se debruce sobre o assunto a sério, quer como autodidacta quer como estudante da matéria.

Acontece que o público em geral não tem este tipo de conhecimentos específicos e o mais que lhe acontece é ser levado por eles sem deles se aperceber. E ser induzido a ter as sensações e as interpretações que que queremos.

Sabem disto os publicitários, sabem disto os cineastas, sabem disto os profissionais de imagem.

Mas se isto será útil na venda de um produto ou na criação de um filme, novela ou musical, já se torna particularmente perigoso quando falamos de política, dentro ou fora de campanhas eleitorais.

O modo como essas figuras são mostradas ao público, em suporte impresso ou electrónico, molda opiniões, ajusta sensibilidades e induz o comum do cidadão a gostar mais ou menos de quem nos é mostrado. Sem que disso se aperceba.

Assim, não é de todo inocente colocar num debate político os intervenientes do lado esquerdo ou do lado direito. Um lado e outro não têm a mesma força, não “contam a mesma estória” e não têm o mesmo efeito no público.

 

Num mundo onde a imagem é rainha omnipresente, deveria ser conteúdo obrigatório no ensino o saber interpretar imagens e descodificar mensagens visuais, tal como o é com a palavra escrita.


By me

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