sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Trocar é bom!




Quando era garoto, trocava cromos e guelas;

Já espigadote, trocava beijos;

Mais tarde, troquei truques e saberes;

Ao longo dos anos, tenho trocado ideias e ideiais;

Agora, que a fotografia ocupa o lugar que ocupa, troco um cigarro por uma foto do seu olhar.

Não sei se será um negócio honesto, que um cigarro arde e desaparece, enquanto que uma fotografia…

Mas sendo que, enquanto negoceio, sempre vou dando uns piropos e uns elogios… quem esquece um galanteio de um anónimo que provoca um sorriso?

Enquanto fumar não for de todo proibido, tenho negócio garantido.


By me

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Verso e reverso




Sabemos que a imagem é rainha nos tempos de hoje. Talvez mesmo imperatriz.
Mais ainda: sabemos que a imagem – com os seus significados e significantes – é bem mais antiga que a escrita, e que nós hoje quase que veneramos essas antiguidades.
Mas a história da imagem não é nem linear nem pacífica. O seu peso mágico ou místico nas diversas culturas foi variando com os tempos. Tal como as associações que cada uma e cada individuo fazia ou faz à imagem ou ao que ela representa.
Antes de endeusarmos a imagem nos tempos que correm, talvez seja útil termos uma ideia do que ela foi no passado.
Aqui, uma transcrição de parte do artigo sobre “iconoclastia” retirado da Wikipédia (que vale o que vale mas pode servir de pista para outros estudos ou cogitações).

Iconoclastia ou Iconoclasmo (do grego εικών, transl. eikon, "ícone", imagem, e κλαστειν, transl. klastein, "quebrar", portando "quebrador de imagem") foi um movimento político-religioso contra a veneração de ícones e imagens religiosas no Império Bizantino que começou no início do século VIII e perdurou até ao século IX.
Os iconoclastas acreditavam que as imagens sacras seriam ídolos, e a veneração e o culto de ícones por conseqüência, - idolatria.
Em oposição a iconoclastia existe a iconodulia ou iconofilia (do grego que significa "venerador de imagem"), ao qual defende o uso de imagens religiosas, "não por crer que lhes seja inerente alguma divindade ou poder que justifique tal culto, ou porque se deva pedir alguma coisa a essas imagens ou depositar confiança nelas como antigamente faziam os pagãos, que punham sua esperança nos ídolos [cf. Sl 135, 15-17], mas porque a honra prestada a elas se refere aos protótipos que representam, de modo que, por meio das imagens que beijamos e diante das quais nos descobrimos e prostamos, adoramos a Cristo e veneramos os santos cuja semelhança apresentam.
Em 730, o imperador Leão III, o Isáurio proibiu a veneração de ícones. O resultado foi a destruição de milhares de ícones pelos iconoclastas, bem como mosaicos, afrescos, estátuas de santos, pinturas, ornamentos nos altares de igrejas, livros com gravuras e inumeráveis obras de arte. O iconoclasmo foi oficialmente reconhecida pelo Concílio de Hieria de 754, apoiado pelo imperador Constantino V e os iconófilos severamente combatidos, especialmente os monges. O concílio não teve a participação da Igreja Ocidental e foi desaprovado pelos papas, provocando um novo cisma. Posteriormente a imperatriz Irene, viúva de Leão IV, o Cazar, em 787 convocou o Segundo Concílio de Niceia, que aprovou o dogma da veneração dos ícones, e recuperou a união com a Igreja Ocidental. Os imperadores que governaram após ela – Nicéforo I e Miguel I Rangabe – seguiram com a veneração. No entanto, a derrota de Miguel I na guerra contra os búlgaros em 813, levou ao trono Leão V, o Arménio, que renovou a iconoclastia.
Durante a regência da imperatriz Teodora, o iconoclasta patriarca de Constantinopla João VII foi deposto, e em seu lugar erguido o defensor da veneração Metódio I. Sob a sua presidência em 843, ocorreu outro concílio, que aprovou e subscreveu todas as definições do Segundo Concílio de Niceia e novamente excomungou os iconoclastas. Ao mesmo tempo foi definido (em 11 de março, data da reunião do concílio em 843) a proclamação da memória eterna da ortodoxia e o anatematismo contra os hereges, ainda realizada na Igreja Ortodoxa atualmente como o "Domingo da Ortodoxia" (ou "Triunfo da Ortodoxia").
--------

Ao colocarmos hoje no lugar de quase deus a actividade que fazemos (imagem, fotografia), convém que tenhamos a noção que tudo isso já foi pensado pelos antigos e que o verso e o reverso já foi ponderado.
Talvez que o problema da actual sociedade de informação (imagem incluída) seja a dificuldade de criarmos algum pensamento realmente original.

By me

Memórias


 


Tive um tio que fazia todo o tratamento técnico de arte gráfica numa pequena fábrica de estamparia. Fotografava, retocava, imprimia e positivava nas sedas que haveriam de receber e deixar passar as tintas…

Tudo aquilo era quase magia para mim, que era pequenote. E ele tentava passar alguns dos truques ou técnicas que usava. A maioria “passou-me ao lado”, mas algumas ficaram.

Uma delas tenho-a recordado nestes últimos dias:

Pela primeira vez na vida tenho o princípio de frieiras. Talvez da idade, talvez do frio, talvez por raramente usar luvas… Nada de grave ou incómodo, mas é um princípio. E quem sabe o que acontecerá num outro ano ou local, com dias tão frios como os que tivemos agora.

Pois esse meu tio dizia que tinha um remédio quase milagroso para as frieiras e que os ingredientes eram um sub-produto do seu trabalho.

De acordo com ele, faz-se uma pequena “boneca” com algodão e compressas (ou equivalente) embebe-se em revelador exausto (gasto) e aplica-se leve e repetidamente nas zonas de frieiras. Sem esfregar e por alguns minutos. E, após o tratamento, lava-se a zona com água morna. E repete-se o tratamento alguns dias seguidos

Segundo o que ele dizia, a alcalinidade do revelador “queima” a superfície da pele, permitindo que recupere e cicatrize com facilidade.

Nunca usei tal “mezinha”. Nunca tive frieiras até agora e muito menos nos tempos em que tinha o laboratório fotográfico activo.

Agora não tenho o espaço, pese embora tenha o equipamento guardado. E não tenho os químicos, muito menos exaustos.

Quem sabe, um dia… Em voltando a revelar película e/ou papel e em tendo frieiras a ponto de necessitar trata-las.

E pergunto-me o que dirá um médico ou farmacêutico destes tratamentos que os antigos sabiam e usavam.

 

Na imagem: técnicas de antigamente.

Um copo fotografado quatro vezes no mesmo diapositivo, com posições diferentes da câmara.

Recordo ter usado uma Linhoff Kardan Collor, com uma Xenar 150mm f/4,5 e película rígida 9x12 Agfachrome  160T.

Tal como recordo ter usado duas lâmpadas de 500W com papel vegetal como difusor e muita cartolina preta presa com arame  e molas para controlar o fluxo luminoso.

E que os suportes das lâmpadas, porque os tripés de iluminação eram caros e raros por cá, feitos com varões extensíveis de casa de banho, apoiados no chão e no tecto.

E recordo, com alguma vivacidade, as broncas que ouvi pela confusão que montei de noite na sala de jantar da família.

Mas, há quarenta anos, não tinha alternativa.


By me

domingo, 17 de janeiro de 2021

"Cântico negro", José Régio




“Vem por aqui” – dizem-me alguns com os olhos doces

Estendendo-me os braços, e seguros

De que seria bom que eu os ouvisse

Quando me dizem: “vem por aqui!”

Eu olho-os com olhos lassos,

(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)

E cruzo os braços,

E nunca vou por ali…


A minha glória é esta:

Criar desumanidade!

Não acompanhar ninguém.

– Que eu vivo com o mesmo sem-vontade

Com que rasguei o ventre à minha mãe


Não, não vou por aí! Só vou por onde

Me levam meus próprios passos…


Se ao que busco saber nenhum de vós responde

Por que me repetis: “vem por aqui!”?


Prefiro escorregar nos becos lamacentos,

Redemoinhar aos ventos,

Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,

A ir por aí…


Se vim ao mundo, foi

Só para desflorar florestas virgens,

E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!

O mais que faço não vale nada.


Como, pois sereis vós

Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem

Para eu derrubar os meus obstáculos?…

Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,

E vós amais o que é fácil!

Eu amo o Longe e a Miragem,

Amo os abismos, as torrentes, os desertos…


Ide! Tendes estradas,

Tendes jardins, tendes canteiros,

Tendes pátria, tendes tectos,

E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios…

Eu tenho a minha Loucura !

Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,

E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios…


Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.

Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;

Mas eu, que nunca principio nem acabo,

Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.


Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!

Ninguém me peça definições!

Ninguém me diga: “vem por aqui”!

A minha vida é um vendaval que se soltou.

É uma onda que se alevantou.

É um átomo a mais que se animou…

Não sei por onde vou,

Não sei para onde vou

– Sei que não vou por aí!


Imagem: by me

sábado, 16 de janeiro de 2021

Não dominamos o tempo




Apenas nos equilibramos nele, tentando que cada grão de areia não bloqueie a engrenagem que queremos que funcione.

E a que chamamos vida.


By me

Lembrete


 


Eu não pinto os lábios de vermelho!

Prefiro, antes sim, que se saiba que há “portugueses de bem” e os outros. E que estes não têm lugar no paradisíaco país que o senhor que construir.

Não sei como pensa fazer, mas a selecção da raça não é novidade no mundo, infelizmente. Pela pele e pela mente.

A seguir queimará livros e mandará construir fábricas de arame farpado.

Não peço aos deuses que nos protejam: peço aos Homens que se protejam, bem escolhendo através do voto.


By me

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Género e fotografia




Não adianta muito estarmos com ilusões: a Fotografia é um mundo de homens!

Dito isto, e antes que me atirem as óbvias pedras de escandalizados, deixem-me explicar.

Por mais voltas que possamos dar, a verdade é que a grande maioria dos fotógrafos conhecidos são homens. Desde o início da prática da fotografia.

E se, nos primórdios, se poderia argumentar que as artes e as técnicas eram coisas masculinas e que só algumas mulheres conseguiam singrar e a muito custo, nos tempos que correm já não se pode dizer o mesmo.

O papel da mulher no mundo do trabalho e das artes já não é tão segregado e as oportunidades são quase (quase) iguais.

Mas a verdade é que, se dermos uma olhada com olhos de ver, constatamos que, ainda assim, os nomes de gente ligada à fotografia continuam a ser primordialmente masculinos. No jornalismo, na moda, nos desportos, nos eventos, na arquitectura… Quem procurar vai encontrar uma notória desproporção entre eles e elas.

E não é, estou certo, por falta de qualidades por parte das mulheres!

Mas se olharmos para os trabalhos das mulheres fotógrafas podemos concluir o mesmo. Mais ou menos.

Grande parte das imagens feitas por mulheres que contenham seres humanos é de mulheres ou crianças.

Poderíamos imaginar que os homens se sentem mais atraídos por mulheres para as fotografarem. O eros, a fantasia, o mercado, os afectos… Tudo isto poderia e pode justificar que os homens fotografem mulheres.

Mas ver que a maioria das mulheres fotografa mulheres e não homens deita por terra quase todos os argumentos acima enunciados. Que a atracção pelo sexo oposto, quer pela sensualidade, quer pela vivência do quotidiano, faria com que fosse o oposto.

E o argumento da beleza das formas também não colhe. Que o masculino é tão belo quanto o feminino, quando tratado com igual cuidado.

Tenho algumas explicações para isso. Adaptadas do que acontece com a pintura e bem explicada por John Berger:

Quem consome fotografia é maioritariamente masculino.

São os homens que encomendam os trabalhos, são os homens que os pagam, são os homens que compram as publicações. E se quem paga prefere um determinado produto, quem produz tenta satisfazer o mercado.

Claro que poderíamos aqui introduzir toda uma lista de discussões sobre se a mulher gosta mais ou menos de se exibir ou ser fotografada que o homem. Ou se é mais fácil convencer um homem ou uma mulher a ser fotografada. E os motivos que levam a existirem mais mulheres que homens como modelos de moda. Ou os motivos que conduzem a que nas linhas de partida ou nos pódios de desportos motorizados estarem mulheres a saudarem os vencedores e não homens.

É todo um mundo de argumentos e temas sobre a forma como os Humanos enquadram o masculino e o feminino.

Mas é garantido que há mais homens que mulheres a fotografar e a serem reconhecidos neste mister. E que as mulheres, tal como os homens, preferem as mulheres para fotografar.


Depois de tudo isto dito, e depois de pesquisarem um pouco para contestar ou concordar comigo, podereis atirar-me pedras se o entenderem.


By me

domingo, 10 de janeiro de 2021

Subtilezas perigosas



 

Sabemos que comunicar passar por usar códigos. Explícitos ou implícitos, conhecidos ou apenas interiorizados.

E sabemos que, consoante eles são utilizados por quem emite a “mensagem”, assim são interpretados por quem a recebe.

Dois exemplos, simples, sobre comunicação verbal:

1 – Numa redacção de um órgão de comunicação social foi alterado o verbo usado sobre a morte de um líder político. Ele morreu em virtude de uns mísseis disparados por helicóptero inimigo.

Inicialmente falou-se em “foi assassinado” e foi imposto por quem podia fazê-lo “foi abatido”. Aparentemente será o mesmo, mas o verbo “assassinar” tem uma carga de ilicitude ou crime, enquanto o verbo “abater” tem uma carga de legitimação do acto.

Ficou assim clara a posição sobre o conflito armado de quem impôs um verbo em alternativa ao outro

2 – “Eu comi um bife” versus “Um bife foi comido por mim”. As clássicas formas gramaticais “voz activa” e “voz passiva” que aprendemos na escola.

Se no primeiro caso o centro da acção é quem come, no segundo é o bife. E isto altera a importância do que é contado.

Trata-se de uma técnica usada frequentemente por quem usa a comunicação como forma de ganhar a vida. E de moldar opiniões.

 

Na linguagem visual o mesmo se passa: pequenas mudanças nos contrastes de luz ou de perspectiva fazem toda a diferença na interpretação subjectiva que se faz do que se vê.

Uma luz que resulte em maiores contrastes evidencia sombras e, consequentemente, rugas. “Envelhecendo” a pessoa ou tornando o seu semblante mais duro ou agressivo. O contrário é igualmente verdade.

De igual forma, a perspectiva ou ponto de vista induz quem vê a gostar mais ou menos o que é mostrado. Ou a criar maior ou menor ansiedade ou expectativas.

Vejamos os exemplos da imagem:

No caso da mocinha, não temos qualquer dúvida que o centro de atenção no exemplo da esquerda é o olhar dela. Já no exemplo da direita é a mão e, mais concretamente, o boneco que segura.

Isto é definido, queiramos ou não, pelo sentido de leitura que temos na nossa sociedade (esquerda/direita) e pelo facto de, em havendo uma figura humana, procurarmos inconscientemente o local para onde estará a olhar, conduzindo o nosso olhar inexoravelmente para lá. Por esta ordem de importância.

Já no caso do boneco com óculos, se do lado esquerdo nos centramos nele, tal como com a mocinha, no caso do lado direito a nossa atenção será levada para fora da imagem, tentando perceber para onde estará ele a olhar.

 

Estes exemplos são clássicos na composição de imagem e na comunicação visual. Nada terá de novo para quem se debruce sobre o assunto a sério, quer como autodidacta quer como estudante da matéria.

Acontece que o público em geral não tem este tipo de conhecimentos específicos e o mais que lhe acontece é ser levado por eles sem deles se aperceber. E ser induzido a ter as sensações e as interpretações que que queremos.

Sabem disto os publicitários, sabem disto os cineastas, sabem disto os profissionais de imagem.

Mas se isto será útil na venda de um produto ou na criação de um filme, novela ou musical, já se torna particularmente perigoso quando falamos de política, dentro ou fora de campanhas eleitorais.

O modo como essas figuras são mostradas ao público, em suporte impresso ou electrónico, molda opiniões, ajusta sensibilidades e induz o comum do cidadão a gostar mais ou menos de quem nos é mostrado. Sem que disso se aperceba.

Assim, não é de todo inocente colocar num debate político os intervenientes do lado esquerdo ou do lado direito. Um lado e outro não têm a mesma força, não “contam a mesma estória” e não têm o mesmo efeito no público.

 

Num mundo onde a imagem é rainha omnipresente, deveria ser conteúdo obrigatório no ensino o saber interpretar imagens e descodificar mensagens visuais, tal como o é com a palavra escrita.


By me

sábado, 9 de janeiro de 2021

Resistência


 


Vimos os pides e as revoluções. Vimos as armas e os saneamentos. Vimos as concorrências e as sabotagens. Vimos governos e administrações.

A tudo isto sobrevivemos, com maiores ou menores angustias, todos os dias afivelando no rosto o esgar de quem quer mostrar que está tudo tão bem quanto possível e que vamos continuar o nosso trabalho junto do público.

Não é agora um vírus que nos vai deitar abaixo, caramba!


By me

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Debates


 


Não pude acompanhar ontem. As tecnologias actuais permitiram-me ver/ouvir hoje.

Um poeta ingénuo contra um demagogo perigoso. Ou vice-versa.

A liberdade, e não a confundamos com a democracia, tem destas coisas. Que chega a dar vontade de rir. Quase.


By me

domingo, 3 de janeiro de 2021

Ser ou não ser não é a questão




Um dos atributos do ser humano, enquanto ser vivo, e considerado o mais positivo, é, simultaneamente, um dos que o mais prejudica: a capacidade de comunicar elaboradamente!

Esta comunicação (efémera se falada ou gestual, permanente se materializada por símbolos ou formas), ao fazer expressar pensamentos igualmente elaborados, permite-nos criar o conceito de Bem e de Mal, de Verdade e de Falsidade.

E desde que estes aspectos se tornaram evidentes e importantes na actividade humana, tentaram-se encontrar formas de dar credibilidade à comunicação, definindo verdade e mentira, aplaudindo uma, censurando a outra.

O conceito de honra é uma dessas formas, onde não apenas se cumpre e faz cumprir códigos de conduta rigorosos, como se afirma por verdadeira cada afirmação emanada de um homem honrado. A falta de honra ou o apodo de mentiroso é dos piores estigmas que a sociedade pode impor ao indivíduo.

Esta necessidade da verdade é tão grande que os tribunais, criados para apurar a verdade e corrigir as injustiças ou actos delituosos, o falar verdade é vital. É um estereotipo do cinema norte-americano o jurar-se em julgamento “Falar a verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade”. E remata-se isto com o testemunho de “Deus”, que é o último refúgio da verdade inquestionável, mas igualmente não demonstrável. (Será curioso de ver como serei tratado um dia que tenha que prestar testemunho num desses tribunais, eu que sou agnóstico.)

A afirmação da verdade é vital para o ser humano que usa testemunhos, exemplos, demonstrações, como eu estou agora aqui mesmo a fazer com estas linhas.

A verdade ou credibilidade da comunicação é, assim, a pedra de toque da sociedade e, em quebrando-se, desmorona-a.


Confrontado com alguma forma de comunicação, o Homem procura, em primeiro lugar, saber da sua credibilidade. Quer se trate de verbalização, escrita ou iconografismo.

Claro está que ninguém põe em causa uma pintura. Presume-se que ela, e o seu autor, não pretendem ser verdadeiros ou falsos. São um conjunto de símbolos cuja veracidade não importa.

Já com a escrita o mesmo não se passa. Ou bem que pensamos “Isto é credível” ou então “Isto é faz-de-conta”. Presume-se que num jornal não se encontram falsidades, mas definimos outras formas de escrita como “ficção”. E, se por acaso, se constata que num jornal constam falsidades, é um “Ai Jesus”, com acusações recíprocas e recurso aos tribunais para repor a verdade. E a credibilidade do jornal vai por água abaixo.

Na 7ª arte – o cinema - e no seu sucedâneo – a televisão – existem três categorias de credibilidade: o que é inquestionavelmente verdade (informação), o que é indubitavelmente ficção (séries, filmes, novelas, etc) e o que, sendo verdade, usa palavras ou imagens falsas (documentários). Ninguém acredita que um cineasta esteja anos a fio a filmar um mesmo leão em África para contar a sua história. Acredita-se que eles vivem daquela forma mas sabe-se que as imagens e as palavras são falsas. É um terreno pantanoso, este.



Com o surgimento da fotografia, no século XIX, supôs-se que a questão do “verdadeiro” e do “falso” pudesse ser resolvida.

Não sendo objecto de intervenção humana, mas tão-somente usando processos naturais e científicos, a imagem fotográfica assumiu contornos de “indesmentível”. Expressões como “Para mais tarde recordar” ou “ O fotógrafo estava lá” são disso exemplo.

Pelo menos no pensar do comum do cidadão. Porque cedo a justiça e os tribunais se aperceberam da possibilidade de manipulação ou falsificação da fotografia, apresentando imagens que não correspondiam à “verdade”, e recusaram-se a aceitá-la como prova para o apuramento da verdade colectiva.

Apesar desta desconfiança da justiça em relação à veracidade da fotografia, continuámos a dar-lhe o benefício da dúvida. Pelo menos em parte, dependendo do contexto onde ela se insere.

Presumimos como sendo verdadeiro testemunho da verdade se inserida num periódico em que acreditamos ou ao qual não atribuímos a possibilidade de nos mentir. Tanto assim é que os jornalistas ou empresários da comunicação quase não dispensam a utilização da fotografia para dar reforço e credibilidade aos textos e mensagens impressas.

Mas pomos essa credibilidade ou veracidade da fotografia em causa quando são usadas em publicidade ou exibidas numa galeria de arte. Das primeiras porque os publicitários não primam por “falar verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade”, pelo que o seu trabalho, fotografia incluída, podem e devem ser postas em causa. Das segundas, penduradas numa parede de uma galeria de arte ou publicadas em livros ou revistas conexos, ficamos na dúvida. Se a imagem com que somos confrontados é semelhante à nossa própria experiência, aceitamo-la como verídica; se a achamos ou ao seu conteúdo como estranhas ou dissonantes com as nossas próprias verdades, interpretamo-las como falsas. Mas não nos incomoda, porque numa galeria de arte não esperamos encontrar a “Verdade” mas tão só a expressão do autor, que se pode deixar levar pela imaginação ou fantasia e criar uma “Verdade” que só existe no seu íntimo. E nós, público, entendemo-las como tal.


No uso quotidiano do cidadão comum, amador fotográfico ou nem isso, a fotografia foi sempre considerada como um testemunho verídico e credível. As fotografias de férias e passeios, das festas de anos, de grupo ou de família, as feitas na bancada do estádio ou perante um acidente ou catástrofe não são (ou não eram) postas em causa.

O facto do fotógrafo amador não dominar as técnicas “complexas” da fotografia, de apontar e disparar, deixando o resto ao cuidado de laboratórios insuspeitos, dão um carácter de veracidade às imagens que ele produz.

Mas se o fotógrafo é já considerado como conhecedor das técnicas fotoquímicas, já os amigos e familiares, ao olharem para uma fotografia menos comum ou mais surpreendente, perguntam “Isto foi mesmo assim?” ou afirma “Isto tem truque!”

Com o advento da fotografia digital e a facilidade da manipulação e de acesso às ferramentas de tratamento de imagem, a questão da fiabilidade, veracidade ou honestidade da fotografia está cada vez mais posta em causa.

Até mesmo uma inocente fotografia de um pôr-do-sol ou de um salto meio acrobático do descendente irrequieto é questionável, ouvindo-se quase pela certa “Isto foi montagem?” ou “Usaste o photoshop?”


É assim que a fotografia vai rapidamente perdendo o seu carácter de documento fiel (que em boa verdade nunca o foi) e ganhando o seu verdadeiro estatuto de forma de expressão pessoal.

E, com este estatuto, a sua credibilidade é tanto maior ou menor quanto esse atributo é dado pelo seu autor ou exibidor e pelo seu público ou receptor. A honorabilidade da fotografia é tão variável quanto o ser humano, enquanto ser comunicante.

A questão põe-se, então, se se espera que a comunicação seja verdade ou mentira e no grau de credibilidade que damos ao eu autor.

Ou, por outras palavras, se se espera que uma fotografia seja ou não verdadeira.

Da mesma forma que espero que um documento científico ou uma notícia de jornal sejam verídicos, não espero que o “Memorial do convento” de José Saramago ou “Os lusíadas” de Luís de Camões sejam verídicos. Ainda que ambos se baseiem em factos reais, aceito que num romance ou poema o autor dê asas à imaginação.

De igual forma, espero que as fotografias publicadas ou exibidas como sendo ícones de uma realidade, (num jornal, revista ou livro) e apresentadas como tal, o sejam, já não o espero de fotografias cujo objectivo explícito ou implícito seja a expressão de sentimentos do autor, interpretações não de uma verdade factual mas antes sentida.


Assim, o atributo de verdadeiro ou falso dado a uma fotografia ou imagem, depende da cumplicidade, de um entendimento prévio entre quem faz e quem vê.

E se o autor ou exibidor não a afirma como verdadeira e se o público não a recebe como verdade, pouco importante é que o seja ou não.

Ser ou não ser, neste caso, não é a questão!


By me

sábado, 2 de janeiro de 2021

Semiotica


 


Falávamos de semiótica e composição de imagem.

E de como ao igualarmos ou nos ditanciarmos daquilo que é familiar ao observador do nosso trabalho, o colocamos em maior ou menor conforto, podendo mesmo criar-lhe desconforto ou desassossego.

E eu quis demonstrar que mesmo uma caneta, uma simples caneta, pode ser usado para esse efeito.

Pese embora na altura não ter usado o caderno, afirmei que quando pousamos uma caneta numa mesa o fazemos, regra geral, como na imagem de baixo: com o bico ou aparo virado para a frente.

Fui contestado e disse-me que não, que a caneta costuma ser pousada com o bico ou aparo virado para nós.

Apesar de termos tentado reproduzir os gestos que nos são familiares, ficou cada um na sua. E eu fiquei abalado na certeza que tinha.

Deixo-vos a questão: quando pousam a caneta, deixam-na como na imagem de cima ou como na imagem de baixo?

 

Obrigado pela colaboração.


By me