sábado, 12 de outubro de 2024

Teatro




Quem quer que alguma vez tenha feito fotografia de palco sabe que o maior inimigo do fotógrafo é o baixo nível luminoso existente.
Não é isto um defeito: é uma característica.
A iluminação de um espectáculo, seja ele de teatro, de música ou de bailado, não é apenas para que ele seja visível. É criar ambiências compatíveis com o que acontece nas tábuas, ajustando as zonas de luz e cor ao desenrolar dos acontecimentos.
Se alguns espectáculos teatrais (pensemos em revista à portuguesa, por exemplo) sugerem uma luz uniforme, garrida e de fácil leitura, outros exigem bem o oposto, criando zonas de penumbra ou mesmo escuridão total.
Acontece que o olho humano é muito mais sensível às amplitudes lúmicas que os materiais foto sensíveis. Sejam eles electrónicos ou fotoquímicos. Uma relação de contraste de 1:100 ainda tem leitura para o ser humano, é o contraste total para uma câmara.
E os espectáculos são feitos para serem vistos pelas pessoas, ao vivo e a cores.
Em havendo equipamentos de captação de imagem (fotografia, vídeo, cinema) ou bem que há reforço luminoso ou bem que os contrastes são terríveis na grande maioria dos casos. Daí que, em sendo captados, há sempre ajustes na iluminação de cena, mesmo que com prejuízo para o público na plateia.

Em tempos fui fotógrafo de teatro. Um trabalho que me deu muito gozo, que aconteceu quase que por acaso e no qual aprendi muito. Sobre fotografia, sobre teatro, sobre o género humano.
Claro está que os níveis luminosos eram baixíssimos. As peças ali levadas à cena assim o exigiam. Tal como a exiguidade do equipamento de iluminação, acrescente-se.
De vontade ou não, fui obrigado a usar película em preto e branco. E por vários motivos.
Por um lado devido à temperatura de cor. Há trinta e tal anos a película preparada para luz artificial era, na melhor das hipóteses, de sensibilidade limitada a ISO 800. E, mesmo assim, difícil de encontrar à venda e dificílimo de encontrar quem bem a trabalhasse.
Por outro porque o “grão” que as altas sensibilidades tinham sempre foram pouco admissíveis em cor. No preto e branco aceitava-se, como sendo parte integrante do processo. Agora em cor… só em trabalhos de autor e, mesmo assim, o público não o aceitava lá muito bem.
Por fim porque, não tendo eu laboratório de cor, seria particularmente dispendioso o mandar imprimir com correcção de enquadramento. E moroso. Desta forma, tendo eu o laboratório de P&B, os ajustes eram feitos à minha medida. E esta era em função do quanto o grão ficava visível e da objectiva que tinha podido usar.
Isto porque, à época, a panóplia de objectivas que tinha era limitada e não muito luminosas, para além, naturalmente, da 50mm. Mas esta apenas permitia mostrar o palco, não o contar da história, que era o que eu queria e o motivo de me terem contratado com exclusividade.
O uso do Preto e Branco nem sempre é uma opção estética. Por vezes, não havia outra solução.
Na imagem, o actor João Guedes, então integrante do TEL, Teatro Estúdio de Lisboa, interpretando a peça “O homem que se julgava Camões”, 1981.

Entendo a fotografia em preto e branco como um caso particular da fotografia.
Não a tenho por melhor ou pior que a fotografia colorida, apenas se adequa ou não nalguns casos.
Como as cores saturadas, como os High Key, como as silhuetas…


By me

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Citações



"On résiste à l’invasion des armées; on ne resiste pas à l’invasion des idées.”

Victor Hugo

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Pentax K7, Sigma 70-300


terça-feira, 8 de outubro de 2024

Memórias




Uma pequena grande história, verídica mas que poderia ter sido escrita por Corín Tellado.

Quando eram jovens namoraram-se. Do modo que os costumes de então permitiam e os afectos que tinham impeliam. E tinham um projecto a dois.
Acontece que nesse entretanto ele “deu uma facadinha” no namoro. As coisas não correram bem e acabou por ter que casar com esta outra. Outros tempos, outros modos.
Mas os afectos originais mantiveram-se para além dos anos.
Quando ele enviuvou, já adiantado na idade,casou com ela que havia esperado por ele.
Conheci estes meus tios-avós já em fim de vida, era eu pequenote.
Do que recordo, entre a memória e o desejo, eram um casal velhinho, vivendo num rés-do-chão no meio da cidade, com um quintal cheio de roseiras. Felizes.

By me

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Velharias




Fotografar é medianamente fácil. Olhamos para o assunto, gostamos do que vemos, a luz é do nosso agrado e apontamos a câmara. E deixamos o controlo de exposição aos automatismos.
Alguns, não muitos, interpretam ou avaliam as indicações do exposímetro da câmara, seguindo as suas indicações ou conjugando as leituras com a análise da luz existente, bem como das reflectâncias dos elementos na imagem.
Mas… e antes de haver forma de avaliar e medir a luz através da câmara? Como era?
Usavam-se aparelhos de medida, manuais e externos: fotómetros ou exposímetros.
A diferença entre os termos (e sei que o segundo é estranho) está nas leituras que neles podemos fazer. Os fotómetros indicam-nos a quantidade de luz em “foot-candle”, ou “candela por pé quadrado”, havendo alguns que usam outra unidade, o “Lux”. Dessa leitura, e conjugada com a sensibilidade do material de registo luminoso, deduz-se tempo e abertura. Através de cálculos complexos ou, o que é generalizado, usando uma escala de correspondências integrada no aparelho.
Por sua vez o exposímetro apenas nos dá valores de exposição, ficando o seu utilizador sem saber a quantidade de luz. Profissionalmente usam-se os primeiros, que nos permitem fazer outros tipos de interpretação.
Grosso modo, destes aparelhos de medida existem dois tipos: os que, ao receberem a luz geram energia eléctrica que é quantificada ou os que, em recebendo a luz se tornam resistentes à passagem de energia eléctrica, resistência essa igualmente quantificada. Nos segundos, é necessário fornecer a energia, em regra usando pilhas ou baterias.
Ambos os sistemas têm vantagens, sendo que os últimos são mais exactos quando existem tipos de luz com temperaturas de cor extremas, muito altas ou muito baixas: muitos azuis ou muitos vermelhos.
Mas… e como faziam os fotógrafos antes destes sistemas existirem? Como mediam a luz ou calculavam a exposição?
A experiência, fruto de tentativa e erro, era a pedra de toque. Consta que alguns fotógrafos, aquando do surgimento dos aparelhos de medida de luz, mesmo depois de os usarem ajustavam as leituras obtidas às suas próprias experiências visuais e de laboratório. Convenhamos que o rigor seria diminuto, mas a satisfação por se obter o efeito desejado seria grande, certamente.
Mas existia outro sistema que, ainda que dependesse da experiência do seu utilizador, era um auxiliar precioso: o extintómetro.
O seu sistema de funcionamento era relativamente simples: Olhando-se por um orifício, fazia-se deslocar à sua frente uma cunha fumada, cuja transparência ia da máxima até à opacidade. Quando o observador deixasse de ver parte do assunto, parte essa que dependia da calibração feita pelo fabricante, consultava-se a tabela do aparelho para se saber a relação tempo-abertura em função da sensibilidade.
Método estranho e de rigor bem duvidoso, mas na época fotografar, mais que uma ciência, era uma arte ou artesanato, com tudo o que isso implica.
Ao longo da minha vida havia visto apenas um aparelho desses. Em óptimo estado de conservação, ainda razoavelmente rigoroso, pertencia a um companheiro de andança fotográficas e lectivas. Que nunca se deixou convencer a vender-mo, ofertar-mo ou mesmo deixar-se “roubar”. Quando ia a sua casa, ficava eu a admira-lo, se não estivesse sacramentalmente guardado numa gaveta.
Há uns tempos, numa feira de velharias no Jardim da Estrela, dou com um. Ao preço pouco mais que simbólico de 15 euros. Confesso que se me tivessem pedido 2 ou 3 vezes esse valor, tê-lo-ia dado sem pensar muito.
Nos tempos que correm, nem deu muito trabalho a encontrar referencias. Referencias ao fabricante e data de fabrico, bem como o respectivo manual de instruções.
Para os que ainda pensavam que o jardim da Estrela não é um mundo cheio de surpresas, espero que tenham mudado de opinião.

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quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Perspectivas




Ele tinha emigrado para o Brasil. Por lá fez família e fortuna. E regressou com ambas.
Algures no interior, ali para os lados de Viseu, comprou terras e construiu uma quinta. Grande.
Casa senhorial, ao estilo do Brasil, o que não lhe dava grande conforto de Inverno, casas para quem com ele trabalhava, celeiros, estábulos… Nem faltou uma capela, nessa sua quinta, como era então hábito de quem tinha posses, era crente e gostava de se exibir.
E ele gostava mesmo de se exibir, pese embora o cerca de metro e meio que media.
De tal modo que a sua capela tinha a porta exactamente da sua altura. Ao que sei, tinha que tirar o chapéu, coisa normal numa igreja, para que nela não batesse.
Claro está que era o único que entrava na capela de cabeça erguida. Todos os demais, trabalhadores, familiares e visitas, tinham que se curvar onde ele entrava direito.

Esta história, que tenho por verídica por ter visto a dita quinta e capela, passou-se com um antepassado de um amigo e mestre meu. E se a sei foi porque decidimos um dia acampar no que restava daquela propriedade para tentar reproduzir as fotografias que existiam de quando a quinta era viva e vivida.
Dela restam ruínas, que os descendentes trataram de malbaratar a fortuna, repartindo terrenos e gastando à tripa forra. Ao meu amigo e mestre chegou apenas a memória contada de boca em boca, alguns registos eclesiásticos e nada mais. Nem um cêntimo. Ou mesmo a escassa altura do seu antepassado.

Não, não tenho os registos do que fizemos. As fotografias ficaram com esse meu amigo, entretanto falecido, e perdi-lhes o rasto.

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