quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Formas de estar




É incrível a quantidade de pessoas que são anti. Anti-Qualquer-Coisa.
Anti-fascista, anti-racista, anti-capitalista, anti-comunista, anti-sistema, anti-euro, anti-violência,… anti!
O que é curioso – ou triste – é que ser anti-qualquer-coisa, por muito nobre que seja a causa, é viver num estado de luta ou confronto permanente. É estar sempre a querer acabar com aquilo de que se é anti. Seja lá o que for!
E ao estar-se em luta permanente na prática está-se em luta consigo mesmo. Porque o resultado de se estar sempre num estado de anti é não se estar pró na vida. Que quem luta sempre na vida acaba por não a viver, por não se aperceber de tudo ou grande parte daquilo que é positivo.
Tenho uma atitude diferente: sou pró! Sou pró-felicidade, sou pró-liberdade, sou pró-responsabilidade, sou pró-bem-estar, sou pró-criatividade. Sou pró!
Claro que tenham cuidado os que impeçam o atingir aquilo pelo qual sou pró! Estão tramados! Que sou anti todos eles, com tudo o que isso implique!

Dirão que é uma questão de semântica. Pois talvez o seja.

Mas entre estar em luta para ser feliz ou ser feliz estando em luta, prefiro o primeiro.

By me

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

sábado, 7 de dezembro de 2024

Doce ou amargo




A fotografia pode ser doce e suave ou amarga e forte ou aquilo que quisermos, dependendo principalmente da forma como a fazemos e a vemos.

Abaixo vos deixo um pedaço, por sinal o fim, de uma obra de Vilém Flusser: “Ensaio sobre a fotografia”.

Recomendo-a vivamente a todos os que se debruçam sobre fotografia, sobre a produção de imagem e, principalmente, sobre a vida.

Deixo, no entanto, o sério aviso de que não sou responsável p’los vossos actos depois de a lerem.

 

"…/…

A tarefa da filosofia da fotografia é dirigir a questão da liberdade aos fotógrafos, a fim de captar a sua resposta. Consultar a sua praxis. Eis o que tentaram fazer os capítulos anteriores. Várias respostas apareceram:

1. o aparelho é infra-humanamente estúpido e pode ser enganado;

2. os programas dos aparelhos permitem introdução de elementos humanos não previstos;

3. as informações produzidas e distribuídas pelos aparelhos podem ser desviadas da intenção dos aparelhos e submetidas a intenções humanas;

4. os aparelhos são desprezíveis.

Estas respostas, e outras possíveis, são redutíveis a uma: a liberdade é jogar contra o aparelho. E isto é possível.

No entanto, esta resposta não é dada pelos fotógrafos espontaneamente. Só aparece como escrutínio filosófico da sua praxis. Os fotógrafos, quando não provocados, dão respostas diferentes. Quem lê textos escritos por fotógrafos, verifica crerem eles que fazem outra coisa. Crêem fazer, "obras de arte", ou que se comprometem politicamente ou que contribuem para o aumento do conhecimento. E quem lê uma história da fotografia (escrita por um fotógrafo ou por um crítico), verifica que os fotógrafos crêem dispor de um novo instrumento para continuar a agir historicamente. Crêem que, ao lado da história da arte, da ciência e da política, há mais uma história: a da fotografia. Os fotógrafos são inconscientes da sua praxis. A revolução pós-industrial, tal como se manifesta, pela primeira vez no aparelho fotográfico, passou despercebida aos fotógrafos e à maioria dos críticos da fotografia. Eles nadam na pós-indústria, inconscientemente. Há, porém, uma excepção: os chamados fotógrafos experimentais; estes sabem do que se trata. Sabem que os problemas a resolver são os da imagem, do aparelho, do programa e da informação. Tentam, conscientemente, obrigar o aparelho a produzir uma imagem informativa que não está no seu programa. Eles sabem que a sua praxis é uma estratégia dirigida contra o aparelho. Mesmo sabendo, não se dão conta do alcance da sua praxis. Não sabem que estão a tentar dar resposta, através da sua praxis, ao problema da liberdade num contexto dominado por aparelhos, problema que é, precisamente tentar opor-se.

Urge uma filosofia da fotografia para que a praxis fotográfica seja consciencializada. A consciencialização dessa praxis é necessária porque sem ela, jamais captaremos as aberturas para a liberdade na vida do funcionário dos aparelhos. Noutros termos: a filosofia da fotografia é necessária porque é uma reflexão sobre as possibilidades de se viver livremente num mundo programado por aparelhos. Uma reflexão sobre o significado que o homem pode dar à vida, onde tudo é um acaso estúpido, rumo à morte absurda. Assim vejo a tarefa da filosofia da fotografia: apontar o caminho da liberdade. Filosofia urgente por ser ela, talvez, a única revolução ainda possível."


By me

 

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Umbigos




Quando vou a uma palestra, a um encontro, a um debate, a uma exposição... vou sempre para aprender algo mais, muito ou pouco, pouco importa.

Quero sempre alargar os meus horizontes e os saberes, experiências e práticas dos outros são um manancial.

Mas há um campo que falha sempre, sobre o qual regresso como entrei, ou quase: o que é que acontece em termos de fotografia nas américas latinas, nas áfricas de norte a sul, nos orientes médios ou extremos, para lá da antiga cortina de ferro.

É como se a fotografia nunca tivesse sido ali praticada, reservando-se as referências ao chamado “mundo ocidental”, europeu e norte americano. E no entanto...

No entanto a importância da fotografia que não no mundo ocidental é tão importante que o Brasil tem um dia para celebrar esta forma de expressão e registo, assinalando a chegada do primeiro fotógrafo ao país.

No entanto o desenvolvimento da fotografia na Rússia, tanto na estética como na técnica, foi de tal forma que tinham as suas próprias unidades de medição de luz.

No entanto, se olharmos para a fotografia Chinesa, feita por chineses para consumo interno, constata-se que a organização dos elementos que a constituem é diferente da chamada ocidental.

No entanto, se compararmos a utilização de cor, não apenas em paisagem mas também em estúdio, veremos enormes variações nos tons e saturações consoante a latitude e o respectivo clima.

No entanto, e porque as regras e organizações sociais variam com as culturas e tradições, as abordagens aos assuntos variam na forma e no conteúdo.

Neste nosso egocentrismo ocidental esquecemos, ou fazemos por esquecer, que há outros umbigos que não apenas o nosso, quantas vezes mais interessantes ou belos.

 

Pentax K7, Pentax 18-55


by me

domingo, 1 de dezembro de 2024

O tijolo




O velho tijolo transportava-se em cima do ombro, usava uma catrefa de pilhas e tinha potência suficiente para chatear o bichinho do ouvido de qualquer um num raio de 20 metros, bem medidos.
O tijolo contemporâneo transporta-se pendurado do ombro ou na curva do braço, usa duas pilhas AAA, recarregáveis e ainda permite levar o “nécessair”, o telemóvel, o tabaco, as chaves e o resto da cangalhada. E a dois ou três metros, já ninguém dá por ele.
E, já me esquecia: este é analfabeto, não lê cassetes.

By me

sábado, 23 de novembro de 2024

O bolo




Este é um bolo da minha infância.

Fazia-nos abrir os olhos, quais faróis de nevoeiro, quando os víamos no expositor do café de bairro ou na padaria, de permeio com arrufadas ou pães de leite.

Os orçamentos familiares eram magros pelo que, em acontecendo comer-se um, era dia de festa. O chocolate, o creme branco e a cereja ver-me-lha no topo do bolo faziam uma combinação perfeita. O difícil, mas difícil mesmo, era comer o bolo à mão e conseguir deixar creme e cereja – o melhor – para o fim.

Dizia-se que era um bolo de pobres, já que o recheio era composto de restos de outros bolos. Coisa que só poderia afectar os ricos, já que em casa comer os restos da refeição anterior sempre foi o habitual. E ainda o é, nos dias que correm.

Mas o que esta imagem se me sugere é de outro cariz. Fotografia.

Qualquer um que se dedique um pouco mais a sério ao acto fotográfico sabe que, para além do assunto principal, haverá que considerar a luz, que molda volumes e distâncias, o circundante ao assunto principal e a relação entre entre ambos.

Quem quer que se “entretenha” a criar assuntos para fotografar sabe também que, se a luz é “domável” e a perspectiva é opção nossa, o circundante é o mais difícil de controlar.

Ou bem que se possui um bom armário ou armazém de fundos e objectos que ajudem a “compor o ramalhete” ou bem que haverá que improvisar com o disponível um ambiente que, de algum modo, seja consentâneo com o assunto e com os sentimentos que queremos transmitir. Nem sempre é fácil, convenhamos.

Em contra-partida o pintor não tem esta dificulade. Confrontado com um assunto principal, que quererá que seja fiel na tela, pode inventar todo um terceiro plano, objectos circundantes ou mesmo um primeiro plano. Até, em o querendo, nada colocar atrás ou ao lado do assunto principal, deixando-o a “flutuar” na tela virgem e branca.

Por mim, que não sou pintor, que não tenho um armazém nem domino as IA da actualidade, remeto-me ao que encontro aqui por casa. Mas não deixo de vadiar pelas feiras de rua com velharias e bric-à-brac solto, bem como pelas lojas de inutilidades ou de tecidos. Há sempre este ou aquele objecto que pode ser útil como fundo ou complemento.

Em não tendo outra opção... Bem, “Com um fundo preto nunca me comprometo”.

 

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5


By me

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Espaço e luz (ou vice-versa)




Respeitar o espaço próprio dos objectos é tão importante no fazer uma imagem quanto o não respeitar. Ou o trabalhar ou aproveitar a luz e as respectivas sombras.

Que tudo isso são auxiliares vitais para contar a história ou mostrar  sentimentos, que é para isso que existe a fotografia. Ou também para isso.


By me

domingo, 17 de novembro de 2024

Pensamentos


 


Yin & Yang, Tempo & Luz

Pentax K1 mkII, SMC Pentax 28-200 1:38-5,6


By me

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Post-morten




Foi ontem. De conversa com uma senhora brasileira que trabalha num café que passei a frequentar, falei-lhe de um bolo de que gosto muito: Garibaldi.

Franziu a testa, dizendo que não conhecia tal bolo, mas que o nome não lhe era estranho. Claro que não lhe era estranho, já que Garibaldi, para além de italiano e herói na Itália, foi também um herói no Brasil.

Falámos de guerras no Brasil e falei-lhe de uma revolta popular – a Guerra dos Canudos – que ela desconhecia por completo. Tratou-se uma uma revolta popular estado da Bahia, liderada por António Conselheiro, mesmo no final do séc. XIX.

Os revoltosos, que reclamavam pelo uso das terras abandonadas, foram várias vezes atacados pelo exército nacional e só um assalto muito em força os venceu. Fala-se de muitos milhares de mortos, em combate ou já prisioneiros, homens mulheres e crianças. Incluindo o seu líder.

Sei deste episódio por uma fotografia.

António Conselheiro foi desenterrado duas semanas depois de sepultado para que fosse fotografado por um fotógrafo do exército e mostrado à população brasileira para tivessem a certeza de que estava morto e a revolta acabada.

Só me recordei dos nomes uma hora depois da conversa. Memorizei-os para lho contar no café.

Hoje, ao tentar organizar os meus livros tropeço num: “Para entender la fotografia” de John Berger, sendo a minha versão a publicada pela editora Gustavo Gili. Apesar de estar bem misturado com os demais, fazia parte da “pilha para ler” e decidi que era ocasião de lhe pegar.

Trata-se de um conjunto de ensaios ou reflexões sobre fotografia e o seu autor é um dos meus favoritos.

O primeiro ensaio é sobre a última fotografia de Che Guevara, já morto e estendido numa mesa no instituto de medicina legal boliviano.

Também esta fotografia foi usada pelas autoridades sul-americanas, que não apenas as bolivianas, com o intuito de pôr em prática o adágio “Morto o bicho, morta a peçonha”.

Não será, certamente, a mais famosa dele. Que os mitos, as filosofias e o marketing se encarregaram de o imortalizar com outra. Bem mais agradável, diga-se de passagem.

Esta coincidência de, em menos de 24 horas, lidar com duas fotografias post morten oficiais e com intuitos de propaganda, recordou-me de algumas outras equivalentes.

A comuna de Paris, em 1871, foi uma revolta popular na cidade de Paris. O exército governamental terminou-a com um verdadeiro banho de sangue. Em combate e com as execuções posteriores dos comunnards capturados.

Eugéne Disdéri fotografou os seus corpos nos caixões, em grupos de dez ou doze. Mais que “reportagem”, incipente na época, foram fotografias documentais que as forças do regime usaram depois para difundir pela França mostrando o que acontecia a quem se revoltasse contra o poder oficial.

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Se o fotógrafo é o taxidermista do tempo, como disse o mestre, a fotografia também pode ser usada, ao perpectuar a morte, como uma ameaça ou um fantasma para assombrar os que se atrevem a pensar ou agir fora da caixa, pondo em causa os poderosos ou os poderes instituídos.

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Nota adicional – As fotografias acima descritas, além de constarem na minha biblioteca, encontram-se mais ou menos com facilidade na web. É só procurar.

 

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5

By me

terça-feira, 12 de novembro de 2024

Eu tive um avô




Bem... na verdade e como toda a gente tive dois avôs e duas avós.

Os meus antepassados que contam para esta história viviam numa casa de agricultura, na extrema de uma aldeia do interior algarvio.

Quando eu era pequeno costumava ir até lá uma temporada nas férias de verão. E vivia por uma semanas aquela pacatez de uma aldeia envelhecida, numa casa um pouco afastada e onde não havia electricidade.

A minha avó pouco saía de casa. Entre a sua idade, os afazeres no tanque, na cozinha, na horta, com as galinhas, coelhos e porcos e outras tarefas agricolas domésticas, pouco lhe sobrava para ir à aldeia, coisa mais ou menos reservada a meu avô. Mesmo quando vinha o homem do peixe, na sua motoreta com cestos de vime e a sua buzina que ecoava longe. E que parava só no largo da aldeia.

Mas a sexta-feira à noite era sacrossanta para a minha avó. Juntava-se com outra aldeã na casa de uma terceira, e ali aqueciam o forno, amassavam a farinha e deixavam-na a levedar, para o cozerem no dia seguinte. Entre o que faziam e o tempo de levedar, era tempo de se falar de vizinhos e conhecidos, dali ou de outra aldeia.

No fim de semana havia pão fresco lá em casa, com manteiga ou compota que era um pitéu. E esse pão, feito uma vez por semana, durava até à cozedura seguinte, sempre comestível mesmo para os menos bons dentes dos velhotes.

E se a minha avó fazia o pão, o meu avô cortava-o. Teriam feito essa distribuição de tarefas haveria muito, que nunca vi a minha avó a usar a faca. Esta faca.

Por aquilo que soube, teria sido prenda de casamento, não sei se com outros talheres. Mas aquela, com cabo de alpaca a que chamavam a prata dos pobres, nunca teve outro uso que não fosse o de cortar o pão. Apenas isso e durante dezenas de anos.

O formato da lâmina bem atesta a quantidade de vezes que o seu gume foi recuperado. Numa pedra de amolar bem guardada num pano na despensa, tão gasta quanto esta faca e outras que por lá havia.

Nem numa nem na outra o catraio que eu era estava autorizado a pôr a mão. Que, ao fim de uma semana a casca do pão começava a dar sinais e a faca haveria de lhe poder entrar. E se o “menino” tentasse, sempre haveria a possibilidade de lá deixar um bife.

Quando os meus avós foram para um lar, a faca lá ficou, suponho que na gaveta direita da mesa da cozinha onde sempre a conheci, mas sem cortar nem ser afiada, ganhando com isso sinais de corrupção na lâmina. Quando faleceram quis ficar com ela. Não só porque dela tenhos boas recordações mas também porque passei a poder cortar o pão com ela, finalmente. Coisa que não faço, que a lâmina está tão fina que tenho receio de a usar.

Tenho-a ali, numa prateleira e bem à vista, mesmo com o tempo a marcar o ferro, que a alpaca está incorrupta.

 

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5

 

By me

domingo, 10 de novembro de 2024

Contradições ou talvez não


 


O antissemitismo é proibido e punido pelos países europeus.

Já para as limpezas étnicas até se enviam equipamentos e munições.

Faz algum sentido isto?

Faz, mas é censurado e punido quem o disser.

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5


By me

A tirania do enquadramento




É teoria minha, faz muito tempo, que o conceito de “enquadramento” é uma tirania!
Por um lado, é o obrigar a que a imagem que queremos criar fique restrita aos limites do papel ou ecrã, obrigatoriamente excluindo o que não lá cabe e obrigatoriamente incluindo tudo o que é projectado pela objectiva.
Por outro lado, esta projecção é rectilínea (enfim, quase já que também é ondulatória). E está obrigada a cumprir as regras da perspectiva e da geometria que, definida ou inventada pelo Homem actual, são adoptadas pelo consumidor, criador e fabricante de imagens como padrão. O que ou quem não as seguir é rotulado de disfunção ou erro, marginal, excêntrico ou louco.
Acrescente-se que consumidores de imagem, produtores de imagem e conteúdos e fabricantes de equipamentos se atêm a normas e formatos de imagem. Pela necessidade de produção de máquinas e suportes, pelas imposições das manchas gráficas nas publicações, pelas limitações de compatibilidade entre emissor e receptor nas telecomunicações, a actual sociedade de imagem técnica e mecânica está formatada. E o produtor ou o consumidor de imagem, levado pelo facilitismo, formata os seus conceitos estéticos por estas restrições, produzindo, aceitando ou consumindo imagens de acordo com estes padrões.

Enquanto elemento integrado na sociedade ocidental fui e sou formatado deste modo. Nascido nos anos cinquenta do séc. XX, a minha vivência visual foi objecto destes moldes e uniformizações, tanto em livros e periódicos, como na fotografia, como no cinema, como na televisão. Tem escapado a pintura e a arquitectura, mas estamos a falar de outras coisas. Os rectângulos em três por quatro, dois por três, dezasseis por nove, cinemascope, de ouro ou alguns outros, impuseram-se como formatos não apenas socialmente recomendáveis como também os únicos válidos.
Ao iniciar a minha actividade como produtor de imagem (fotografia, cinema, TV) não pude deixar de estar por isto mesmo influenciado. Culturalmente e por aquilo que me era exigido no ofício. A necessidade de as minhas imagens se integrarem num sistema de comunicação de massas, procurando que elas chegassem ao entendimento e aceitação do maior número possível de consumidores assim me levou a ser e fazer.

Mas, algures num tempo que não sei precisar, achei que estava peado. Se a minha produção de imagens profissionais tinha que seguir os cânones existentes, a minha satisfação com ela estava a diminuir. À medida que o tempo passava (passa) sinto que a rectangularidade e as proporções impostas não me satisfazem. Continua a haver limites no enquadramento a prenderem-me. Continuam a existir proporções formatadas a limitar-me.
No que ao vídeo e ao cinema diz respeito, pouco ou nada posso fazer. Não tenho poder, quiçá energia, para alterar o que quer que seja que me faça sentir mais livre na criação e comunicação.

Mas no que à fotografia toca…
Da existência de limites não posso fugir. Estou mesmo em crer que, a este respeito, os únicos realmente livres foram os nossos ante-ante-passados, com as suas pinturas rupestres e os nossos contemporâneos com os seus graffitis. Aplicam as suas imagens nas superfícies, independentemente das áreas ou limites desta. Se as imagens terminam antes dos limites, tanto melhor, senão, tanto pior. Não é este aspecto que condiciona.
Já no que às proporções diz respeito, a coisa muda de figura. Quando fotografo, excluo mentalmente do enquadramento do visor o que lá está que entendo estar a mais. Procuro que a perspectiva se ajuste aos centros de interesse e às relações entre eles, fazendo um enquadramento virtual em torno deles. Mais tarde, no processamento da imagem, ajusto as proporções da imagem em função do seu conteúdo e do que, na tomada de vista, imaginei.
O resultado? As mais das vezes é um rectângulo assumidamente horizontal, em que as proporções entre a largura e a altura são as necessárias e suficientes ao que tenho em vista. Conteúdo e mensagem. E se existir algum tipo de relação matemática entre uma e outra dimensão, é questão que não me perturba nem um pouco.
Se ao receptor das minhas imagens fotográficas agrada ou não esta abordagem, é uma questão que também não me tira o sono. Porque com as minhas imagens, as que faço para minha satisfação, não as faço para que sejam eficazes em termos de comunicação de massas mas, antes sim, para a minha própria satisfação. E esta não se prende com cânones, formatações culturais ou limitações impostas por fabricantes.

By me

sábado, 9 de novembro de 2024

Enganos




Fui enganado! Não é a primeira vez que acontece num supermercado, mas desta vez ultrapassaram as marcas.

E só dei por isso em chegando a casa!

Então não é que tinha bolachas o diacho da caixa de costura!?

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5


By me

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Memória




Um dia fiz uma fotografia.


Depois, fiquei a olhar para ela e a perguntar-me: “Para que serve?”

E quando acabei por me recordar da frase, mais que batida e de uma fábrica de películas “Para mais tarde recordar”, fiquei com uma outra pergunta a atazanar-me a cabeça:

“Então se aquilo que me fez guardar algo para recordar era suficientemente importante para eu ter o cuidado de me não esquecer, não serei eu capaz de guardar isto na minha própria memória, com tudo o mais que a fotografia não mostra - cheiros, sons, paladares…?”

Dessa data para cá fiz muitos milhares de fotografias. Umas porque quis, outras porque mo pediram. Mas nenhuma delas para mais tarde recordar.

Que, se a minha memória o não guarda, então não é importante.

As imagens que produzi neste entretanto foram, acima de tudo, pelo meu prazer de ser capaz de fazer uma imagem contendo algo que fosse passível de me agradar e, eventualmente, de agradar a terceiros. E que contivesse uma história, explícita ou implícita, que eu quisesse que outros a ela acedessem.

Quanto ao resto, prefiro guardar em mim.

Para me não esquecer, tenho blocos de apontamentos, escritos com luz ou com tinta: nomes, endereços, ideias a trabalhar posteriormente… Mas não são fotografias: são instrumentos de trabalho.


Que eu sou tudo aquilo que fui. E o que tenha esquecido de pouca monta será.


By me 

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Sem título




Pentax K1 mkII, SMC Pentax 28-200 1:3,8-5,6


By me

sábado, 12 de outubro de 2024

Teatro




Quem quer que alguma vez tenha feito fotografia de palco sabe que o maior inimigo do fotógrafo é o baixo nível luminoso existente.
Não é isto um defeito: é uma característica.
A iluminação de um espectáculo, seja ele de teatro, de música ou de bailado, não é apenas para que ele seja visível. É criar ambiências compatíveis com o que acontece nas tábuas, ajustando as zonas de luz e cor ao desenrolar dos acontecimentos.
Se alguns espectáculos teatrais (pensemos em revista à portuguesa, por exemplo) sugerem uma luz uniforme, garrida e de fácil leitura, outros exigem bem o oposto, criando zonas de penumbra ou mesmo escuridão total.
Acontece que o olho humano é muito mais sensível às amplitudes lúmicas que os materiais foto sensíveis. Sejam eles electrónicos ou fotoquímicos. Uma relação de contraste de 1:100 ainda tem leitura para o ser humano, é o contraste total para uma câmara.
E os espectáculos são feitos para serem vistos pelas pessoas, ao vivo e a cores.
Em havendo equipamentos de captação de imagem (fotografia, vídeo, cinema) ou bem que há reforço luminoso ou bem que os contrastes são terríveis na grande maioria dos casos. Daí que, em sendo captados, há sempre ajustes na iluminação de cena, mesmo que com prejuízo para o público na plateia.

Em tempos fui fotógrafo de teatro. Um trabalho que me deu muito gozo, que aconteceu quase que por acaso e no qual aprendi muito. Sobre fotografia, sobre teatro, sobre o género humano.
Claro está que os níveis luminosos eram baixíssimos. As peças ali levadas à cena assim o exigiam. Tal como a exiguidade do equipamento de iluminação, acrescente-se.
De vontade ou não, fui obrigado a usar película em preto e branco. E por vários motivos.
Por um lado devido à temperatura de cor. Há trinta e tal anos a película preparada para luz artificial era, na melhor das hipóteses, de sensibilidade limitada a ISO 800. E, mesmo assim, difícil de encontrar à venda e dificílimo de encontrar quem bem a trabalhasse.
Por outro porque o “grão” que as altas sensibilidades tinham sempre foram pouco admissíveis em cor. No preto e branco aceitava-se, como sendo parte integrante do processo. Agora em cor… só em trabalhos de autor e, mesmo assim, o público não o aceitava lá muito bem.
Por fim porque, não tendo eu laboratório de cor, seria particularmente dispendioso o mandar imprimir com correcção de enquadramento. E moroso. Desta forma, tendo eu o laboratório de P&B, os ajustes eram feitos à minha medida. E esta era em função do quanto o grão ficava visível e da objectiva que tinha podido usar.
Isto porque, à época, a panóplia de objectivas que tinha era limitada e não muito luminosas, para além, naturalmente, da 50mm. Mas esta apenas permitia mostrar o palco, não o contar da história, que era o que eu queria e o motivo de me terem contratado com exclusividade.
O uso do Preto e Branco nem sempre é uma opção estética. Por vezes, não havia outra solução.
Na imagem, o actor João Guedes, então integrante do TEL, Teatro Estúdio de Lisboa, interpretando a peça “O homem que se julgava Camões”, 1981.

Entendo a fotografia em preto e branco como um caso particular da fotografia.
Não a tenho por melhor ou pior que a fotografia colorida, apenas se adequa ou não nalguns casos.
Como as cores saturadas, como os High Key, como as silhuetas…


By me

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Citações



"On résiste à l’invasion des armées; on ne resiste pas à l’invasion des idées.”

Victor Hugo

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Pentax K7, Sigma 70-300


terça-feira, 8 de outubro de 2024

Memórias




Uma pequena grande história, verídica mas que poderia ter sido escrita por Corín Tellado.

Quando eram jovens namoraram-se. Do modo que os costumes de então permitiam e os afectos que tinham impeliam. E tinham um projecto a dois.
Acontece que nesse entretanto ele “deu uma facadinha” no namoro. As coisas não correram bem e acabou por ter que casar com esta outra. Outros tempos, outros modos.
Mas os afectos originais mantiveram-se para além dos anos.
Quando ele enviuvou, já adiantado na idade,casou com ela que havia esperado por ele.
Conheci estes meus tios-avós já em fim de vida, era eu pequenote.
Do que recordo, entre a memória e o desejo, eram um casal velhinho, vivendo num rés-do-chão no meio da cidade, com um quintal cheio de roseiras. Felizes.

By me

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Velharias




Fotografar é medianamente fácil. Olhamos para o assunto, gostamos do que vemos, a luz é do nosso agrado e apontamos a câmara. E deixamos o controlo de exposição aos automatismos.
Alguns, não muitos, interpretam ou avaliam as indicações do exposímetro da câmara, seguindo as suas indicações ou conjugando as leituras com a análise da luz existente, bem como das reflectâncias dos elementos na imagem.
Mas… e antes de haver forma de avaliar e medir a luz através da câmara? Como era?
Usavam-se aparelhos de medida, manuais e externos: fotómetros ou exposímetros.
A diferença entre os termos (e sei que o segundo é estranho) está nas leituras que neles podemos fazer. Os fotómetros indicam-nos a quantidade de luz em “foot-candle”, ou “candela por pé quadrado”, havendo alguns que usam outra unidade, o “Lux”. Dessa leitura, e conjugada com a sensibilidade do material de registo luminoso, deduz-se tempo e abertura. Através de cálculos complexos ou, o que é generalizado, usando uma escala de correspondências integrada no aparelho.
Por sua vez o exposímetro apenas nos dá valores de exposição, ficando o seu utilizador sem saber a quantidade de luz. Profissionalmente usam-se os primeiros, que nos permitem fazer outros tipos de interpretação.
Grosso modo, destes aparelhos de medida existem dois tipos: os que, ao receberem a luz geram energia eléctrica que é quantificada ou os que, em recebendo a luz se tornam resistentes à passagem de energia eléctrica, resistência essa igualmente quantificada. Nos segundos, é necessário fornecer a energia, em regra usando pilhas ou baterias.
Ambos os sistemas têm vantagens, sendo que os últimos são mais exactos quando existem tipos de luz com temperaturas de cor extremas, muito altas ou muito baixas: muitos azuis ou muitos vermelhos.
Mas… e como faziam os fotógrafos antes destes sistemas existirem? Como mediam a luz ou calculavam a exposição?
A experiência, fruto de tentativa e erro, era a pedra de toque. Consta que alguns fotógrafos, aquando do surgimento dos aparelhos de medida de luz, mesmo depois de os usarem ajustavam as leituras obtidas às suas próprias experiências visuais e de laboratório. Convenhamos que o rigor seria diminuto, mas a satisfação por se obter o efeito desejado seria grande, certamente.
Mas existia outro sistema que, ainda que dependesse da experiência do seu utilizador, era um auxiliar precioso: o extintómetro.
O seu sistema de funcionamento era relativamente simples: Olhando-se por um orifício, fazia-se deslocar à sua frente uma cunha fumada, cuja transparência ia da máxima até à opacidade. Quando o observador deixasse de ver parte do assunto, parte essa que dependia da calibração feita pelo fabricante, consultava-se a tabela do aparelho para se saber a relação tempo-abertura em função da sensibilidade.
Método estranho e de rigor bem duvidoso, mas na época fotografar, mais que uma ciência, era uma arte ou artesanato, com tudo o que isso implica.
Ao longo da minha vida havia visto apenas um aparelho desses. Em óptimo estado de conservação, ainda razoavelmente rigoroso, pertencia a um companheiro de andança fotográficas e lectivas. Que nunca se deixou convencer a vender-mo, ofertar-mo ou mesmo deixar-se “roubar”. Quando ia a sua casa, ficava eu a admira-lo, se não estivesse sacramentalmente guardado numa gaveta.
Há uns tempos, numa feira de velharias no Jardim da Estrela, dou com um. Ao preço pouco mais que simbólico de 15 euros. Confesso que se me tivessem pedido 2 ou 3 vezes esse valor, tê-lo-ia dado sem pensar muito.
Nos tempos que correm, nem deu muito trabalho a encontrar referencias. Referencias ao fabricante e data de fabrico, bem como o respectivo manual de instruções.
Para os que ainda pensavam que o jardim da Estrela não é um mundo cheio de surpresas, espero que tenham mudado de opinião.

By me

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Perspectivas




Ele tinha emigrado para o Brasil. Por lá fez família e fortuna. E regressou com ambas.
Algures no interior, ali para os lados de Viseu, comprou terras e construiu uma quinta. Grande.
Casa senhorial, ao estilo do Brasil, o que não lhe dava grande conforto de Inverno, casas para quem com ele trabalhava, celeiros, estábulos… Nem faltou uma capela, nessa sua quinta, como era então hábito de quem tinha posses, era crente e gostava de se exibir.
E ele gostava mesmo de se exibir, pese embora o cerca de metro e meio que media.
De tal modo que a sua capela tinha a porta exactamente da sua altura. Ao que sei, tinha que tirar o chapéu, coisa normal numa igreja, para que nela não batesse.
Claro está que era o único que entrava na capela de cabeça erguida. Todos os demais, trabalhadores, familiares e visitas, tinham que se curvar onde ele entrava direito.

Esta história, que tenho por verídica por ter visto a dita quinta e capela, passou-se com um antepassado de um amigo e mestre meu. E se a sei foi porque decidimos um dia acampar no que restava daquela propriedade para tentar reproduzir as fotografias que existiam de quando a quinta era viva e vivida.
Dela restam ruínas, que os descendentes trataram de malbaratar a fortuna, repartindo terrenos e gastando à tripa forra. Ao meu amigo e mestre chegou apenas a memória contada de boca em boca, alguns registos eclesiásticos e nada mais. Nem um cêntimo. Ou mesmo a escassa altura do seu antepassado.

Não, não tenho os registos do que fizemos. As fotografias ficaram com esse meu amigo, entretanto falecido, e perdi-lhes o rasto.

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segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Memórias de um fotógrafo de jardim




Negra! Daquele tom africano que quase nos faz pensar em algo levemente azulado. E que, pela minha falta de hábito em registar este tipo de tez, me deixa quase à-toa em o reproduzir com exactidão.
Bonita! Francamente bonita. Pelo menos naquilo que lhe podia ver, ou seja, as mãos, metade dos pés e a cara. Que todo o resto estava integralmente coberto. Num sinal inequívoco da sua fé ou crença.

Quando passou para cima, acompanhada pela pequenada, olhou mas sem muito interesse, que a canalha miúda absorvia-lhe a atenção. Mas no regresso, com mais calma, ficou a olhar à distância para o meu artefacto. Sentindo-lhe interesse, sorri-lhe e gesticulei-lhe que se aproximasse, o que fez.
A comunicação começou por ser difícil e a medo, que pouco sabia de português. Mas em sabendo-me a falar, ainda que mal, o francês, tudo se tornou mais fácil e quis fazer uma fotografia.
Enquanto a impressão acontecia, fui inquirindo a anotando as respostas, como de costume. E foi aí que a coisa aconteceu!
Não tinha a senhora entendido que não apenas iria haver uma eventual publicação na web como, menos ainda, que eu ficaria com uma cópia do que lhe entregasse. E isso quase que a ofendeu. Acredito que entrasse violentamente em confronto com a sua religião que, ao que sei no seu país de origem – Senegal – é seguida com muito rigor.
Desfiz-me em desculpas pelo meu erro ou engano na informação e prometi-lhe solenemente que, em chegando a casa destruiria a cópia que possuía. Que ficasse tranquila que tal sucederia pela certa.
E tantas vezes o assegurei que ela acabou por se descontrair um pouco e passamos a uma pequena mas amena conversa. Estava há cerca de um ano em Portugal, a língua escrita entendia-a mas a falada era uma dificuldade. E que um dos objectivos em aqui estar era o continuar os estudos iniciados na terra natal, nomeadamente em filosofia.

Em chegando a casa e em tratando as imagens e dados recolhidos, confesso que me passou pela cabeça ficar com a imagem. Afinal, ninguém saberia da coisa, ninguém a veria, nem mesmo a retratada e a sua prole, pelo que nenhum mal daí adviria. Excepto…
Excepto a minha própria consciência! Que palavra dada é palavra a cumprir, mesmo que mais ninguém saiba que o fiz. Que o meu pior juiz sou eu mesmo!
E foi destruída!

E se a retratada, cujo nome eu tenho mas que aqui não referirei como é óbvio, por aqui passar, que esteja descansada:
Daquela fotografia, feita numa tarde de 2008 no Jardim da Estrela e com uma câmara de madeira, não existe nenhum outro registo que não seja aquele pedaço de papel com que ficou.
Porque afinal, seja qual for a fé que nos move (monoteísta, animista ou ateísmo) a honra é comum a todas!

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sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Faltava pouco




É uma daquelas brincadeiras inocentes sobre comportamentos que qualquer um pode fazer:
Em vendo alguém consultar um aparelho de medida de tempo (de pulso, de bolso, de parede ou num telemóvel), assim que for de novo guardado perguntar de imediato “Que horas são?”.
Constatarão que a esmagadora maioria das pessoas olhará de novo para o relógio, porque não o sabe de cor.
Na verdade, quando olhamos para um relógio, aquilo que queremos saber ou aquilatar não é o valor nele indicado mas sim a sua relativização. Quanto tempo falta para ou quanto tempo já passou desde que. É cedo ou tarde.
O valor real, em horas, minutos ou segundos de pouca monta é. Que no momento seguinte estará alterado, pertencendo ao passado.

Assim, não fiquei de todo surpreendido ou incomodado quando fiz esta fotografia.
Olhando para o que este relógio de sol me indicava e comparando isso com o meu relógio de pulso, o telemóvel e a indicação da câmara fotográfica, obtive quatro informações diferentes. Mas pouco relevantes, já que estava exactamente na hora de fazer uma fotografia. Ou, em o preferindo, faltava pouco para dali a um pedaço.

Em última análise, e para os cépticos ou cientistas, será a demonstração prática de uma das leis de Murphy: aparelhos de medida iguais, nas mesmas condições, mostram resultados diferentes.

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quarta-feira, 25 de setembro de 2024

F ou PH




Primeiro
A coisa começou há muitos anos! Éramos – e eu os compinchas de várias andanças, incluindo a procura de perguntas e respostas – razoavelmente novos.
O caminho que então percorríamos juntos passava também pela fotografia. Partilhávamos os equipamentos, as técnicas, as estéticas os conhecimentos e descobertas que íamos fazendo. E, não sendo nenhum de nós génios, procurávamos também os livros e revistas onde pudéssemos ir beber em mestres o suficiente para os nossos passos.
Estávamos na década, melhor, no decénio de 70, inícios do de 80 e por cá, Portugal, pouca leitura havia em português sobre a matéria. Livros apenas alguns mais antigos, ao estilo de almanaques, e revistas só aquelas efémeras, cuja qualidade e pouca procura faziam morrer pouco depois de nascer.
A solução era, inexoravelmente, recorrer ao que vinha de fora, do Reino Unido, dos EUA, de França. Cada uma destas origens, então como agora, tinha abordagens diferentes às técnicas e estéticas e às soluções. E o hábito de ler, apreciar e mesmo falar ia-se atendo às línguas que praticávamos fotograficamente.
Claro que também contava, face à juventude que tínhamos, o prazer de usar um código semi-hermético aos circundantes, aqueles que não bebiam onde nós nos alimentávamos: o prazer de fazer imagens.
E criou-se a brincadeira, petulante é certo, de dizer que por cá se fazia “Fotografia” e que lá por fora se praticava “Photographia”.
Com o passar dos tempos e as variações de rumos das vidas de cada um, tudo isto se transformou ou diluiu. A literatura e os periódicos em língua portuguesa foram aparecendo, algumas por nós mesmos produzidas, muitas vindas de além-mar. E deixamos de parte a necessidade juvenil da afirmação por códigos e mistérios.
Mas a sensação da diferença entre “fotografia” e “Photographia” ficou. Já não agarrada à tradicional maledicência sobre tudo o que é português, mas antes para marcar alguma diferença no tipo de imagens produzidas, onde quer que fosse. Diferença esta que não está nas técnicas, nas estéticas ou nas temáticas. Constata-se em cada uma delas e no seu conjunto mas não reside aí.
Está, antes sim, na forma de pensar e de fazer fotografia.

Segundo
A representação pictórica, ou iconográfica, existe desde antes da escrita, com esta tem co-existido e, pela certa, a ela sobreviverá. Porque os códigos alfabéticos, fonéticos, ideográficos ou binários mudam com as civilizações e tecnologias, o que não sucede com o uso das belas-artes. Poderão estas mudar de estilos ou de interpretações, mas perduram.
O comum do ser humano, gregário que é mas igualmente desejoso de marcar a diferença na sociedade em que se insere, procura igualar ou suplantar aqueles que admira e a quem atribui qualidades superiores. Entre outros, os que bem se expressam, seja qual for a arte em causa. E a pintura e representação gráfica é uma delas. Mas ela não é tão simples como parece, já que, além do domínio das técnicas, implica um certo “fogo interior” que na maioria está apagado. Para já não falar na morosidade do processo.
Ao invés, a fotografia é quase imediata, por comparação. E é-o tanto mais quanto as técnicas usadas evoluem. Técnicas estas que, com um domínio não muito aprofundado, permitem obter resultados satisfatórios, não apenas perante a sensibilidade de quem as produz como a aceitação de quem as vê. E os automatismos contemporâneos ainda reforçam este facilitismo no fazer da fotografia.
Se a isto juntarmos o consumismo desenfreado que vamos vivendo e a necessidade de afirmação social mais pela posse de bens que pelo resultado daquilo que se é e se pensa, temos que meio mundo possui e utiliza câmaras fotográficas. E que o outro meio anseia por o ter e fazer.
Mas esta fotografia é feita a correr, oriunda em impulsos de momento, quase que por obrigação. As questões estéticas são ignoradas, dos factores de comunicação nem se desconfia, e com a mesma velocidade com que dispara o obturador, também o seu resultado é esquecido. Tão ou mais grave que isso, a fotografia contemporânea padece da efemeridade, já que o seu apagar ou destruir resulta do uso de uma ou duas teclas na sequencia de sistemas de armazenamento cheios. A mesma ausência de pensar no acto fotográfico conduz a uma ausência de importância no seu resultado. Conservar ou não uma fotografia é uma questão de apetite momentâneo. E já não se usam pastas de arquivo cuidadosamente arrumadas, caixas de sapatos empilhadas ou gavetas repletas de papéis mono ou multi-coloridos que, volte e meia eram remexidos e supostamente organizados.
Some-se a esta pouca importância dada ao pensar a fotografia o seu actual custo zero. Fazer uma fotografia ou dez consecutivas tem o mesmo preço e dá o mesmo trabalho em obter. Que o “rolo” já não chega ao fim e as memórias dos cartões são cada vez maiores.
Nos tempos que correm, a velha frase publicitária “Para mais tarde recordar” deixou de fazer sentido, face ao uso e importância que é dada à fotografia.


Terceiro
Alguns há, no entanto, que assim não procedem.
Ao olharem pelo visor da câmara, ou ainda antes disso, o seu objectivo é o registo permanente daquele jogo de luz e sombras, daquela perspectiva, o contar daquela história, o eternizar daquele momento. E que, em tendo oportunidade para tal, procuram melhorar as suas capacidades de o fazerem, tanto pela prática como pelo estudo de quem o faz ou fez ainda melhor. Em que a afirmação pela fotografia não passa pela competição com os restantes com base no resultado ou na exibição da factura do seu equipamento mas antes consigo mesmo e com o resultado obtido a cada imagem produzida.
E que sabem que esse processo começa com o olhar o assunto e termina com olhar sobre o produto acabado, sendo que tudo o resto que medeia entre um e outro são meras técnicas, mais ou menos dominadas. Na tomada de vista e na selecção e tratamento posterior.
Que sabem e praticam que uma fotografia é o resultado de um processo mental materializado pela técnica. E que é mais naquele que se preocupam que nesta.
Ao resultado dos trabalhos destes, chamo eu (e mais uns quantos não tão poucos quanto isso) “Photographia”. Para o trabalho dos demais fica o termo genérico de “Fotografia”. Alguns há, ainda, que diferenciam com o uso de maiúsculas e minúsculas, mas o significado é o mesmo.
Nenhum dos dois termos tem mais valor que o outro ou algum deles tem uma carga negativa. Porque, na vida, o que importa é a obtenção da felicidade naquilo que fazemos e nenhum método é universal ou único.
Mas porque não são iguais nem nos processos de obtenção nem nos resultados materiais, identifiquem-se umas e outras imagens e fotografias.
Até porque entre imagens fotográficas e fotografias (com “F” ou com “Ph”) também há diferenças. Mas isso são outros contos!


By me

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Regras - o Tanas!




Encontro uma página onde se recomendam uma série, 47 para ser mais exacto, de dicas para quem quer iniciar-se na fotografia.
Não possuindo eu todo o conhecimento, gosto de dar uma boa olhada, já que sempre se pode aprender algo com a experiência dos outros.
Foi este o caso. Mas encontrei alguns “erros” que me arrepiaram.
Um deles foi o falar-se da regra dos terços. Caramba!

A regra dos terços é algo de que se não deve falar que não a gente que já lida com composição de imagem há algum tempo! E eu explico o porquê!
Desde logo porque quem está a aprender gosta mesmo é de regras. Que uma regra, dita por um mestre, é algo a seguir quase que religiosamente, mesmo quando ele diz que as regras são para serem quebradas. Até porque, pensam os novatos, “se isto é uma regra, se eu a usar não falho”. Nada de mais errado!
A regra dos terços, por si só, é inútil se não se ponderar tudo o mais que possa existir dentro dos limites da imagem: outros elementos, fundos, luz, cor, volumes…
Por outro lado, haverá sempre que considerar a importância e a facilidade ou dificuldade em interpretar os diversos elementos. Códigos, sinais, letras,…
Acrescente-se a figura humana e como ela interage com eles ou com a objectiva, mesmo estando em fundo.
A tudo isto, some-se o facto de a regra dos terços (ou o número de ouro) ser uma questão cultural, originária da Grécia antiga e recuperada pelo Renascimento até aos nossos dias no chamado “mundo ocidental”. Outras culturas não a usavam e não a usam. E ficamos encantados com o que produzem, nas suas proporções, na gestão de espaços e volumes, na facilidade em comunicar connosco. Mesmo sem a tal “regra dos terços”.

Aprendi eu, com alunos e formandos, que esta regra não se transmite numa primeira fase. Nem mesmo numa segunda fase.
Eventualmente vai-se sugerindo correcções de composição e questionando quem aprende sobre o que prefere. E mostram-se-lhes outros trabalhos de outros autores, onde ela, a regra dos terços, é ou não usada mas sem a ela se nos referirmos.
Só mais tarde, quando ela é naturalmente aplicada (ou não) por quem aprende, se lhes deve explicar a dita regra. Depois de se ter descoberto o equilíbrio de massas, o equilíbrio de luz, o equilíbrio de significados, a condução do olhar por linhas reais ou implícitas, os jogos de cor ou de cinzentos…
Nessa altura, quem aprende percebe que usa naturalmente essa regra mas que nem é de aplicação permanente nem de uso universal.

Matar a criatividade pessoal e a descoberta do belo com regras é o que de pior se pode fazer a quem começa e quer aprender.
E quem assim ensina, está mais preocupado em ensinar do que em o formando ou aluno aprenda.
Os meus cinco cêntimos, num assunto que não é pacífico.


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