quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Sorte




Sorte é, disse-me alguém há uns anos valentes, quando a ocasião encontra a preparação.

Eu estava preparado: tinha sete euros disponíveis. A ocasião foi terem-me pedido exactamente isso por aquilo que aqui se vê:

Um fotómetro Sangamo Weston Master V, cuja produção aconteceu entre 1963 e 1972.

O que torna o achado num verdadeiro achado é ainda estar a funcionar. Coisa não muito comum nos fotómetros cuja célula fotossensível é feita de selénio e acabam por “morrer” com o uso.

Mas haverá que acrescentar que possui o estojo de origem, num modelo que não foi muito usado.

Junte-se lhe o estar acompanhado pelo invercone, acessório de origem para leituras de luz incidente. E com o respectivo estojo de origem.

Tudo isto num estado de conservação quase perfeito.

Quem quer que procure este conjunto na net vai encontrá-lo sem muita dificuldade. Em Portugal será peça mesmo rara neste estado.

A sorte bateu-me à porta e eu estava em casa.

 

Pentax K1 mkII, Pentax-M macro 50 1:4


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terça-feira, 28 de outubro de 2025

Detalhes incómodos




Acabo de ouvir parte das explicações do primeiro ministro sobre a lei da nacionalidade agora aprovada.

Talvez devesse ouvir na totalidade para perceber onde nela se encaixa a questão dos judeus sefarditas que podem obter a nacionalidade portuguesa pelo facto (mas não só) de serem descendentes de judeus expulsos ou fugidos de portugal há centenas de anos.

Ou a questão de atletas com outras nacionalidades que se naturalizam portugueses para poderem competir sob a bandeira de Portugal.

Mas isto são questões que agitam o mundo do dinheiro, do “desporto” e de nacionalidades, com que há que lidar com pinças.

 

Pentax K7, Sigma 70-300


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Documento




Esta fotografia tem mais de dez anos e faz parte de um conjunto que resultou de um desafio fotográfico.

Trata-se do tecto do coreto do Jardim da Estrela, que em boa verdade se chama “Jardim Guerra Junqueiro”.

Tem estado em obras de restauro, todo o coreto. Estou curioso de comparar o que era então com o que será hoje.

Que a fotografia também serve de documento.

 

Pentax K7, Tamron 18-200


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segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Perspectivas e humor




Sejamos honestos: esta fotografia será, no mínimo, insólita.

Melhor dizendo, o assunto fotografado é insólito.

Feita com uma câmara compacta, ou de bolso como costumo dizer, aconteceu no jardim da Estrela em 2012.

O seu propósito, porque tudo isto foi encenado para este efeito, foi permitir que os formandos que comigo estavam pudessem fazer diversas fotografias com diferentes distâncias focais e, com isso, perceberem como com a alteração de perspectiva, no mesmo eixo, pode resultar em mudanças de proporções e em histórias diferentes. Para já não falar na questão da profundidade de campo.

Enquanto os balões eram enchidos, fixados e desenhados, estavam eles entretidos a fotografar objectos que não conheciam e cujas finalidades desconheciam. Foi uma trabalheira recolher entre amigos e conhecidos objectos com estas características e válidos para qualquer idade.

No final da tarde expliquei qual o uso de cada um e sugeri-lhes que os voltassem a fotografar. Ficaram a perceber, entre risos e boa disposição, a importância de bem conhecer o assunto que fotografamos, humano ou não.

Sempre fiz questão que estas e outras acções formativas fossem pontuadas com humor e diversão, com um boa pitada de surpresa dos formandos com os resultados que obtinham.

A brincar aprende-se melhor e mais profundamente, não importa a idade.

 

Nikon Coolpix P7000


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Opções e condicionantes




Quem quer que alguma vez tenha feito fotografia de palco sabe que o maior inimigo do fotógrafo é o baixo nível luminoso existente.

Não é isto um defeito: é uma característica.

A iluminação de um espectáculo, seja ele de teatro, de música ou de bailado, não é apenas para que ele seja visível. É criar ambiências compatíveis com o que acontece nas tábuas, ajustando as zonas de luz e cor ao desenrolar dos acontecimentos.

Se alguns espectáculos teatrais (pensemos em revista à portuguesa, por exemplo) sugerem uma luz uniforme, garrida e de fácil leitura, outros exigem bem o oposto, criando zonas de penumbra ou mesmo escuridão total.

Acontece que o olho humano é muito mais sensível às amplitudes lúmicas que os materiais foto sensíveis. Sejam eles electrónicos ou fotoquímicos. Uma relação de contraste de 1:100 ainda tem leitura para o ser humano, é o contraste total para uma câmara.

E os espectáculos são feitos para serem vistos pelas pessoas, ao vivo e a cores.

Em havendo equipamentos de captação de imagem (fotografia, vídeo, cinema) ou bem que há reforço luminoso ou bem que os contrastes são terríveis na grande maioria dos casos. Daí que, em sendo captados, há sempre ajustes na iluminação de cena, mesmo que com prejuízo para o público na plateia.

 

Em tempos bem recuados fui fotógrafo de teatro. Um trabalho que me deu muito gozo, que aconteceu quase que por acaso e no qual aprendi muito. Sobre fotografia, sobre teatro, sobre o género humano.

Claro está que os níveis luminosos eram baixíssimos. As peças ali levadas à cena assim o exigiam. Tal como a exiguidade do equipamento de iluminação, acrescente-se.

De vontade ou não, fui obrigado a usar película em preto e branco. E por vários motivos.

Por um lado devido à temperatura de cor. Há quarenta e tal anos a película preparada para luz artificial era, na melhor das hipóteses, de sensibilidade limitada a ISO 800. E, mesmo assim, difícil de encontrar à venda e dificílimo de encontrar quem bem a trabalhasse.

Por outro porque o “grão” que as altas sensibilidades tinham sempre foram pouco admissíveis em cor. No preto e branco aceitava-se, como sendo parte integrante do processo. Agora em cor… só em trabalhos de autor e, mesmo assim, o público não o aceitava lá muito bem.

Por fim porque, não tendo eu laboratório de cor, seria particularmente dispendioso o mandar imprimir com correcção de enquadramento. E moroso. Desta forma, tendo eu o laboratório de P&B, os ajustes eram feitos à minha medida. E esta era em função do quanto o grão ficava visível e da objectiva que tinha podido usar.

Isto porque, à época, a panóplia de objectivas que tinha era limitada e não muito luminosas, para além, naturalmente, da 50mm. Mas esta apenas permitia mostrar o palco, não o contar da história, que era o que eu queria e o motivo de me terem contratado com exclusividade.

O uso do Preto e Branco nem sempre é uma opção estética. Por vezes, não havia outra solução.

Na imagem, o actor João Guedes, então integrante do TEL, Teatro Estúdio de Lisboa, interpretando a peça “O homem que se julgava Camões”, 1981.

 

Entendo a fotografia em preto e branco como um caso particular da fotografia.

Não a tenho por melhor ou pior que a fotografia colorida, apenas se adequa ou não nalguns casos.

Como as cores saturadas, como os High Key, como as silhuetas…

 

Pentax MX, Pentax 75-150 1:4


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domingo, 26 de outubro de 2025

"Trocas"




Há pouco mais de dez anos promovia eu uma espécie de workshops gratuitos sobre fotografia.

O objectivo genérico era fornecer conhecimentos muito básicos sobre a matéria a quem muito poucos tivesse e quisesse melhora-los para melhor fotografar as festas de família, as férias, os passeios...

O facto de serem gratuitos (ou em troca de algo) prende-se com algumas posições politico-filosóficas que tenho bem como comportamentos socio-pedagógicos que fui aprendendo ao longo da vida. As suas explicações ou bases ficam para outros relatos.

Eram abertos a qualquer um que quisesse, mesmo que nunca tivesse estado em momentos anteriores e as convocatórias aconteciam em redes sociais.

Esta foi uma das convocatórias, com esta ilustração.

 

Trocas fotográficas, versão 2.0.10

Troco

Alguns conhecimentos fotográficos por não importa o quê, desde que feito pelo próprio.

Data – Domingo 9 de Novembro 2014, 14.00 horas

Local – Jardim do Príncipe Real.

Chamo a vossa atenção para o facto de a hora legal ter sido alterada no Domingo, 26 de Outubro, e que os dias estão cada vez mais curtos no que a horas de sol concerne.

Por isso a hora de encontro é ligeiramente antecipada e deseja-se que não existam retardatários excessivos. Isto para que a luminosidade natural possa ser usada até cerca das 17.00/17.30, quando ela se dissipar quase que por completo.

Nota – Considerando a época do ano e a instabilidade climatérica, poderá ser alterado o local, tal como conteúdos. A assim acontecer, será feito aqui aviso, sob a forma de comentário.

- Objectivo:

Disponibilizar alguns conhecimentos básicos de fotografia, de modo a melhor dominar o equipamento que possuem os participantes.

Neste caso específico iremos abordar, e para além das dúvidas dos participantes, a análise da luz existente, condições excessivas de contraste natural e seu controlo.

- Conhecimentos exigidos aos participantes:

Nenhuns.

- Equipamento:

Se possível, trazer uma segunda peça de roupa, fácil de vestir e despir, que contraste com outra que traga vestida: se vier vestido/a de claro, trazer uma peça escura e se vier vestido/a de escuro, uma peça clara.

Um bloco de notas e uma caneta ou lápis;

Uma câmara fotográfica, digital de preferência e não importando a sua simplicidade ou complexidade, com um cartão realmente vazio e baterias carregadas.

Uma pen drive.

Se possível, trazer consigo o manual de instruções.

- Duração:

Dependente da quantidade de participantes, três a quatro horas.


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sábado, 25 de outubro de 2025

É fartar, vilanagem!




Aproveitem e desfrutem tudo o que puderem. Mais: registem com letras douradas a data, que o esforço compensará.

Tratem de não esquecer que hoje este governo decide dar alguma coisa sem cobrar impostos ou taxas.

Mais uma hora de sono ou de amor, esta noite.

Aproveitem!

 

Pentax K7,  Pentax 18-55


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sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Selfies




Um velho compincha escreveu um dia uma pérola que eu, infelizmente, terei que citar de memória:
“… e as selfies que são feitas porque ninguém os fotografa.”
Ele que me perdoe se não sou rigoroso nas palavras.

Mas a verdade é que neste mundo da imagem e da aparência, quem não tem imagem “não existe”. Quem não consta das listas das fotografias, do aparecer com, quem não repete e bombardeia tudo e todos com essa imagens de si mesmo, é como se pouca importância tivesse.
Bem o sabem os publicitários!
E a tecnologia actual, que permite fotografar e exibir para o mundo em menos de minutos, é o perfeito feitiço para transformar alguém que nunca entraria num concurso de beleza ou de popularidade, para quem raramente se apontaria uma objectiva, em alguém que todo o seu círculo de “amigos” e conhecidos conhece e observa.
As selfies!

O onanismo da imagem fotográfica!

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quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Fiquei esclarecido




Fiquei completamente esclarecido quanto a este senhor que é o presidente da Assembleia da República e, por inerência de cargo, a segunda figura do estado Português.

Foi abordado para se pronunciar sobre Francisco Pinto Balsemão, agora falecido.

E, referindo-se ao regime anterior ao 25 de Abril, intitulou-o apenas de “regime autoritário”.

Percebem-se assim algumas das suas posições no Parlamento.

 

Imagem: fotografia de um ecrã de televisão


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terça-feira, 21 de outubro de 2025

Dificuldades




O difícil, por vezes, é olharmos para um objecto ou situação e sabermos interpretar o que vemos.

Seja ele em fototografia, em palavras, em música, em tintas  ou em volumes.

Bem mais difícil é fazermos chegar a nossa interpretação a quem a recebe.

 

Pentax K7, Sigma 70-300


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segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Seu João




Os olhos dizem sempre mais que aquilo que a boca conta.
E eu não me atrevo a escrever aquilo que a boca falou, que seria indiscrição em demasia.
Fica o facto de um barbudo reconhecer e sentir-se irmanado com outro barbudo. Fica o seu nome: João Reis. E ficam os votos de “Muita merda, seu João”.
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Acrescento um detalhe técnico pessoal: No tempo em que fotografava em película e em preto e branco, carregava comigo uma panóplia de filtros para correção de contraste em função das cores. O amarelo é o clássico, seguido do laranja. Mas o azul (vários tons), o âmbar (vários tons), o verde, o verde-amarelo, o magenta, o vermelho... 
Em função da luz, das cores e tons do primeiro plano e do fundo e da emoção que queria transmitir, assim escolhia o filtro. Trabalho, tempo, experiência e muitos erros pelo caminho.
No dias que correm a técnica veio substituir o peso e volume, bem como o tempo gasto na tomada de vista. E evitar muitos erros de avaliação e execução.
Fotografias feitas em cor e trabalhadas posteriormente em função da memória das emoções aquando da tomada de vista. O que também implica, entenda-se, conhecer essas ferramentas e tomar decisões ao fotografar que ajudem o trabalho posterior.
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Pentax K1 mkII, Pentax-M 35mm 1:2

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domingo, 19 de outubro de 2025

O chato




Sou uma péssima companhia para ver uma exposição. Pelo menos essa será a opinião de alguns que foram comigo.

Gosto de ver uma exposição sem ser influenciado por aquilo que o curador, o autor ou comentador queiram que eu veja ou sinta.

Quero ter um diálogo virgem de preconceitos perante o que me mostram, sentir o que a minha alma decida sentir, apenas levada por aquilo que vejo junto com as minhas memórias ou experiências. A obra e eu, puros, nús, sem enfeites nem apertos.

No final do périplo, tomar conhecimento então do que me querem dizer sobre o exposto, com palavras mais ou menos caras e com as interpretações que quiserem dar. Sobre as obras e sobre o autor.

Depois, só depois, uma segunda volta pelo espaço, lembrando o que li ou foi dito e acedendo às legendas se as houver. Comparando então os meus próprios sentimentos com os que querem que eu tenha.

Em havendo tempo, e se se justificar, um terceiro passeio pelo espaço, demorando-me junto daquelas que justificam mais tempo porque me agradaram ou porque o que senti está em contradição com o que me contaram.  

Claro que quem me acompanha não tem, as mais das vezes, paciência para tal percurso. E, ou fica com um enfado bem visível, ou vai-me puxando para a saída com pretextos vários.

Esta minha abordagem a exposições é um dos motivos (mas não o único) que me leva a evitar as inaugurações. Para além do que possa estar afixado ou escrito na folha de sala, haverá ainda que ouvir (se se quiser ser urbano) aquilo que nos querem contar, quantas vezes discursando antes de poder dar a “minha voltinha prévia”. Um pouco pior, as mais das vezes esses discursos prévios acontecem pela voz do autor, condicionando quase até ao limite a nossa sensibilidade à dele, fazendo-nos ver quase que em exclusivo sob o seu ponto de vista.

Não quero, não gosto e fujo das inaugurações ou lançamentos como o diabo da cruz.

Com aqueles que tiveram a fatalidade de me aturar em sala de aula fiz algo de semelhante, com alguns ajustes:

Antes da visita de estudo (os Encontros de Fotografia de Coimbra eram sacro-santos) fazia-lhes uma pequena explicação sobre o ou os autores, os enquadramentos estéticos, sociais e técnicos das suas épocas. E pedia-lhes que, se conseguissem vencer a curiosidade, se abstivessem de ler o que lá estivesse para tal. E que haveria uma segunda ronda, esta já com mais informação. Enquanto eles iam vendo, eu ia acompanhando os pequenos grupos que se iam formando, conversando e tentando que abrissem a alma ao que viam, que partilhassem opiniões e sentimentos.

Já cá fora, provocava trocas de opiniões e sentimentos com uma pequena conversa em grupo.

Claro que isto não funcionava em pleno com todos os grupos e eu tinha que ajustar tempos e profundidades de temas em função dos grupos e dos interesses que lhes conhecia.

Serei um chato nestas questões, mas no que toca a expressão pessoal de terceiros temos que poder ver com os nossos olhos e não apenas aquilo que querem que vejamos. E fazer isto também se aprende.

 

Em que medida é que tudo isto se relaciona com a fotografia junta? Fica ao vosso critério a resposta.

 

Pentax K1 mkII, SMC Pentax-M macro 100mm 1:4



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sexta-feira, 17 de outubro de 2025




 Que os deuses nos protejam dos fundamentalistas. Islâmicos, cristãos, animistas ou parlamentares de direita.


Imagem roubada da net

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Acidentes




Uma ocasião, há uns anos valentes, tive um acidente.

Ao acender um cigarro, alguns pelos da barba anormalmente levantados incendiaram-se e ela começou a arder. Imaginem o susto!

Como foi no trabalho e numa zona de fumo autorizado, cedo fui alvo de piadas de colegas, em que a mais divertida foi “Cheira a corno queimado”.

Sendo certo que apaguei facilmente as chamas, e não tendo havido queimadura de pele, mais não pude fazer que rir-me da situação, criar piadas em torno dela e, quando pude, regressar a casa para verificar se os danos pilosos eram reparáveis, mantendo a barba crescida, ou nem por isso. Não eram, pelo que haveria que a cortar por inteiro.

Como “não adianta chorar sobre leite derramado” e há que, sempre, “Always look on the bright side of life”, tratei de tirar partido da coisa.

Organizei o set, fundo e luz, preparei a câmara para a selfie, e fui dar uso às lâminas de barba recém-compradas, que as que tinha em casa há muito que estavam fora de prazo.

O resultado foi esta justaposição de duas fotografias, bem demonstrativas do meu estado de espírito.

Moral da história: mesmo nos piores momentos, quando temos a alma “mais por baixo que barriga de jacaré”, haverá sempre motivo para tirar partido e fotografar.

Fica o alerta para os que, volta e meia, dizem “Ah, e tal, não tenho assunto para fotografar…”

 

Pentax K7, Tamron 28-200

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Fruta da época




A praça central aqui do bairro, por onde passam a maior parte dos autocarros, veículos ligeiros ou de carga e pedestres a caminho do comboio, está por estes dias repleta de cartazes.

Este é o que eu mais gosto.

 

Pentax K7, Pentax DA 50-200 1:4,5-5,6

 

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terça-feira, 7 de outubro de 2025

Equivalências


 


Do Camões ao Rossio nada de novo ou que se evidencie.

A raridade de se ouvir falar português; a falta de civilidade de quem caminha e não desvia um centímetro quando encontra alguém a caminhar em sentido inverso; o pseudo glamour da lojas, pálida amostra do que já foi o bairro; os pedintes e jovens sentados encostados às paredes, discretamente afastados por lojistas ou seguranças... nenhuma novidade. Excepto...

Excepto o ver um par de botas displicentemente abandonadas sobre uma papeleira, com o mesmo à-vontade no local como se estivessem num qualquer bairro suburbano.

Afinal, as diferenças não são assim tão grandes, que mesmo nos suburbanos se ouvem linguajares irreconhecíveis para um pobre recolector de imagens Tuga.

 

Pentax K7, Pentax DA 50-200 1:4,5-5,6


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sexta-feira, 3 de outubro de 2025

No Jardim da Estrela, 2008



Não eram particularmente bonitas. Pelo menos pelos nossos padrões Lusos. Mas também não eram feias. Nem pelos nossos padrões nem, suponho, pelos delas.

Irmanadas nos seus metro e sessenta, mais ou menos, diferiam nos volumes, sendo que uma era bem seca de carnes, enquanto que a outra era rechonchuda, sem ser gorda no entanto.

Partilhavam também as roupas modestas, os cabelos longos em trança numa e apanhados na outra, a carteira dependurada a tira-colo e os pensos-rápidos, os Borda d’Água e os calendários, que iam vendendo a quem encontravam no seu périplo pela cidade.

Ninguém duvidaria que se tratavam de duas Romani, migrantes vindas da Roménia.

Uma delas já eu tinha visto por ali, com a curiosidade dos seus vinte anitos e de quem vagueia sem rumo certo. Já tinha parado para ver o que ali acontecia, mas a sua timidez, bem manifesta no seu sorriso nervoso, sempre a arredara da frente da objectiva.

A outra, a mais gordita, ainda não a havia visto. Comunicativa e com um sorriso franco e cativante, logo identificou a sua conterrânea que tenho no expositor. E ainda que tenha tentado convencer a amiga em a acompanhar na experiência fotográfica, acabou por a fazer sozinha. Os pensos e o Borda d’Água ficaram de fora, mas o calendário fez questão de exibir para a posteridade. Talvez por ter a imagem da Senhora de Fátima com os pastorinhos.

Conversa feita, fotografia entregue, risos tidos, pedido de uma segunda, como não poderia deixar de ser, partiram para outras paragens por ali, em busca de alguém que quisesse o seu negócio.

O que me deixou mesmo espantado foi o fecho do episódio.

Antes de se afastar, a retratada quis-me cumprimentar e esticou-me a mão para um quase viril aperto de mão. Que retribui sem mais. E a amiga, que já tinha dado uns passos, voltou atrás para cumprir este ritual que em nada consta das tradições de origem. Que ao que sei, que fui saber para confirmar, por lá e nesta comunidade, contactos físicos entre Romani e não Romani são raros em havendo diferença de género. Mais ainda, se um homem da família não estiver presente.

O que me deixou mesmo boquiaberto foi o seu remate de saudação: levantado a mão, levou-me àquela palmada amigável de palma com palma. Sinal de código de grupo juvenil, em nada relacionado com as suas origens e menos ainda com as nossas diferenças de idade.

Foi toque de cumplicidade, um agradecimento personalizado de alguém que pouco ou nada tem para dar em troca do recebido. E foi também um misturar de culturas, um mostrar conhecer os hábitos locais, ainda que não os certos.

Esta aculturação, e facto de o ter feito, fez com esta fotografia feita no Jardim da Estrela fosse das mais bem pagas que ali tive.

Senti-me honrado com a deferência!

 

Olympus C3030Z


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quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Telefones




Não andava nem depressa nem devagar. Andava na sua velocidade.
Chegava-se aos clientes, recebia as suas encomendas, desaparecia por entre as prateleiras e regressava com os braços cheios de papeis, sobrescritos, canetas, borrachas, réguas, lápis, blocos e cadernos, o que quer que fosse que lhe tivessem pedido. Volta e meia voltava atrás para confirmar um detalhe, mas tudo vinha aparecendo em cima do balcão.
Aliás o balcão de madeira, vetusto e carcomido pelos embates dos pacotes, pouco mais velho seria que aquele caixeiro que nele pousava o que vendia.
Quando entrei, já lá estariam uns três ou quatro clientes que pacatamente aguardavam vez.
De súbito tocou o telefone. Ninguém reagiu, até porque os telemóveis eram uma invenção do futuro. E aquele de digital tinha apenas o dígito com que se rodava o mostrador.
TRiiiiim. TRiiiiim. TRiiiiim.
Nem o bom do vendedor se interrompeu, que o ignorava como se de um surdo total se tratasse, continuando na sua tarefa de atender o cliente.
TRiiiiim. TRiiiiim. TRiiiiim.
Ao fim de um pedaço, um dos outros clientes que, como eu, aguardava vez e achava estranho que ele não o atendesse, chamou-lhe a atenção para o aparelho que retinia.
A resposta foi bem clara:

“O telefone só toca porque clientes que não querem esperar gostam de fazer as suas encomendas e tê-las prontas quando cá chegam.
Mas os senhores já cá estavam.
Quando chegar a vez dele, logo o atendo.
É a seguir àquele cavalheiro!”

O silêncio que se fez só era interrompido pelo toque estridente da campainha. Que cedo se calou. Quem quer que estivesse do outro lado do fio deve ter percebido a lição.

E quem diz que há que ter um curso superior para dar lições?...

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