sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Monumentos



A cada passo encontramos monumentos.
São marcos históricos, daquilo que fomos e somos, uns honrados e celebrados, outros convenientemente olvidados, pela bruma do tempo ou pela vergonha dos homens.
A cada passo temos disto, aqui ou em qualquer outro país.
Em Sintra temos dois, mesmo pertinho um do outro, mesmo virados um para o outro.

Um deles é uma cabine telefónica. Daquelas como já é raro, muito raro de encontrar, com janelinhas e porta de vidro e tabuinhas, com uma mola mantendo a porta fechada e protegendo os telefonantes das intempéries e dos ouvidos indiscretos. No tempo “da outra senhora” era importante manter esta privacidade!
Ao que sei, estas cabines são modelo importado do Reino Unido, onde as questões climatéricas são marcantes na vida dos cidadãos. Por cá, com a desertificação e a extinção da polícia política, estes abrigos deixaram de ser uma necessidade premente, tanto mais que os telemóveis vieram quase que os tornar obsoletos.
Triste mesmo foi a incapacidade de quem decide, que, mantendo a cabina em utilização na via pública, decidiu repintá-la, extinguido o amarelo e vermelho que lhe era característico por um branco tinta d’oleo, que mais parece de um frigorífico ou de uma sala de hospital.

Mas, igualmente triste é a história do edifício que aqui vedes, mesmo ao lado.
Logo após a revolução de ’74, foi ocupado como muitos outros, visto que se encontrava vazio e inactivo. Nele se instalou um grupo de gente de boa vontade e iniciativa e ali surgiu um dos primeiros infantários do conselho. Não me recordo do nome que teve, mas se me disserem que se chamava “Infantário Ribeiro dos Santos” não me espantaria.
E ali esteve por muitos e largos anos, recebendo diariamente as crianças dos que iam trabalhar, levando-as às primeiras letras, aos jogos e às cores, às actividades próprias daquelas idades.
Até que um dia os donos originais do imóvel requereram a sua posse de novo. Ao que sei, a questão arrastou-se nos tribunais por uns tempos até que regressou às mãos de quem o tinha possuído decénios a fio. E o infantário encerrou.
Encerrou mas os vestígios do que tinha ali acontecido não desapareceram. Que nas janelas foram ficando os bonecos recortados e colados pelas educadoras, que assim animavam as salas da pimpolhada.
É que, tendo recuperada a posse do prédio, os antigos e novos donos nada dele fizeram. Nem o habitaram, nem o venderam nem lhe deram outro uso. Continua ali quase como foi deixado aquando da saída do infantário.
E digo quase porque algumas mudanças aconteceram: A tinta foi caindo, o telhado foi metendo água, os vidros foram-se partindo e, para prevenir o pior, as janelas e portas foram fechadas por dentro com tijolos e argamassa. E do que se vê do pátio e acessos, difícil é chegar às portas, que o matagal tomou conta do espaço.
A única coisa recente que ali existe é um cartaz mal amanhado e, ainda por cima errado. Que, como se sabe, os imóveis não se alugam, arrendam-se.

Este é mais um monumento ao absurdo da cupidez de uns quantos que, na tentativa de se vingarem do que foi, preferem deixar apodrecer a que se lhe dê uso. Por muito útil e de serviço público que possa vir a ser usado.

E é assim que, na Vila de Sintra, Património Mundial, adulteram-se os equipamentos históricos e pouco cuidado se tem com os que lá vivem. Que é bem mais importante a receita que o turista possa deixar, mesmo que não tenha vontade de lá voltar!

A janela da boneca

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Mudanças



Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já foi coberto de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.


Image and editing: by me
Music and voice: José Mário Branco
Lyrics: Luis Vaz de Camões

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Nostalgias


Que soubesse, havia três: No Centro Comercial Arco-Iris, as galerias Ritz e o Galeto.
As galerias Ritz foram as primeiras a fechar, faz já muito tempo. Frequentava-as, mais um grupo de gente, por serem um dos locais onde se podia comer até bem mais tarde em Lisboa. E com bom vinho, diga-se de passagem. Por vezes o balcão e bancos estavam cheios e tínhamos que aguardar à porta, folheando as revistas de fotografia Inglesas, Francesas ou Americanas que por ali também se vendiam, entremeadas com cigarros, cigarrilhas e charutos. Para quem quisesse também havia tabaco de cachimbo, várias marcas e características. A moda dos de enrolar ainda não tinha chegado por cá, ficando reservada para os bem mais velhos, com outros hábitos e bolsas.
Em seguida foi a vez do que ficava no Arca-Iris. Mudou de aspecto e o balcão em zig-zag que o caracterizava dividiu-se em mesas e cadeiras de cor clara, incaracterísticas e banais. Porque ficava numa zona central da cidade, pelo menos no centro do que frequentava, e porque ficava perto do trabalho, era eu cliente assíduo. Além do mais, e isto é factor de primeira ordem, ficava paredes-meias com um dos melhores mecânicos de equipamento fotográfico da cidade. Motivo de visitas frequentes e de compras de ocasião de fazer chorar os mais invejosos.
Resta o Galeto. Mantém o balcão em zig-zag, com os empregados a circularem lá por dentro, com rapidez de serviço e qualidade do que servem.
Há quem diga, com a boca cheia de maldicência, que é local de pouso “putas finas”, mas nunca dei por nada. Ingenuidade minha, quem sabe? O mais que por lá vejo são idosos, agarrados a tradições antigas, famílias, com rebentos e tudo, que entre a ida à missa e uma qualquer vista familiar, vão ali em busca de um repasto rápido mas de qualidade. Os grupos de amigos, seja qual for a hora, por mais tardia que seja, preferem as esquinas, que são mais propícias a conversas, que os convivas não ficam todos em linha.
O balcão não é particularmente largo, mas suficiente para receber o toalhete de papel com monograma, pão, talheres, prato e travessa e copo. As garrafas, essas, ficam na prateleira de dentro, num nível mais baixo. E se não se tomar cautela, os seus conteúdos voam em menos de nada, que os empregados em passando e vendo copos vazios tratam de os encher. E perdemos a conta ao que já “marchou”.
Disse-me, quem conheceu aquilo de início, que a sua origem se deveu a um emigrante português que, em regressando do Brasil, resolveu investir num restaurante de qualidade e duradouro. Em boa verdade, ambas as características se mantêm até hoje: a comida recomenda-se e a decoração matem-se, assim como os balcões em zig-zag e os bancos de pé alto, fixos nos degraus de pedra.
O que não se mantém, para meu profundo desgosto, é um detalhe que também fazia dele único:
Presos ao balcão, do lado de dentro, entremeados com os suportes das ementas e dos condimentos e temperos, havia os cinzeiros.
De latão sempre brilhante, como as pequenas meias ebolas existentes nas paredes, eram uma quase esfera, com uns dez centímetros de diâmetro, com a boca convidativa à cinza e à beata virada para cima. Nunca vi nenhum entornar-se, que estavam solidamente agarrados, nem nunca consegui descortinar como eram despejados.
Agora, com a noveis regras de fumadores/não fumadores, no vidro da entrada está o malfadado dístico, rectangular e vermelho, interditando o prazer de um cigarro com o café após uma boa refeição, em boa companhia.
Dos cinzeiros, restam frestas na madeira, mostrando o lugar onde existiram anos a fio. E a nossa memória daqueles objectos amarelos e brilhantes.

Estive vai-não vai para chamar pelo gerente e perguntar-lhe se, por mero acaso, não teriam um deles a jeito para ser fotografado ou, melhor ainda, se haveria algum para venda. Faltou-me a coragem desta vez, mas não garanto nada da próxima!
O que aqui vedes será, se a memória me não falha, a cor do interior desses objectos agora desaparecidos.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Da ética e da credibilidade



Há um ano, talvez dois, aconteceu uma visita de estudo juvenil lá onde trabalho. Mais uma das muitas que sucedem.
Ainda que não seja nada comigo directamente, se estou por perto e com tempo livre, vou fazendo as honras à casa, descrevendo os equipamentos, métodos de trabalho e, se a ocasião é propícia, ainda acompanho a catraiada no manobrar de uma das câmaras. Sempre levam algo mais para recordar que apenas o visto e o ouvido.
E dou-lhes ainda uns dedos de conversa extra, com histórias ou estorietas que se ajustem às suas idades, por entre as respostas que vou dando às perguntas que me vão fazendo.
Pois desta vez, daquele grupo vindo já não sei de onde e estudando no 9º ano, salientou-se uma pergunta entre muitas:


Como é que sabem que as notícias que contam são verdadeiras?


Caramba! Aquele catraio em meia dúzia de palavras tocou num dos pontos mais sensíveis para quem faz daquilo ofício: A credibilidade do que é veiculado!
Lá lhe respondi como pude, fazendo analogias à sua própria vivência juvenil. E tentei dourar a pílula, falando sobre uma das regras de ouro da informação: o confirmar a notícia! Quer junto de fontes alternativas, que junto dos intervenientes nos factos, quer usando do contraditório, ou seja, ouvir a parte contrária, se a houver.
Lamentavelmente, este “Dourar a pílula” levou muita “Purpurina”! Porque este principio básico é muitas vezes ignorado ou convenientemente esquecido.
Na sofreguidão de ser o primeiro a difundi-la, de surpreender o público espectador, ouvinte ou leitor, muitas vezes se faz táboa-rasa de princípios fundamentais do ofício de informar. Por vezes mesmo atropelos!

Vem tudo isto a propósito de um artigo de página inteira publicado no passado Domingo no jornal “Público”. É assinado por Joaquim Vieira, provedor do leitor e, para quem se interesse sobre informação no geral e a usada pelas actuais tecnologias de informação em particular, recomenda-se.
Aqui o deixo, deixando também a vós as conclusões a tirar dele. Que, naturalmente, são extensíveis a todos os media que não apenas a este jornal em particular.

O link aqui

Janelas


domingo, 24 de fevereiro de 2008

Penhores


Ainda existem!
Discretas, como sempre foram, vivem das aflições do próximo emprestado sobre valores.
Curioso mesmo é ser uma actividade que se vai extinguindo lentamente. E por vários motivos, suponho eu.
A electrónica de consumo, os valores em alternativa aos ouros e pedrarias, já pouco valor hoje têm, que se compram novos quase que por tuta e meia nas grandes superfícies.
Quem tem momentos de mais desafogo não investe em metais preciosos ou jóias, seguindo a moda de colocar o seu dinheiro em bolsa ou outras formas de especulação. Vão fazendo mal, que as doses de risco são elevadas e, pelo caminho, há “tubarões” a cortar a sua parte.
Despojados de objectos valiosos, os que necessitam de recorrer extraordinariamente a empréstimos vão a bancos (de balcão ou dos outros), trazendo umas notas de emergência deixando por penhor os seus já magros salários vindouros. No lugar de hipotecarem os bens que possuem, e porque não possuem nenhuns, hipotecam-se a si e aos seus.
Seja como for, empréstimos sobre rendimentos futuros ou contra a entrega de objectos, há sempre uns quantos a engordarem à custa da miséria de muitos.
E se uns são agiotas de bens, os outros são usurários de gentes.

Porque me apeteceu


Porque hoje o meu bairro estava assim;

Porque gosto de desafios.

Peixe


Leio num jornal que a quantidade de peixe consumida, em média, por cada português e por ano é de 50 quilogramas. E que é a mais alta do espaço europeu.
Assim, das duas uma:
Ou bem que a notícia está errada, ou então é mentira que o peixe faça bem ao cérebro.
Porque, com exemplos recentes ou distantes do que se passa neste país…

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Barrigas


Não me importa nem um pouco quais as tendências actuais da sociedade!
Incomoda-me profundamente saber que duas pessoas dão o seu melhor no seu trabalho e porque têm capacidades físicas ou intelectuais diferentes, auferem pagamentos desiguais. Em muitos casos, muito desiguais.
Mas, venham dizerem-me o que quiserem, ambas têm que comer, que vestir, que habitar, que educar, que ser saudáveis. E ambas têm direito à tranquilidade, ao repouso, à segurança no desemprego, à felicidade. Ambas têm o mesmo direito e merecem-no da mesma forma. Seja qual for a ocupação que, honestamente, tenham na vida.
Infelizmente, as tais tendências actuais da sociedade rumam para o oposto ao que eu desejaria.

Só que, ainda mais grave que isto, conseguem ser perversas ao manter e acentuar estas diferenciações.
Muitos trabalhos há, e o ramo dos audiovisuais em que me insiro é um deles, em que é frequente ter que se ir trabalhar distante da residência. Suficientemente distante para implicar não apenas ter que comer onde calha como pernoitar longe de casa.
As empresas, ou os empregadores pontuais, asseguram que estas despesas extra são pagas, o que vulgarmente se chama de “ajudas de custo”.
Mas são diferenciadas em função dos já diferenciados salários. Quem mais aufere mais recebe e o oposto. O que significa, na prática, que um grupo de trabalho, em chegando a uma terra estranha para exercer o seu mister por conta de outrem, será separado por restaurantes e dormidas em função do que recebem. Que uns terão que ir para a tasca e outros para o hotel.
Não é nem justo nem equitativo! Que todos devem poder comer da mesma peça de carne e dormir em lençóis igualmente limpos.

Só que a tendência actual da sociedade consegue levar esta separação absurda ainda mais longe:
De uma forma ou outra, impele os que mais ganham a ficarem muito calados, para que não percam os seus privilégios. E obriga os que menos ganham a ficarem muito caladinhos e conformados, para que não percam o já muito pouco que possuem.
São estas atitudes de altaneira soberba de uns e de humilhante submissão de outros que me fazem ser um pária no meio deles.
Porque afirmo e defendo que, seja qual for o aspecto, as barrigas são todas iguais!

Um olhar


sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Sem dúvida


Basalto, granito, calcário, xisto?

Pedra de calçada, calhau, arma de arremesso?

Paralelepípedo, poliedro, informe?


Nada disto é importante.

Trata-se de um ilustre poste, de um glorioso campo do clássico “vira aos 5 acaba aos 10”!

O chão pode esfolar, o rigor do “foi dentro ou foi fora” é duvidoso, mas da espontaneidade e do valor do convívio ninguém pode duvidar!

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Recomendações fruto de experiência


Quem quer que queira fotografar um eclipse lunar perguntará, pela certa, qual o melhor equipamento para o fazer.



Os fotógrafos recomendarão – e bem – que uma objectiva potente e luminosa será um bom princípio.
Outros dirão – e com toda a razão – que um bom suporte de imagem com boa definição será imprescindível.
Haverá ainda quem clame - fruto de experiência - que um sólido suporte do conjunto óptica/câmara fará toda a diferença.
Pois eu acrescentarei um outro factor vital, cuja ausência foi crucial nas três tentativas que fiz, ao longo de vários anos como fotógrafo, para registar um eclipse total da Lua: Protecção contra a chuva!
Estará para acontecer a primeira vez que eu tente fazer este registo que não seja brindado com aguaceiros ou chuva copiosa, que não apenas me deixam molhado até aos ossos como inviabilizam qualquer fotografia digna de nota com o equipamento de que disponho.
Garanto que da próxima vez, daqui por dois anos, onde quer que decida fotografar o eclipse, mesmo que seja bem no meio do deserto de Atacama, estarei equipado com uma caixa estanque, calças e capote de oleado, galochas e luvas de borracha.
E, como este evento da natureza acontece bem alto no firmamento, terei também uma máscara de mergulho, que proteja a cara e a barba das chuvas, ácidas ou não, que os céus despejem!

Isto foi o melhor que consegui, por entre aceitar ficar com o cabelo encharcado e proteger a câmara com o meu chapéu. Que quando saí de casa para o descampado onde assentei arraiais, as abertas nas nuvens nada prenunciavam do que depois vivi!


Texto e imagem: by me

Questões de língua

O texto era este:

Construção clandestina
Dois prédios em risco de ruir obrigam a evacuar 24 pessoas no concelho de Odivelas

21.02.2008 - 09h43 Público
Há dois prédios em elevado risco de ruir no bairro da Serra da Lua, no concelho de Odivelas, o que obrigou 24 moradores a deixarem as suas casas esta manhã, por ordem da Câmara Municipal.A autarquia, conta a SIC, lançou o alerta com base num parecer de arquitectos e geólogos. O solo no local é argiloso e encontra-se instável.Os dois prédios em causa são clandestinos, tal como a maioria dos edifícios daquela zona.A Câmara Municipal garante, juntamente com a Segurança Social, tratar do realojamento de todos os habitantes.



O comentário que lá deixei foi este:

Juro que há coisas que não entendo!
Como é possivel que jornalistas (especialistas em comunicação e, muitos deles, com formação académica superior) continuem a usar o verbo "evacuar" aplicado a pessoas e não apenas aos locais.
A menos que o que aprendi há muito tempo, consubstanciado pelos dicionários em uso e pelo vosso "Livro de estilo" (pag 127) esteja errado, o conceito "evacuar" aplica-se aos continentes e não aos conteúdos.
A responsabilidade dos media na manutenção da língua portuguesa é demasiadamente grande para ser malbaratada desta forma.


A entrada no “Livro de Estilo” do Público é esta:

Evacuar – Verbo cuja utilização requer alguma cautela e que (tal como evacuação) é de evitar em títulos. Só os locais são evacuados, as pessoas são retiradas e, ás vezes, basta explicar que foram transportadas para, realojadas noutro lugar…

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Copy/past


"Levar a sério o que diz um político reduz o esperma e pode causar infertilidade e, havendo coerência legislativa, a lei do tabaco deveria aplicar-se às declarações políticas, que só poderiam ser proferidas ao ar livre ou em sítios com adequada extracção de ar e de credulidade."


Texto: by Manuel António Pina, in "Jornal de Notícias"
Imagem: by me

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Do uso de tripé na via pública



Por ser tão caricato, não lhe dei a devida credibilidade. Do facto peço desculpa.
Porque, afinal, a história é verdadeira e o relato que dela tive peca apenas por incompleto.
Contactados que foram companheiros de trabalho e ofício, acabei por vir a encontrar um dos protagonistas. De acordo com ele, aquando da abordagem por parte do fiscal da câmara, supuseram tratar-se de uma brincadeira, como muitas outras que vão vivenciando. Só mesmo aquando da conversa com o agente da polícia municipal entenderam tratar-se de um efectivo fiscal e que não estava a brincar.
Apesar disso, encararam a situação com o toque de ridículo que ela merece, não lhe dando nenhuma importância. Apenas no regresso, ao contá-la a colegas, vieram a saber que não terá sido a primeira vez que profissionais da comunicação são intimados a retirar os seus tripés de câmara da via pública por falta de licença camarária.
Ao que soube também, essa licença tem sido pedida, requerida e concedida apenas em caso de utilização de meios mais pesados, como carros de equipamento, geradores e suportes de luz, gruas, palcos e afins. No fundo, aquilo que está descrito no “Regulamento Geral de Mobiliário Urbano e Ocupação de Via Pública”, no edital nº 101/91, com as alterações introduzidas pelo edital nº 35/92, da Câmara Municipal de Lisboa.
Quanto ao uso de um tripé de vídeo ou fotográfico, nada consta no referido regulamento, sendo que é deixado mais ou menos em aberto aos fiscais da câmara a sua interpretação.
Da mesma forma que é deixado ao agente municipal a interpretação sobre carrinhos de bebé, de compras, sentar no chão para descansar ou mesmo estar parado a ver uma montra. Ou outros tão disparatados quanto estes exemplos.
Deixo uma pergunta maliciosa: Será que estes mesmos agentes do município terão a mesma atitude quando os profissionais da informação montarem os seus tripés para fazer a cobertura de uma manifestação por salários promovida pelos respectivos sindicatos?


Sobre a notícia, aqui o link

Sobre o regulamento, aqui o link

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Aviso à navegação



De: PT Comunicações

Assunto: Plano total PT
Estimado(a) cliente:
É com grande satisfação que confirmamos a sua adesão ao Plano Total PT, no telefone 21XXXXXX.
Informamos que durante 90 dias lhe disponibilizamos o mesmo de forma totalmente gratuita.
Com efeito, a partir do dia 2008-01-28, pode efectuar, sem pagar nada, todas as chamadas na rede fixa para qualquer ponto do país, 24 horas por dia, todos os dias da semana.
As chamadas para as redes móveis, têm o preço único de 30 cêntimos por minuto, a qualquer dia e a qualquer hora.
Após o período de oferta, continuará a usufruir do Plano Total PT, por apenas 7,5 € por mês (IVA incluído).
Para obter mais informações, ligue 16200 (chamada gratuita na rede PT, disponível todos os dias, 24h por dia).
Aproveite e fale com quem mais gosta!


De: Mim para PT Comunicações

Assunto: Plano Total PT
Recebi a vossa carta datada de 29 de Janeiro de 2008 com o mesmo assunto, cuja cópia anexo.
Na sua sequência, e não tendo sido eu solicitado ou subscrito qualquer plano ou alteração contratual, solicito que me desvincule de imediato desse plano aqui referido.
Solicito igualmente que me informe por escrito e em tempo útil, da forma como entenderam que eu poderia ter aderido a ele, não tendo sido eu contactado pelos vossos serviços nem tendo eu feito qualquer diligência nesse sentido.


De: PT Comunicações para mim

Estimado cliente:
No seguimento da comunicação acima referida, que nos mereceu a melhor atenção, informamos que:
Conforme o solicitado procedemos à desmontagem do plano Noites Grátis + Total PT associado à sua linha de rede.
Efectuámos o crédito correspondente às assinaturas mensais debitadas indevidamente, o qual será reflectido numa próxima factura.
Pelos transtornos involuntariamente causados, apresentamos as nossas desculpas.
Continuamos à sua disposição para qualquer esclarecimento adicional que entenda necessário.




Da ANACOM, DECO e Instituto do Consumidor (ministério da economia) ainda não obtive resposta.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Do arquivo

Ingénuo? Certamente que sim!
Profético? Esperavam então e esperamos agora que o seja!
Qualidade cinematográfica? Fracote mas regular, ainda que tivesse ganho alguns prémios.

Rodado em 1983, seis anos antes da queda do muro de Berlin, o filme “War Games” de John Badham encheu salas e imaginários, uma espécie de sonho semi-materializado.
Dele encontrei uma cópia meio esquecida na minha videoteca e dele também vos deixo um “cheirinho”.
Com vinte e cinco anos de existência, sugiro que o vejam por inteiro.


Por antecipação

A quem possa interessar:
Na próxima noite de 20 para 21 de Fevereiro acontecerá um eclipse total da lua.





Trata-se de um fenómeno que não é raro mas que não acontece todos os dias, nem mesmo todos os anos, já que se prevê que o próximo suceda apenas em 2010.
Os links que se seguem descrevem o que se poderá ver, como, onde e de que forma se poderá fotografar o evento, com alguns truques e técnicas relativamente simples.
De lamentar apenas que o patrono dos fotógrafos (S. Pedro e o seu controlo sobre o estado do tempo) não tenha na sua agenda uma noite clara para Portugal.

O evento
A fotografia



Texto: by me
Imagem: by me, one year ago

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Solidariedade

Solidariedade, s.f. Qualidade do que é solidário; responsabilidade mútua; reciprocidade de interesses e obrigações.
In: Dicionário da língua portuguesa, de Fernando J. da Silva



Terminado que foi o terceiro contrato a prazo, havia duas situações possíveis: a integração dos contratados nos quadros da empresa ou a sua dispensa definitiva.
A opção empresarial foi a de não integração. Tinham os três recebido, com a antecedência legal, o aviso de fim de contrato e, no último dia, foram contactados para o confirmar.
Em nada importou o seu bom desempenho profissional, quer na qualidade do trabalho produzido, quer na assiduidade e pontualidade, quer mesmo nas relações profissionais e pessoais, na horizontal ou na vertical. A política da empresa é o não aumento de quadros de pessoal e foi cumprida.
Acontece que, por ter sido o terceiro contrato consecutivo e não tendo sido integrados, a empresa vê-se no impedimento legal de contratar outras pessoas para desempenhar as funções por eles ocupadas e agora vagas. Pelo menos durante algum tempo, suponho que alguns meses.
Acontece também que a ausência destes três elementos, dois num sector, um noutro, causa graves prejuízos ao normal funcionamento diário, ficando cada uma das áreas com um número de efectivos inferior às necessidades do dia-a-dia. Para já não falar na questão de folgas, férias, baixas e trabalhos fora da rotina.


A proposta feita nos respectivos sectores foi a de os seus elementos aceitarem fazer horas extraordinárias e trabalho em dias de folga, suprindo assim as necessidades de produção, sem recurso a novos contratos. Pelo menos, suponho, até que se esgotasse o período findo o qual seria possível voltar ao sistema de contratos a prazo.
Num dos sectores, aquele de onde tinha sido dispensado um elemento, a resposta foi inequívoca: não! Não iriam trabalhar mais e nos seus tempos de descanso para evitar um novo contrato, mais para mais, obrigando a ficar no desemprego um companheiro de três anos de labuta. Resultado: passados poucos dias o referido elemento estava de volta, desta vez com contrato sem termo e integrado nos quadros. O futuro sorri-lhe, em principio!
No outro sector a proposta foi aceite de bom grado. Durante algum tempo os salários serão acrescidos de numerosas e apetecidas horas extras, ganhar-se-há dias para compensar mais tarde, aumentando o tempo de férias. A família que aguente um pouco, que é para engrossar o pecúlio! E nada importante é que, para estes ganhos extras, fiquem dois companheiros de longa data no desemprego. Pois que o que importa é vir trabalhar em folga e disputar esses dias e o respectivo pagamento com os colegas.

Este tipo de comportamento e forma de estar em grupo foi um dos principais motivos que me fez mudar de carreira e dou-me por feliz por o ter conseguido antes desta situação. Que não responderia pelos meus actos se ainda ali estivesse agora.
Mas fico envergonhado por dizer que esta história se passa na mesma empresa onde ganho o meu pão honesta e solidariamente. O mesmo pão que o D. e o J. deixaram de ganhar.
Os olhos que aqui vedes são de quem ficou no desemprego por falta de solidariedade!


Texto e imagem: by me

Celebrações

Não gosto do “Dia Mundial de…”, do “Dia Internacional de…”, do “Dia Europeu de…” e afins!
Fico sempre com a sensação que apenas naquele dia se estimam os parentes, se lembram os antepassados, se protestam as injustiças, se apoiam os necessitados.
Nos restantes dias, sinto que o bicho-homem apenas estima o seu próprio umbigo, apenas se lembra do seu rosto, apenas protesta contra os seus próprios males, e movimenta-se em auto-apoio e comiseração.
Assim, tenho para mim que as datas cíclicas e politico-comerciais celebradas não passam de hipocrisias e estratégias empresariais. Por muito simpáticos que me possam ser os sentimentos ou as causas celebradas.
E sendo que são muitas as causas e o seu grau de abrangência, sobrepõem-se em datas, havendo dias em que é difícil dizer se é um dia de apoio a ou de protesto contra.

Em cima de uma mesa de um café dou com um suplemento semanal de um jornal diário. O tema suplente é a saúde e o que aqui vedes é parte da fotografia da capa: “Dia Europeu da disfunção sexual”.
É uma questão que afecta homens e mulheres, física e psicologicamente, bem como os seus parceiros/as. A satisfação e o bom relacionamento de um casal também passa pelo sexo e, sendo este afectado, todo o resto se ressente em algum grau.
Nada de novo até aqui.

O que se torna efectivamente caricato é que o dia em que se alerta para esta questão ser exactamente o 14 de Fevereiro, dia de S. Valentim, dia dos Namorados.
Esta coincidência não casual poderá ter dois objectivos:
Fazer lembrar os que não têm este problema que há quem o possua e que a felicidade conjugal completa não é universal;
Ou fazer relembrar, aos que sofrem desta disfunção, o problema que possuem e, tal como escarafunchar uma ferida, aumentar o seu nível de infelicidade ou desconforto.
Em qualquer dos casos, bem que as duas datas poderiam não ser coincidentes e, visto que uma delas depende de um santo, ter sido escolhido para a outra o dia relativo a um qualquer diabo.
Pelo menos seria mais consentâneo!



sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Leituras


Esteve assim durante mais de uma hora.
Com o solzinho a bater-lhe nas costas, com as pernas em cima do banco, cabeça protegida por um lenço, o livro na mão.
Lendo devagar, mudando as páginas com calma e concentrada no que fazia, ao princípio nem dei por ela. Mas sendo que o meu artefacto, se não tiver “clientes”, não exige atenção, acabei por me aperceber da sua imobilidade. E fiquei curioso.
Ainda fiquei curioso com aquela figura, com um aspecto já não trivial, a ler num jardim. Afinal, não é todos os dias que se vê um idoso a ler um romance num banco de jardim, por muito apetitoso que possa ser o calor solar neste Fevereiro de noites frias.
E a curiosidade aumentou com o passar do tempo. E a falta de vergonha também, a ponto de fazer a foto que aqui se vê. E ainda fui mais longe:
Fazendo de conta que estava apenas num dos meus deambulares de cigarro na mão, aproximei-me o suficiente para ler o título do que ela lia. Nem Condessa de Ségur, nem Richard Bach, nem um opúsculo religioso.
Tratava-se, afinal, do “Guia prático da Artrose”.


Texto e imagem: by me

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Brilhante


Certas ideias são brilhantes.
E muitos são os que as têm, ao contrário do que pode parecer a quem anda por este mundo.
O que falta, as mais das vezes, é a coragem de as por em prática!

Punivel por lei


Dificilmente será assim que esta multinacional do fast food cativará os jovens potenciais clientes.
Este cartaz e esta loja estão localizados num bairro residencial e comercial em Lisboa, a meia distância entre uma escola do 2º ciclo e um liceu. Nos dias úteis, pelo almoço, a esmagadora maioria dos seus comensais tem menos de 18 anos.
Aquilo que eu não consigo entender é qual a lei, segundo a qual os prevaricadores poderão ser punidos. Provavelmente a lei do mais forte.
No cartaz consta:

Proibido skates, patins e quaisquer rolantes (punível por lei)

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

O ovo ou a galinha

O que surgiu primeiro: o ovo ou a galinha?
O que é mais importante: a informação que os media querem vender ou a informação que o público quer consumir?

Os media procuram vender. Mais unidades e em mais quantidade que os seus concorrentes. Logo, vão atrás dos “gostos” do público.
O público usa a informação como forma de exorcizar os seus males, satisfazendo-se com o sucesso dos seus heróis e minimizando os seus males com a grandeza dos males dos outros.

Mas o público não quer ser informado em profundidade sobre as vitórias dos heróis. Porque sabe que cada vitória é consequência de muitas derrotas, e de derrotas está ele cheio no dia-a-dia.
E o público não quer saber das origens e consequências dos males dos outros, com receio de neles encontrar os seus próprios males, aqueles que o atrapalham e incomodam, e de poder antever o dia seguinte.
E como ninguém é herói todos os dias, o herói de hoje é o esquecido de amanhã, que novos heróis serão descobertos pelos media. Que se não tiverem novos heróis a apresentar, venderão menos e terão menos lucros, que ter lucro é o seu objectivo.
E como falar dos males em profundidade é remexer em feridas dolorosas, há que evitar essas dores, que ninguém compra produtos que provoquem dores agudas e prolongadas, e ter lucro é o seu objectivo.

A missão do comunicador contemporâneo (seja ele de texto, som, imagem ou ideias) é encontrar todos os dias novos heróis, novos males, que ajudem na facturação da empresa onde trabalham. Como esta facturação depende, em boa medida, da facturação da concorrência, há que ir mais longe, há que ser mais apelativo, há que mostrar ao público que os novos males que se mostram são mais maus e mais distantes, que os novos heróis que se exibem são mais dignos e mais credíveis.
Deixou de ser importante fazer, como nos juramentos de tribunal dos filmes americanos, “a verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade.” Na concorrência dos media, apenas a “a verdade” tem algum peso (e não muito!). “Toda a verdade” deixou de ser importante, porque incómoda para o público e cara na produção. Já o “Nada mais que a verdade” depende dos conceitos éticos de quem produz, nem sempre os mais recomendáveis.

Assim, a relação entre os media e o público tornou-se (e é!) uma relação simplista em que um vende e o outro compra produtos para aliviar consciências e incómodos quotidianos. Tal como a botica vende pomadas para o lumbago e pensos para os calos.
A missão do jornalista ou do técnico de comunicação deixou de ser (se alguma vez foi) intervencionista na sociedade para ser a de fabricante de notícias, com a conta certa de dor e prazer no público para o manter como consumidor fiel.
E o público deixou de querer (se alguma vez quis) estar alerta sobre o que o cerca, restringindo-se ao seu pequeno mundo doméstico e familiar. Procura na informação os paliativos para as suas maleitas, não se preocupando com as suas causas nem com o prevenir de novas.

Alguns há, honra lhes seja feita, que não se encaixam neste consumismo informativo. Pessoas há que procuram saber mais e mais fundo, comunicadores há que procuram contar e explicar tudo sobre cada tema e sobre todos os temas. Mas como estas atitudes são cada vez em menor número, este circuito produtor/consumidor é cada vez mais marginal, talvez condenado à extinção.

Está em nós (produtores) e em nós (consumidores), não permitir que esta estupidificação no conhecimento do mundo que nos rodeia grasse como uma epidemia fatal!

Texto: by me

Ir ao cinema

Penso que tivesse sido em ‘72, mas não garanto. Teria eu então uns 13 anos.Sujeito a um voto de secretismo solene, fui admitido nas actividades clandestinas de minha família.Era de noite, suponho que após o jantar, e fui levado a um lugar esconso e perdido na cidade. Uma plateia de cadeiras de café, frente a uma tela branca dir-me-ía, hoje, que iria assistir a uma sessão de cinema. Mas o não sabia na altura.O filme projectado, repito que em segredo, era o “Couraçado de Potemkine”, realizado por Sergei Eisenstein. Na memória ficaram-me imagens de muita gente, de grandes espaços, grandes edifícios, grandes máquinas, muito fumo, grandes canhões.Não entendi, na altura, que estava no Grupo Recreativo Ramiro José, algures por Entrecampos e que estava presente num acto mais que ilícito: Ver um filme Russo.A censura e a PIDE, ainda que mais brandos na altura, não tinham contemplações: tudo o que viesse da Rússia ou cheirasse a comunismo, era proibido, pecado capital. E quem a tal se associasse estava condenado aos quintos do inferno.Mais tarde, não muito mais, esta pressão política aliviou-se um pouquinho e tive uma outra oportunidade. Em sessões culturais que o então cinema Império exibia às quartas-feiras de tarde, fui ver um dos que encheu a sala a transbordar: “Ivan o Terrível”, também de Sergei Eisenstein. A maior parte do filme vi-o sentado nas escadas do 2º balcão, tal como outras dezenas (centenas?) de pessoas, que as cadeiras estavam esgotadíssimas.Confesso que não me recordo de como tive conhecimento da projecção, mas sendo proibido e sendo de qualidade, não poderia faltar.Anos passados, estava acampado na Zambujeira do Mar, fui a um cinema local. Um armazém, esvaziado dos produtos habituais, cheio de cadeiras desirmanadas, com um projector de cinema portátil. A máquina encravou e a película queimou, o filme era mau, mas muito nos divertimos: “Trinitá, o Cowboy insolente”.Por essa época vibrei, já que a cadeira também vibrava, com o “Terramoto”, no cinema Tivoli. Apenas nesta sala em Lisboa poderia sentir-se todo o poder do filme, já que só uma construção em madeira como aquela poderia vibrar com os sons ultra-graves que acompanhavam as imagens.Desta forma, entre estes e depois destes, um pouco aqui, um pouco ali, fui tomando conhecimento com a 7ª arte, mãe esquecida da televisão. No anonimato das grandes salas de cinema, na clandestinidade dos centros culturais, nas romarias ao cinema Quarteto ou numa sala multifonica de um centro comercial.O cinema é o cinema! Feito para ser visto e degustado “no escurinho do cinema”, sentado entre desconhecidos ou não, no lugar que se escolheu ou que se arranjou mas, e sobretudo, numa tela grande.Numa tela de vários metros por vários metros, abarcando-nos com o seu tamanho. Os planos escolhidos, as velocidades dos movimentos, a sequencia das imagens… Tudo isto está feito para uma tela grande, para que uma plateia partilhe, de preferência em silêncio e sem pipocas, cada som ou palavra, cada fotograma ou acorde.Do ponto de vista técnico-prático, pense-se porque motivo são tão raros os grandes planos (só a cabeça) em cinema, e tão frequentes em televisão.Imagine-se o tamanho de uma boca, sensual ou ameaçadora, enchendo um ecran de uma sala prevista para 1500 pessoas.Claro que a primeira fila da plateia é de evitar. Quando não, acontece como me aconteceu, passar todo um filme com a cabeça a rodar de uma lado para o outro, como quando vi “Fernão Capelo Gaivota” no cinema Apolo 70. Aquelas gaivotas com 10 metros de envergadura, esmagaram-me mas apaixonaram-me!Claro que hoje a industria tem produtos híbridos, destinados aos dois consumos: as salas públicas e as domésticas. A qualidade sonora, os multi- ângulos, o poder ver uma cena em particular e fora do contexto geral, são um acréscimo, uma mais valia a colocar nos DVD’s, sob pena de ver reduzidos os ganhos. Também a pensar nesse tipo de consumo privado, toda a linguagem cinematográfica foi adaptada, tanto a visual como a sonora, alterando-se as escalas de planos, os ritmos das sequências, as origens e os tipos de sons…A electrónica de consumo acompanha (ou forma e induz) as tendências individualistas e consumistas. Disponibiliza grandes televisores ou monitores de vídeo, que quase enchem uma parede mas que esgotam, certamente, as linhas de crédito.Mas comparar o fósforo ou o plasma destes aparelhos com a reflexão de uma tela é falar em linguagens diferentes. O conforto da intimidade paga-se com a qualidade da imagem.Por outro lado ainda, o cinema ainda é um acto social. Convidar alguém para ir ao cinema ou ser objecto de um convite, resulta da selecção daqueles com quem queremos partilhar algo de especial. Ainda hoje é banal melhorar a roupa ou a maquiagem sob o pretexto de uma ida ao cinema, com algum amigo, namorada ou familiar.Uma ida ao cinema implica uma decisão consciente, planeada, uma alternativa no espaço e no tempo: no espaço que percorremos, no tempo de que dispomos. A decisão toma-se, os bilhetes compram-se e, durante aquela hora e meia o mundo deixa de existir (se os telemóveis forem desligados). Nem telefones, nem campainhas, nem choros de bebés nem cigarros nos afastam, nos distraem daquele mundo que ali nos é contado, daquele convite a uma outra existência efémera e imaterial.Estarmos numa sala de cinema é como quem está numa montanha russa: agarrados na cadeira, usufruímos de todas as emoções sem nos podermos levantar, sem sairmos a meio. Assim, tomamos toda a refeição, dos aperitivos à sobremesa, com a certeza de que cada pedaço vale a pena e que o todo fará sentido, sem interrupções endógenas ou exógenas. Uma ida ao cinema fica na memória como uma ocasião especial, quase ficando cada fotograma para mais tarde recordar. E quando assim não é, fica-se com as sensações da ambiência, da convivência, da companhia.Quem se recorda dos três últimos DVDs que viu?


Texto e imagem: by me

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Passado um ano






Foi há perto de um ano.


Romena de nacionalidade, passava pelo Jardim da Estrela todos os dias, ora acompanhada de uma pimpolha expedita e brincalhona, ora acompanhada pela sua filhota ainda sem um ano de idade.
Um dia, apesar da dificuldade de comunicação, sempre quis saber o que era aquilo, quanto custava e, em sabendo-o da borla, quis fazer uma. Com a pequenita.
O resultado, porque gosto da fotografia que muito conta, consta do mostruário que tenho de lado, na minha câmara “Oldfashion”.
Alguns meses passados, vim a saber por um catraio que por ali passa também e com a mesma nacionalidade, que tinha regressado à terra natal por uma temporada, mas que estaria de regresso em breve. Soube que tinha regressado quando dois homens, com a mesma barreira linguística, procuraram a fotografia e um delas a beijou, como se da real criança se tratasse.
Agora… Bem, agora os tempos são outros e, à revelia do que a maioria de nós vai sentindo, as condições de vida vão melhorando. Como o sei?
A meio da soalheira tarde de domingo, e acompanhada de uma amiga e de duas energéticas crianças, surge na curva do Jardim. Vem direita a mim e mais à minha câmara e procura sofregamente a fotografia. Vendo-a, riem-se todas e, sacando de telemóveis, fotografam a fotografia.
Pela extrema proximidade – poucos centímetros – a que fizeram a cópia, não creio que tenha ficado focada. Mas também não acredito que isso tenha muita importância. No tamanho em que a verão naquele ecrã, isso não será notório.
Importante mesmo será poder exibi-la aos amigos e familiares, sabendo-se a si e à filha suficientemente importantes para estarem sempre ali à vista no Jardim. E constarem do novel brinquedo e prova do status social atingido por cá: o telemóvel com câmara.


Texto e imagem: by me

sábado, 9 de fevereiro de 2008

WPP again!


Dirão aqueles que me vêem lendo ao longo dos tempos: “Lá está ele outra vez!”

As categorias são várias: “Sport news”, “General news”, “People in the news”, “Sports action”, “Sports features”, Contemporary issues”, “Daily life”, “Portraits”, “Arts and entretainement”, “Nature”.
Todas elas estão divididas entre “fotografia isolada” e “história”.

Se prestarem atenção a todas elas verão, como eu, que a tónica dominante é “tragédia”, “violência”, “catástrofe”, “degradação”, “confronto”.

Aparentemente, estas são as tónicas dominantes da fotografia de imprensa, aquela que faz as capas e as páginas centrais, aquela que chama a atenção do público e que os editores fotográficos das jornais e revistas elegem como as melhores.
Tal como o World Press Photo.

Tenho para mim que há temas – e muitos – sobre os quais se pode escrever e ilustrar no quotidiano que não apenas os que cabem nestas categorias ou descrições.
Pela parte que me toca, vou procurando que ambas as facetas da vida a melhor e a pior – façam parte do que dela vou retractando com a câmara e com a caneta.
E, apesar de aqui vos deixar o link para as imagens premiadas, este ano e mais uma vez não farei parte das estatísticas dos que irão maravilhar-se com a estética dependente da desgraça alheia, numa qualquer exposição do país.
O meu voto negativo ao WPP por escolher maioritariamente este tipo de imagens!
AQUI O LINK


Texto: by me
Imagem: 1st prise WPP 2008

Radicalismos


Não! Não é uma obsessão da minha parte!
Acontece apenas que é um assunto que me toca de perto, pelo que o que he diz respeito me alerta.


Supermercado cá do bairro. Contém o supermercado propriamente dito, uma loja de electrodomésticos e electrónica de consumo, um pronto-a-vestir, um sapateiro rápido, uma florista, uma lavandaria, uma cafetaria e um quiosque de tabacos e revistas. O normal.
Frequento o último de cada vez que ali vou, já que é dos poucos que vende o tabaco que eu consumo.
E, desta vez, fui surpreendido com os cartazes publicitários pudicamente tapados, como ilustra a imagem. Curioso com a situação, questionei quem estava ao balcão, que me esclareceu.

Terá sido informada pela Tabaqueira – quem lhe fornece o tabaco – que não poderia ter ali, mesmo por cima dos cigarros, tabaco de enrolar e de cachimbo, publicidade ao que vendia. Que seria objecto de pesada multa por parte da mal-afamada ASAE e que teria que os retirar ou cobrir. E que eles, os da Tabaqueira, lhe forneceriam novos cartazes, estes conformes com a legislação em vigor.
Não soube a senhora informar-me de que legislação se tratava nem do seu conteúdo. Mas ficámos os dois à conversa sobre o absurdo da situação.
Pois se numa loja de tabacos não se pode publicitar o que se vende, como se pode esperar que o negócio corra de feição?
A menos que o objectivo seja o impedir o seu consumo pela desistência por parte dos negociantes. Pelo menos dos formais e registados, que este tipo de impedimentos apenas irá favorecer o surgimento dos clandestinos que ignorarão os limites legais de idade, os teores de nicotina ou alcatrão ou mesmo ficarão à margem do pagamento de impostos.
Radicalismos aparte, parece-me que alguém está a exagerar a situação.

Parqueamento dificil


Sei que a dificuldade para parquear viaturas é grande, mas nunca esperei ver disto.


sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Duas páginas


Era este o espaço que esta empresa de imobiliário ocupava num caderno do sector de um jornal diário.
Para além deste rectângulo colorido com a indicação do nome da firma, dos contactos e da frase-chave de publicidade, todo o resto era ocupado com imagens dos bens para venda e respectivas características. Normal.
Já não tão normal é o erro ortográfico que aqui se encontra.
Seria de presumir que quem compra tanto espaço publicitário fizesse questão de ter o melhor possível, de impressionar os potenciais clientes pela positiva.
Tal como seria de esperar que o jornal não deixasse passar tamanho erro, pondo com isto em mãos alheias o crédito sobre a sua qualidade.
E tão grave quanto uma coisa e outra é o ter sido mostrado a diversas pessoas, algumas supostamente versadas em letras e comunicação, e nenhuma ter encontrado a gralha ou erro. Mesmo avisadas que aqui encontrariam um erro.
É que, queiramos ou não, numa época de consumo rápido de tudo quanto é coisa e de enorme peso da comunicação, são os media que vão suportando a manutenção da língua. Com ou sem acordos ortográficos, com ou sem evolução da língua viva que temos.
Que uma coisa é o calão, o estrangeirismo e as palavras da moda, outra é o não se saber conjugar ou escrever um verbo.
Fica-vos o desafio sobre o erro!

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Capadas


Sentado no comboio leio as parangonas com que os suburbanos matam o tempo da viagem quotidiana.
Num deles, as letras gordas gritam: “Portugal está entre os países de risco na mutilação genital!”

Tanto a notícia como o local onde é divulgado são tristes.
É triste a situação existir, que se deve em exclusivo à dominação masculina sobre as mulheres;
É triste que, em pleno séc XXI seja ainda prática comum, com todas as consequências físicas e psicológicas que esta barbárie trás;
É triste que, apesar de todos os alertas e apelos sobre a matéria, feitos por inúmeras organizações, governamentais ou não, só em nos batendo à porta sejam divulgados.
Porque, em acontecendo lá longe, nas profundas e “selvagens” Africas ou nos misteriosos e distantes Orientes, não são notícia, não valem o papel em que são impressas. São apenas estatística, nada mais!
Mas, em podendo acontecer aqui mesmo, na porta ao lado, com as meninas que partilham carteira e recreio com as nossas, aí sim, é de contestar. Porque acontece com o nosso umbigo, o único para que olhamos!

Mas tão aterrador quanto a prática é a reacção do público, da sociedade.
Em lendo o artigo, fica incomodado, mas não passa daí, que ainda que se saiba que acontece mesmo ao lado, não será lá em casa, com as suas filhas. Estas estão a salvo e ponto final.
E, em chegando ao trabalho, comentam com os colegas:
“Eh pah! Leste aquela notícia da mutilação genital feminina? Aquilo é mesmo bera! E que dizes do jogo de ontem?”

O interesse morrerá ali, tal como morrerão ou sofrerão as meninas a quem, para que não tenham prazer no acto sexual, arrancarão, cortarão, coserão o clitóris. A sangue frio e em condições higiénicas equivalentes às de se capar um porco.
Porque, afinal, é quase o mesmo. Não???????



Texto e imagem: by me

Graffitis


Quem se passeie pelas ruas de Lisboa poderá encontrar, aqui ou ali, alguns graffitis com umas dezenas de anos.

Uns mais gráfica e ideologicamente trabalhados, outros mais simples e directos, são a manifestação pública mas clandestina de contestações juvenis ou políticas.
A sobrevivência maior ou menor destes libelos deve-se, sobretudo, ao cuidado ou interesse que os proprietários dos imóveis/telas têm sobre a imaculidade das suas paredes. Ou ao dinheiro que possuem para os limpar.

Há pouco mais de três anos foi a estrada de Benfica, em Lisboa, inundada por esta expressão: “MERDA”.
Ao longo dos seus mais de três mil metros, a olho, foram umas centenas de vezes as paredes maculadas com as letras e o protesto. Sem nada mais que o explicitasse, o seu autor foi-o repetindo nas fachadas ou nas empenas, bem virado para a rua ou em becos mais discretos.
O fenómeno, invulgar pela certa, chegou mesmo a ser alvo de uma exposição sobre o tema, algures lá mais para o norte do País, que entre o jocoso e o insólito, criou curiosidade.

Passados que são três Invernos, algumas eleições e alterações no município, sobrevivem ainda a maioria. A deixar ali, bem explícito em frente dos nossos olhos, aquilo que muitos de nós dizemos ou pensamos quando olhamos para a sociedade que nos cerca, para a lista de preços dos alimentos ou para a demagogia barata da classe política.
É exactamente isso que nos apetece dizer quando uma vizinha, brasileira, com quem poucas palavras trocámos para além do coloquial “bom dia”, nos aborda no elevador logo de manhã e nos pergunta se sabemos de algum trabalho para o filho, que ainda que tenha sido pasteleiro na sua terra-natal, aceita qualquer coisa com que possa ganhar a vida. Pois que nem para o bilhete de regresso conseguem poupar.

Acredito que este graffiti, minimalista, sobreviva por muitos e desesperados anos, que é dos mais expressivos e sempre actuais que por cá conheço!


Texto e imagem: by me

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Across the universe

For the first time ever, NASA will beam a song -- The Beatles' "Across the Universe" -- directly into deep space at 7 p.m. EST on Feb. 4. The transmission over NASA's Deep Space Network will commemorate the 40th anniversary of the day The Beatles recorded the song, as well as the 50th anniversary of NASA's founding and the group's beginnings. Two other anniversaries also are being honored: The launch 50 years ago this week of Explorer 1, the first U.S. satellite, and the founding 45 years ago of the Deep Space Network
, an international network of antennas that supports missions to explore the universe.
The transmission is being aimed at the North Star, Polaris, which is located 431 light years away from Earth. The song will travel across the universe at a speed of 186,000 miles per second. Former Beatle Sir Paul McCartney expressed excitement that the tune, which was principally written by fellow Beatle John Lennon, was being beamed into the cosmos. "Amazing! Well done, NASA!" McCartney said in a message to the space agency. "Send my love to the aliens. All the best, Paul."
Lennon's widow, Yoko Ono, characterized the song's transmission as a significant event."I see that this is the beginning of the new age in which we will communicate with billions of planets across the universe," she said. It is not the first time Beatles music has been used by NASA; in November 2005, McCartney performed the song "Good Day Sunshine" during a concert that was transmitted to the International Space Station (› Related Story). "Here Comes the Sun," "Ticket to Ride" and "A Hard Day's Night" are among other Beatles' songs that have been played to wake astronaut crews in orbit.
Feb. 4 has been declared "Across The Universe Day" by Beatles fans to commemorate the anniversaries. As part of the celebration, the public around the world has been invited to participate in the event by simultaneously playing the song at the same time it is transmitted by NASA. Many of the senior NASA scientists and engineers involved in the effort are among the group's biggest fans.
“I've been a Beatles fan for 45 years – as long as the Deep Space Network has been around," said Dr. Barry Geldzahler, the network's program executive at NASA Headquarters, Washington. "What a joy, especially considering that 'Across the Universe' is my personal favorite Beatles song."

In: NASA.GOV


Sobre economia e futuro


Num jornal diário, na sua versão electrónica, leio:

As confederações da Indústria Portuguesa (CIP) e do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) defendem o alargamento da figura do despedimento igualmente para as situações de renovação do quadro de pessoal da empresa.
Para a CIP, "a possibilidade de recurso ao despedimento, que não assente em motivos disciplinares ou inadaptação, não pode circunscrever-se à 'redução de pessoal', devendo compreender também a renovação deste", num parecer ao Livro Branco das Relações Laborais, a que a Lusa teve acesso.
Igualmente a CCP aponta o despedimento quando "se pretenda a reestruturação da empresa e a renovação do perfil do trabalhador afecto ao posto de trabalho".
A CIP sustenta que, por vezes, "as empresas estão apenas carecidas de trabalhadores diferentes e não de menos trabalhadores". "Daí que a renovação do quadro deva ser integrado como fundamento legitimador", refere a confederação presidida por Francisco Van Zeller, no parecer já entregue ao Governo.
…”

Acredito que este possa ser um argumento por parte destas agremiações.
Mas a minha leitura, tenha ela o carimbo que tiver, é bem diferente.
O objectivo destes desejos passa antes pela possibilidade de despedir os mais antigos, com prémios de antiguidade e salários mais altos, para ir ser contratada gente, bem mais nova que, desesperada que anda por um emprego, aceitará pela certa colocações com contratos a termo e por menores remunerações.
Na verdade, o que eu leio destas afirmações, é o desejo da total desregulamentação das contratações e despedimentos, ficando estes integralmente sujeitos aos livres critérios e arbítrios de quem contrata.
E, numa sociedade que se pretende estável, com os olhos postos no futuro mas que, igualmente, desespera face a uma previsível falência do regime de reformas, de saúde, de educação, por escassez de contribuintes por comparação com os beneficiários, criar a instabilidade em quem trabalha por contra de outrem é cortar-lhe o desejo de constituir família, de ter filhos, por não poder antecipar-lhes o conforto e bem estar.
Mas, tão ou mais grave, esta atitude por parte das associações empregadoras é autofágica!
Ao não querer criar condições para uma sociedade estável ou positivamente evolutiva, está a diminuir os potenciais consumidores daquilo que os empresários produtores colocam no mercado. No fundo, a médio ou longo prazo, estão a matar as suas próprias empresas.

É caso para perguntar se os dirigentes e associados destas confederações dirigem empresas dinâmicas e com os olhos postos no futuro ou antes à moda dos merceeiros de má fama, contando apenas os tostões no final do dia!

Texto e imagem: by me

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Porque merece!

Algumas pessoas merecem ser ouvidas ou lidas.
Este é um exemplo, dividido em cinco partes: Marinho Pinto.

Parte Um
Parte Dois
Parte Três
Parte Quatro
Parte Cinco

Pergunta-se


Pergunto, com a honestidade e, quiçá, a ingenuidade que aparenta a questão:

Como podem os governantes e os empresários esperar dedicação, empenho, competência, no desempenho da actividade profissional dos seus empregados (colaboradores, como hoje se diz).

Após três contratos a prazo, e apesar de terem dado o seu melhor, por vezes muito acima da média dos efectivos, são dispensados, colocados na lista dos desempregados. Isto, apesar de os quadros das empresas efectivamente necessitarem de gente, a tempo inteiro, para o desempenho daquelas funções. Não se trata de trabalhos ocasionais, de picos de actividade. Regularmente, todos os dias do ano, aqueles postos de trabalho têm que ser ocupados!
No entanto, por medidas economicistas, na frieza dos números, os assalariados são contratados, despedidos ou dispensados como se de consumíveis se tratassem. Mesmo após três anos de dedicação à actividade e à empresa, com prestações perto da excelência.
Perguntar-se-à: Irão estas pessoas, na empresa seguinte onde irão trabalhar, aplicar-se da mesma forma? Dar o seu máximo e melhor? Dificilmente, já que sabem que, sejam medianos ou muito bons, o resultado será sempre o mesmo: engrossar a lista dos desempregados!
E pôr-se-à também outra pergunta: Quem quer que venha ocupar o lugar deixado vago, irá aplicar-se por inteiro? Dificilmente, que, sabendo do que aconteceu ao seu antecessor, saberá pela certa da inconsequência dessa aplicação!
Pergunta-se, então: Como se espera que a produtividade, numa época de concorrência feroz, aumente? Aumente em termos quantitativos e qualitativos? Pois se as compensações são diminutas, se algumas, que adianta o esforço e a dedicação a uma actividade ou empresa? Principalmente quando sabemos que o mercado de trabalho está difícil, que as oportunidades de emprego são poucas e que, a cada dia que passa, os bens essenciais – alimentação, habitação, vestuário, educação – estão cada vez mais caros e de difícil acesso?

Na prática, o que está a acontecer é uma nova forma de escravatura. Sem grilhetas de ferro nem chicotes ou leilões de gente semi-nua.
Esta competição desenfreada por um posto de trabalho, pela garantia do sustento, levam os cidadãos dependentes do trabalho por conta de outrem a “comerem-se uns aos outros” e a aumentarem a diferença entre a compensação do seu trabalho e a mais valia que reverte a favor dos empregadores ou empresários.
E, na mesma linha, surgem novos mercadores de escravos, agora com o pomposo nome de “agências de emprego temporário”, fornecedoras de mão-de-obra barata e alimentando-se do esforço e suor dos demais.

E, entre empresários e contratados, pertencendo aos quadros e com a tranquilidade de que tem o seu futuro assegurado, surgem outros pequenos títeres que, aproveitando-se da fragilidade dos segundos, afirmam-se com atitudes ditatoriais, de assédio ou de descarga de frustrações pessoais e familiares.
Resta aos que são alvo destas atitudes indignas, apelarem à sua dignidade, pondo em risco a sua estabilidade e futuro económico. Ou venderem-se e humilharem-se para garantirem a si e aos seus uma existência no limiar da subsistência.
Porque, garantidamente, que não é com estas condições contratuais e de trabalho, que se pode viver. Apenas subsistir!


Texto e imagem: by me