quinta-feira, 26 de dezembro de 2024
Formas de estar
segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
sábado, 7 de dezembro de 2024
Doce ou amargo
A fotografia pode ser doce e suave ou amarga e forte
ou aquilo que quisermos, dependendo principalmente da forma como a fazemos e a
vemos.
Abaixo vos deixo um pedaço, por sinal o fim, de uma
obra de Vilém Flusser: “Ensaio sobre a fotografia”.
Recomendo-a vivamente a todos os que se debruçam sobre
fotografia, sobre a produção de imagem e, principalmente, sobre a vida.
Deixo, no entanto, o sério aviso de que não sou
responsável p’los vossos actos depois de a lerem.
"…/…
A tarefa da filosofia da fotografia é dirigir a
questão da liberdade aos fotógrafos, a fim de captar a sua resposta. Consultar
a sua praxis. Eis o que tentaram fazer os capítulos anteriores. Várias
respostas apareceram:
1. o aparelho é infra-humanamente estúpido e pode ser
enganado;
2. os programas dos aparelhos permitem introdução de
elementos humanos não previstos;
3. as informações produzidas e distribuídas pelos
aparelhos podem ser desviadas da intenção dos aparelhos e submetidas a
intenções humanas;
4. os aparelhos são desprezíveis.
Estas respostas, e outras possíveis, são redutíveis a
uma: a liberdade é jogar contra o aparelho. E isto é possível.
No entanto, esta resposta não é dada pelos fotógrafos
espontaneamente. Só aparece como escrutínio filosófico da sua praxis. Os fotógrafos,
quando não provocados, dão respostas diferentes. Quem lê textos escritos por
fotógrafos, verifica crerem eles que fazem outra coisa. Crêem fazer,
"obras de arte", ou que se comprometem politicamente ou que
contribuem para o aumento do conhecimento. E quem lê uma história da fotografia
(escrita por um fotógrafo ou por um crítico), verifica que os fotógrafos crêem
dispor de um novo instrumento para continuar a agir historicamente. Crêem que,
ao lado da história da arte, da ciência e da política, há mais uma história: a
da fotografia. Os fotógrafos são inconscientes da sua praxis. A revolução
pós-industrial, tal como se manifesta, pela primeira vez no aparelho
fotográfico, passou despercebida aos fotógrafos e à maioria dos críticos da
fotografia. Eles nadam na pós-indústria, inconscientemente. Há, porém, uma
excepção: os chamados fotógrafos experimentais; estes sabem do que se trata.
Sabem que os problemas a resolver são os da imagem, do aparelho, do programa e
da informação. Tentam, conscientemente, obrigar o aparelho a produzir uma
imagem informativa que não está no seu programa. Eles sabem que a sua praxis é
uma estratégia dirigida contra o aparelho. Mesmo sabendo, não se dão conta do
alcance da sua praxis. Não sabem que estão a tentar dar resposta, através da
sua praxis, ao problema da liberdade num contexto dominado por aparelhos,
problema que é, precisamente tentar opor-se.
Urge uma filosofia da fotografia para que a praxis
fotográfica seja consciencializada. A consciencialização dessa praxis é necessária
porque sem ela, jamais captaremos as aberturas para a liberdade na vida do
funcionário dos aparelhos. Noutros termos: a filosofia da fotografia é
necessária porque é uma reflexão sobre as possibilidades de se viver livremente
num mundo programado por aparelhos. Uma reflexão sobre o significado que o
homem pode dar à vida, onde tudo é um acaso estúpido, rumo à morte absurda.
Assim vejo a tarefa da filosofia da fotografia: apontar o caminho da liberdade.
Filosofia urgente por ser ela, talvez, a única revolução ainda possível."
By me
segunda-feira, 2 de dezembro de 2024
Umbigos
Quando vou a uma palestra,
a um encontro, a um debate, a uma exposição... vou sempre para aprender algo
mais, muito ou pouco, pouco importa.
Quero sempre alargar os
meus horizontes e os saberes, experiências e práticas dos outros são um
manancial.
Mas há um campo que falha
sempre, sobre o qual regresso como entrei, ou quase: o que é que acontece em
termos de fotografia nas américas latinas, nas áfricas de norte a sul, nos
orientes médios ou extremos, para lá da antiga cortina de ferro.
É como se a fotografia
nunca tivesse sido ali praticada, reservando-se as referências ao chamado “mundo
ocidental”, europeu e norte americano. E no entanto...
No entanto a importância da
fotografia que não no mundo ocidental é tão importante que o Brasil tem um dia
para celebrar esta forma de expressão e registo, assinalando a chegada do
primeiro fotógrafo ao país.
No entanto o
desenvolvimento da fotografia na Rússia, tanto na estética como na técnica, foi
de tal forma que tinham as suas próprias unidades de medição de luz.
No entanto, se olharmos
para a fotografia Chinesa, feita por chineses para consumo interno, constata-se
que a organização dos elementos que a constituem é diferente da chamada ocidental.
No entanto, se compararmos
a utilização de cor, não apenas em paisagem mas também em estúdio, veremos
enormes variações nos tons e saturações consoante a latitude e o respectivo
clima.
No entanto, e porque as
regras e organizações sociais variam com as culturas e tradições, as abordagens
aos assuntos variam na forma e no conteúdo.
Neste nosso egocentrismo
ocidental esquecemos, ou fazemos por esquecer, que há outros umbigos que não
apenas o nosso, quantas vezes mais interessantes ou belos.
Pentax K7, Pentax 18-55
by me
domingo, 1 de dezembro de 2024
O tijolo
sábado, 23 de novembro de 2024
O bolo
Este é um bolo da minha
infância.
Fazia-nos abrir os olhos,
quais faróis de nevoeiro, quando os víamos no expositor do café de bairro ou na
padaria, de permeio com arrufadas ou pães de leite.
Os orçamentos familiares eram
magros pelo que, em acontecendo comer-se um, era dia de festa. O chocolate, o
creme branco e a cereja ver-me-lha no topo do bolo faziam uma combinação
perfeita. O difícil, mas difícil mesmo, era comer o bolo à mão e conseguir
deixar creme e cereja – o melhor – para o fim.
Dizia-se que era um bolo de
pobres, já que o recheio era composto de restos de outros bolos. Coisa que só
poderia afectar os ricos, já que em casa comer os restos da refeição anterior
sempre foi o habitual. E ainda o é, nos dias que correm.
Mas o que esta imagem se me
sugere é de outro cariz. Fotografia.
Qualquer um que se dedique
um pouco mais a sério ao acto fotográfico sabe que, para além do assunto
principal, haverá que considerar a luz, que molda volumes e distâncias, o
circundante ao assunto principal e a relação entre entre ambos.
Quem quer que se “entretenha”
a criar assuntos para fotografar sabe também que, se a luz é “domável” e a
perspectiva é opção nossa, o circundante é o mais difícil de controlar.
Ou bem que se possui um bom
armário ou armazém de fundos e objectos que ajudem a “compor o ramalhete” ou
bem que haverá que improvisar com o disponível um ambiente que, de algum modo,
seja consentâneo com o assunto e com os sentimentos que queremos transmitir.
Nem sempre é fácil, convenhamos.
Em contra-partida o pintor
não tem esta dificulade. Confrontado com um assunto principal, que quererá que
seja fiel na tela, pode inventar todo um terceiro plano, objectos circundantes
ou mesmo um primeiro plano. Até, em o querendo, nada colocar atrás ou ao lado
do assunto principal, deixando-o a “flutuar” na tela virgem e branca.
Por mim, que não sou
pintor, que não tenho um armazém nem domino as IA da actualidade, remeto-me ao
que encontro aqui por casa. Mas não deixo de vadiar pelas feiras de rua com
velharias e bric-à-brac solto, bem como pelas lojas de inutilidades ou de
tecidos. Há sempre este ou aquele objecto que pode ser útil como fundo ou
complemento.
Em não tendo outra opção...
Bem, “Com um fundo preto nunca me comprometo”.
Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5
By me
terça-feira, 19 de novembro de 2024
Espaço e luz (ou vice-versa)
Respeitar o espaço próprio
dos objectos é tão importante no fazer uma imagem quanto o não respeitar. Ou o
trabalhar ou aproveitar a luz e as respectivas sombras.
Que tudo isso são
auxiliares vitais para contar a história ou mostrar sentimentos, que é para isso que existe a
fotografia. Ou também para isso.
By me
domingo, 17 de novembro de 2024
quinta-feira, 14 de novembro de 2024
Post-morten
Foi ontem. De conversa com
uma senhora brasileira que trabalha num café que passei a frequentar, falei-lhe
de um bolo de que gosto muito: Garibaldi.
Franziu a testa, dizendo que não conhecia tal bolo, mas que
o nome não lhe era estranho. Claro que não lhe era estranho, já que Garibaldi,
para além de italiano e herói na Itália, foi também um herói no Brasil.
Falámos de guerras no Brasil e falei-lhe de uma revolta
popular – a Guerra dos Canudos – que ela desconhecia por completo. Tratou-se
uma uma revolta popular estado da Bahia, liderada por António Conselheiro,
mesmo no final do séc. XIX.
Os revoltosos, que reclamavam pelo uso das terras
abandonadas, foram várias vezes atacados pelo exército nacional e só um assalto
muito em força os venceu. Fala-se de muitos milhares de mortos, em combate ou
já prisioneiros, homens mulheres e crianças. Incluindo o seu líder.
Sei deste episódio por uma fotografia.
António Conselheiro foi desenterrado duas semanas depois de
sepultado para que fosse fotografado por um fotógrafo do exército e mostrado à
população brasileira para tivessem a certeza de que estava morto e a revolta
acabada.
Só me recordei dos nomes uma hora depois da conversa. Memorizei-os
para lho contar no café.
Hoje, ao tentar organizar os meus livros tropeço num: “Para
entender la fotografia” de John Berger, sendo a minha versão a publicada pela
editora Gustavo Gili. Apesar de estar bem misturado com os demais, fazia parte
da “pilha para ler” e decidi que era ocasião de lhe pegar.
Trata-se de um conjunto de ensaios ou reflexões sobre
fotografia e o seu autor é um dos meus favoritos.
O primeiro ensaio é sobre a última fotografia de Che
Guevara, já morto e estendido numa mesa no instituto de medicina legal
boliviano.
Também esta fotografia foi usada pelas autoridades
sul-americanas, que não apenas as bolivianas, com o intuito de pôr em prática o
adágio “Morto o bicho, morta a peçonha”.
Não será, certamente, a mais famosa dele. Que os mitos, as
filosofias e o marketing se encarregaram de o imortalizar com outra. Bem mais
agradável, diga-se de passagem.
Esta coincidência de, em menos de 24 horas, lidar com duas
fotografias post morten oficiais e com intuitos de propaganda, recordou-me de
algumas outras equivalentes.
A comuna de Paris, em 1871, foi uma revolta popular na
cidade de Paris. O exército governamental terminou-a com um verdadeiro banho de
sangue. Em combate e com as execuções posteriores dos comunnards capturados.
Eugéne Disdéri fotografou os seus corpos nos caixões, em
grupos de dez ou doze. Mais que “reportagem”, incipente na época, foram
fotografias documentais que as forças do regime usaram depois para difundir
pela França mostrando o que acontecia a quem se revoltasse contra o poder
oficial.
.
Se o fotógrafo é o taxidermista do tempo, como disse o
mestre, a fotografia também pode ser usada, ao perpectuar a morte, como uma
ameaça ou um fantasma para assombrar os que se atrevem a pensar ou agir fora da
caixa, pondo em causa os poderosos ou os poderes instituídos.
.
Nota adicional – As fotografias acima descritas, além de
constarem na minha biblioteca, encontram-se mais ou menos com facilidade na
web. É só procurar.
Pentax K1
mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5
By me
terça-feira, 12 de novembro de 2024
Eu tive um avô
Bem... na verdade e como
toda a gente tive dois avôs e duas avós.
Os meus antepassados que
contam para esta história viviam numa casa de agricultura, na extrema de uma
aldeia do interior algarvio.
Quando eu era pequeno
costumava ir até lá uma temporada nas férias de verão. E vivia por uma semanas
aquela pacatez de uma aldeia envelhecida, numa casa um pouco afastada e onde
não havia electricidade.
A minha avó pouco saía de
casa. Entre a sua idade, os afazeres no tanque, na cozinha, na horta, com as
galinhas, coelhos e porcos e outras tarefas agricolas domésticas, pouco lhe
sobrava para ir à aldeia, coisa mais ou menos reservada a meu avô. Mesmo quando
vinha o homem do peixe, na sua motoreta com cestos de vime e a sua buzina que
ecoava longe. E que parava só no largo da aldeia.
Mas a sexta-feira à noite
era sacrossanta para a minha avó. Juntava-se com outra aldeã na casa de uma
terceira, e ali aqueciam o forno, amassavam a farinha e deixavam-na a levedar,
para o cozerem no dia seguinte. Entre o que faziam e o tempo de levedar, era
tempo de se falar de vizinhos e conhecidos, dali ou de outra aldeia.
No fim de semana havia pão
fresco lá em casa, com manteiga ou compota que era um pitéu. E esse pão, feito
uma vez por semana, durava até à cozedura seguinte, sempre comestível mesmo
para os menos bons dentes dos velhotes.
E se a minha avó fazia o
pão, o meu avô cortava-o. Teriam feito essa distribuição de tarefas haveria
muito, que nunca vi a minha avó a usar a faca. Esta faca.
Por aquilo que soube, teria
sido prenda de casamento, não sei se com outros talheres. Mas aquela, com cabo
de alpaca a que chamavam a prata dos pobres, nunca teve outro uso que não fosse
o de cortar o pão. Apenas isso e durante dezenas de anos.
O formato da lâmina bem
atesta a quantidade de vezes que o seu gume foi recuperado. Numa pedra de
amolar bem guardada num pano na despensa, tão gasta quanto esta faca e outras
que por lá havia.
Nem numa nem na outra o
catraio que eu era estava autorizado a pôr a mão. Que, ao fim de uma semana a
casca do pão começava a dar sinais e a faca haveria de lhe poder entrar. E se o
“menino” tentasse, sempre haveria a possibilidade de lá deixar um bife.
Quando os meus avós foram
para um lar, a faca lá ficou, suponho que na gaveta direita da mesa da cozinha
onde sempre a conheci, mas sem cortar nem ser afiada, ganhando com isso sinais
de corrupção na lâmina. Quando faleceram quis ficar com ela. Não só porque dela
tenhos boas recordações mas também porque passei a poder cortar o pão com ela,
finalmente. Coisa que não faço, que a lâmina está tão fina que tenho receio de
a usar.
Tenho-a ali, numa
prateleira e bem à vista, mesmo com o tempo a marcar o ferro, que a alpaca está
incorrupta.
Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5
domingo, 10 de novembro de 2024
Contradições ou talvez não
O antissemitismo é proibido
e punido pelos países europeus.
Já para as limpezas étnicas
até se enviam equipamentos e munições.
Faz algum sentido isto?
Faz, mas é censurado e
punido quem o disser.
Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5
By me
A tirania do enquadramento
sábado, 9 de novembro de 2024
Enganos
Fui enganado! Não é a
primeira vez que acontece num supermercado, mas desta vez ultrapassaram as
marcas.
E só dei por isso em
chegando a casa!
Então não é que tinha
bolachas o diacho da caixa de costura!?
Pentax K1
mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5
By me
quinta-feira, 17 de outubro de 2024
Memória
Um dia fiz uma fotografia.
Depois, fiquei a olhar para ela e a perguntar-me: “Para que serve?”
E quando acabei por me recordar da frase, mais que batida e de uma fábrica de películas “Para mais tarde recordar”, fiquei com uma outra pergunta a atazanar-me a cabeça:
“Então se aquilo que me fez guardar algo para recordar era suficientemente importante para eu ter o cuidado de me não esquecer, não serei eu capaz de guardar isto na minha própria memória, com tudo o mais que a fotografia não mostra - cheiros, sons, paladares…?”
Dessa data para cá fiz muitos milhares de fotografias. Umas porque quis, outras porque mo pediram. Mas nenhuma delas para mais tarde recordar.
Que, se a minha memória o não guarda, então não é importante.
As imagens que produzi neste entretanto foram, acima de tudo, pelo meu prazer de ser capaz de fazer uma imagem contendo algo que fosse passível de me agradar e, eventualmente, de agradar a terceiros. E que contivesse uma história, explícita ou implícita, que eu quisesse que outros a ela acedessem.
Quanto ao resto, prefiro guardar em mim.
Para me não esquecer, tenho blocos de apontamentos, escritos com luz ou com tinta: nomes, endereços, ideias a trabalhar posteriormente… Mas não são fotografias: são instrumentos de trabalho.
Que eu sou tudo aquilo que fui. E o que tenha esquecido de pouca monta será.
By me
quarta-feira, 16 de outubro de 2024
sábado, 12 de outubro de 2024
Teatro
quinta-feira, 10 de outubro de 2024
Citações
"On résiste à l’invasion des armées; on ne resiste pas à l’invasion des idées.”
Victor Hugo
.
Pentax K7, Sigma 70-300