segunda-feira, 27 de maio de 2024

Dores




Vi no peitoril da janela um pequeno insecto. Oblongo, do tamanho de uma unha, preto e vermelho. Voador.

Achei que seria interessante fotografá-lo e comecei a dar tratos de imaginação sobre o como o fazer.

A primeira coisa foi prende-lo dentro de um copo invertido, para que não fugisse.

Mas os copos são redondos, pelo que não seria fácil uma imagem nítida e não deformada. Além do mais, a área do copo era demasiado grande para garantir que ficaria focado.

E tive uma ideia brilhante. Sacrifiquei uma caixa de filtro fotográfico e cortei o fundo. No seu lugar colei um pedaço de vidro que havia mandado fazer para uns efeitos com vaselina e negro de fumo.

Sendo a caixa baixa como sabemos, ficaria na zona de foco e seria apenas esperar que ficasse na área do enquadramento.

Preparei toda a parafernália (câmara, fole, objectiva, fundo, luz...) e, com todo o cuidado, transferi o bichinho para a caixa, colocando-a no local previsto.

Quando espreitei pelo visor foi a tempo de o ver contorcer-se até morrer.

Doeu-me! Doeu-me a alma até ao tutano. Não queria de forma alguma fazer mal ao pobre coitado, sendo que depois da fotografia seria para o soltar de novo. Não aceitava eu, tal como não aceito hoje, o fazer mal a um ser vivo para o meu prazer fotográfico. E vê-lo morrer assim foi atroz.

Levei algum tempo a perceber o que havia acontecido, entre o racional e o emocional. Mas dei com o motivo: a cola usada para segurar o vidro não estava completamente seca e os vapores haviam envenenado fatalmente o bichinho.

Não me recordo do que fiz da caixa mortal. Creio que a joguei fora de raiva.

Já o fole foi este mesmo, que o havia comprado pouco tempo antes. O conjunto completo: fole, copiador de negativos ou slides, suportes laterais para película, régua para calcular a extensão, cabo disparador duplo...

Tenho o conjunto desde então, usando-o quando necessário e conservando-o tão bem quanto posso. Mais de quarenta anos passados sobre o episódio está quase como novo.

O único senão que tem, nos dias de hoje, é não aceitar a Pentax K1 directamente, que a câmara é uns milímetros grande demais. Mas um pequeno anel de extensão atrás resolve a situação.

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptal2 90mm 1:2,5


By me

Sem comentários: