segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Memórias de um fotógrafo de jardim




Negra! Daquele tom africano que quase nos faz pensar em algo levemente azulado. E que, pela minha falta de hábito em registar este tipo de tez, me deixa quase à-toa em o reproduzir com exactidão.
Bonita! Francamente bonita. Pelo menos naquilo que lhe podia ver, ou seja, as mãos, metade dos pés e a cara. Que todo o resto estava integralmente coberto. Num sinal inequívoco da sua fé ou crença.

Quando passou para cima, acompanhada pela pequenada, olhou mas sem muito interesse, que a canalha miúda absorvia-lhe a atenção. Mas no regresso, com mais calma, ficou a olhar à distância para o meu artefacto. Sentindo-lhe interesse, sorri-lhe e gesticulei-lhe que se aproximasse, o que fez.
A comunicação começou por ser difícil e a medo, que pouco sabia de português. Mas em sabendo-me a falar, ainda que mal, o francês, tudo se tornou mais fácil e quis fazer uma fotografia.
Enquanto a impressão acontecia, fui inquirindo a anotando as respostas, como de costume. E foi aí que a coisa aconteceu!
Não tinha a senhora entendido que não apenas iria haver uma eventual publicação na web como, menos ainda, que eu ficaria com uma cópia do que lhe entregasse. E isso quase que a ofendeu. Acredito que entrasse violentamente em confronto com a sua religião que, ao que sei no seu país de origem – Senegal – é seguida com muito rigor.
Desfiz-me em desculpas pelo meu erro ou engano na informação e prometi-lhe solenemente que, em chegando a casa destruiria a cópia que possuía. Que ficasse tranquila que tal sucederia pela certa.
E tantas vezes o assegurei que ela acabou por se descontrair um pouco e passamos a uma pequena mas amena conversa. Estava há cerca de um ano em Portugal, a língua escrita entendia-a mas a falada era uma dificuldade. E que um dos objectivos em aqui estar era o continuar os estudos iniciados na terra natal, nomeadamente em filosofia.

Em chegando a casa e em tratando as imagens e dados recolhidos, confesso que me passou pela cabeça ficar com a imagem. Afinal, ninguém saberia da coisa, ninguém a veria, nem mesmo a retratada e a sua prole, pelo que nenhum mal daí adviria. Excepto…
Excepto a minha própria consciência! Que palavra dada é palavra a cumprir, mesmo que mais ninguém saiba que o fiz. Que o meu pior juiz sou eu mesmo!
E foi destruída!

E se a retratada, cujo nome eu tenho mas que aqui não referirei como é óbvio, por aqui passar, que esteja descansada:
Daquela fotografia, feita numa tarde de 2008 no Jardim da Estrela e com uma câmara de madeira, não existe nenhum outro registo que não seja aquele pedaço de papel com que ficou.
Porque afinal, seja qual for a fé que nos move (monoteísta, animista ou ateísmo) a honra é comum a todas!

By me

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Faltava pouco




É uma daquelas brincadeiras inocentes sobre comportamentos que qualquer um pode fazer:
Em vendo alguém consultar um aparelho de medida de tempo (de pulso, de bolso, de parede ou num telemóvel), assim que for de novo guardado perguntar de imediato “Que horas são?”.
Constatarão que a esmagadora maioria das pessoas olhará de novo para o relógio, porque não o sabe de cor.
Na verdade, quando olhamos para um relógio, aquilo que queremos saber ou aquilatar não é o valor nele indicado mas sim a sua relativização. Quanto tempo falta para ou quanto tempo já passou desde que. É cedo ou tarde.
O valor real, em horas, minutos ou segundos de pouca monta é. Que no momento seguinte estará alterado, pertencendo ao passado.

Assim, não fiquei de todo surpreendido ou incomodado quando fiz esta fotografia.
Olhando para o que este relógio de sol me indicava e comparando isso com o meu relógio de pulso, o telemóvel e a indicação da câmara fotográfica, obtive quatro informações diferentes. Mas pouco relevantes, já que estava exactamente na hora de fazer uma fotografia. Ou, em o preferindo, faltava pouco para dali a um pedaço.

Em última análise, e para os cépticos ou cientistas, será a demonstração prática de uma das leis de Murphy: aparelhos de medida iguais, nas mesmas condições, mostram resultados diferentes.

By me

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

F ou PH




Primeiro
A coisa começou há muitos anos! Éramos – e eu os compinchas de várias andanças, incluindo a procura de perguntas e respostas – razoavelmente novos.
O caminho que então percorríamos juntos passava também pela fotografia. Partilhávamos os equipamentos, as técnicas, as estéticas os conhecimentos e descobertas que íamos fazendo. E, não sendo nenhum de nós génios, procurávamos também os livros e revistas onde pudéssemos ir beber em mestres o suficiente para os nossos passos.
Estávamos na década, melhor, no decénio de 70, inícios do de 80 e por cá, Portugal, pouca leitura havia em português sobre a matéria. Livros apenas alguns mais antigos, ao estilo de almanaques, e revistas só aquelas efémeras, cuja qualidade e pouca procura faziam morrer pouco depois de nascer.
A solução era, inexoravelmente, recorrer ao que vinha de fora, do Reino Unido, dos EUA, de França. Cada uma destas origens, então como agora, tinha abordagens diferentes às técnicas e estéticas e às soluções. E o hábito de ler, apreciar e mesmo falar ia-se atendo às línguas que praticávamos fotograficamente.
Claro que também contava, face à juventude que tínhamos, o prazer de usar um código semi-hermético aos circundantes, aqueles que não bebiam onde nós nos alimentávamos: o prazer de fazer imagens.
E criou-se a brincadeira, petulante é certo, de dizer que por cá se fazia “Fotografia” e que lá por fora se praticava “Photographia”.
Com o passar dos tempos e as variações de rumos das vidas de cada um, tudo isto se transformou ou diluiu. A literatura e os periódicos em língua portuguesa foram aparecendo, algumas por nós mesmos produzidas, muitas vindas de além-mar. E deixamos de parte a necessidade juvenil da afirmação por códigos e mistérios.
Mas a sensação da diferença entre “fotografia” e “Photographia” ficou. Já não agarrada à tradicional maledicência sobre tudo o que é português, mas antes para marcar alguma diferença no tipo de imagens produzidas, onde quer que fosse. Diferença esta que não está nas técnicas, nas estéticas ou nas temáticas. Constata-se em cada uma delas e no seu conjunto mas não reside aí.
Está, antes sim, na forma de pensar e de fazer fotografia.

Segundo
A representação pictórica, ou iconográfica, existe desde antes da escrita, com esta tem co-existido e, pela certa, a ela sobreviverá. Porque os códigos alfabéticos, fonéticos, ideográficos ou binários mudam com as civilizações e tecnologias, o que não sucede com o uso das belas-artes. Poderão estas mudar de estilos ou de interpretações, mas perduram.
O comum do ser humano, gregário que é mas igualmente desejoso de marcar a diferença na sociedade em que se insere, procura igualar ou suplantar aqueles que admira e a quem atribui qualidades superiores. Entre outros, os que bem se expressam, seja qual for a arte em causa. E a pintura e representação gráfica é uma delas. Mas ela não é tão simples como parece, já que, além do domínio das técnicas, implica um certo “fogo interior” que na maioria está apagado. Para já não falar na morosidade do processo.
Ao invés, a fotografia é quase imediata, por comparação. E é-o tanto mais quanto as técnicas usadas evoluem. Técnicas estas que, com um domínio não muito aprofundado, permitem obter resultados satisfatórios, não apenas perante a sensibilidade de quem as produz como a aceitação de quem as vê. E os automatismos contemporâneos ainda reforçam este facilitismo no fazer da fotografia.
Se a isto juntarmos o consumismo desenfreado que vamos vivendo e a necessidade de afirmação social mais pela posse de bens que pelo resultado daquilo que se é e se pensa, temos que meio mundo possui e utiliza câmaras fotográficas. E que o outro meio anseia por o ter e fazer.
Mas esta fotografia é feita a correr, oriunda em impulsos de momento, quase que por obrigação. As questões estéticas são ignoradas, dos factores de comunicação nem se desconfia, e com a mesma velocidade com que dispara o obturador, também o seu resultado é esquecido. Tão ou mais grave que isso, a fotografia contemporânea padece da efemeridade, já que o seu apagar ou destruir resulta do uso de uma ou duas teclas na sequencia de sistemas de armazenamento cheios. A mesma ausência de pensar no acto fotográfico conduz a uma ausência de importância no seu resultado. Conservar ou não uma fotografia é uma questão de apetite momentâneo. E já não se usam pastas de arquivo cuidadosamente arrumadas, caixas de sapatos empilhadas ou gavetas repletas de papéis mono ou multi-coloridos que, volte e meia eram remexidos e supostamente organizados.
Some-se a esta pouca importância dada ao pensar a fotografia o seu actual custo zero. Fazer uma fotografia ou dez consecutivas tem o mesmo preço e dá o mesmo trabalho em obter. Que o “rolo” já não chega ao fim e as memórias dos cartões são cada vez maiores.
Nos tempos que correm, a velha frase publicitária “Para mais tarde recordar” deixou de fazer sentido, face ao uso e importância que é dada à fotografia.


Terceiro
Alguns há, no entanto, que assim não procedem.
Ao olharem pelo visor da câmara, ou ainda antes disso, o seu objectivo é o registo permanente daquele jogo de luz e sombras, daquela perspectiva, o contar daquela história, o eternizar daquele momento. E que, em tendo oportunidade para tal, procuram melhorar as suas capacidades de o fazerem, tanto pela prática como pelo estudo de quem o faz ou fez ainda melhor. Em que a afirmação pela fotografia não passa pela competição com os restantes com base no resultado ou na exibição da factura do seu equipamento mas antes consigo mesmo e com o resultado obtido a cada imagem produzida.
E que sabem que esse processo começa com o olhar o assunto e termina com olhar sobre o produto acabado, sendo que tudo o resto que medeia entre um e outro são meras técnicas, mais ou menos dominadas. Na tomada de vista e na selecção e tratamento posterior.
Que sabem e praticam que uma fotografia é o resultado de um processo mental materializado pela técnica. E que é mais naquele que se preocupam que nesta.
Ao resultado dos trabalhos destes, chamo eu (e mais uns quantos não tão poucos quanto isso) “Photographia”. Para o trabalho dos demais fica o termo genérico de “Fotografia”. Alguns há, ainda, que diferenciam com o uso de maiúsculas e minúsculas, mas o significado é o mesmo.
Nenhum dos dois termos tem mais valor que o outro ou algum deles tem uma carga negativa. Porque, na vida, o que importa é a obtenção da felicidade naquilo que fazemos e nenhum método é universal ou único.
Mas porque não são iguais nem nos processos de obtenção nem nos resultados materiais, identifiquem-se umas e outras imagens e fotografias.
Até porque entre imagens fotográficas e fotografias (com “F” ou com “Ph”) também há diferenças. Mas isso são outros contos!


By me

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Regras - o Tanas!




Encontro uma página onde se recomendam uma série, 47 para ser mais exacto, de dicas para quem quer iniciar-se na fotografia.
Não possuindo eu todo o conhecimento, gosto de dar uma boa olhada, já que sempre se pode aprender algo com a experiência dos outros.
Foi este o caso. Mas encontrei alguns “erros” que me arrepiaram.
Um deles foi o falar-se da regra dos terços. Caramba!

A regra dos terços é algo de que se não deve falar que não a gente que já lida com composição de imagem há algum tempo! E eu explico o porquê!
Desde logo porque quem está a aprender gosta mesmo é de regras. Que uma regra, dita por um mestre, é algo a seguir quase que religiosamente, mesmo quando ele diz que as regras são para serem quebradas. Até porque, pensam os novatos, “se isto é uma regra, se eu a usar não falho”. Nada de mais errado!
A regra dos terços, por si só, é inútil se não se ponderar tudo o mais que possa existir dentro dos limites da imagem: outros elementos, fundos, luz, cor, volumes…
Por outro lado, haverá sempre que considerar a importância e a facilidade ou dificuldade em interpretar os diversos elementos. Códigos, sinais, letras,…
Acrescente-se a figura humana e como ela interage com eles ou com a objectiva, mesmo estando em fundo.
A tudo isto, some-se o facto de a regra dos terços (ou o número de ouro) ser uma questão cultural, originária da Grécia antiga e recuperada pelo Renascimento até aos nossos dias no chamado “mundo ocidental”. Outras culturas não a usavam e não a usam. E ficamos encantados com o que produzem, nas suas proporções, na gestão de espaços e volumes, na facilidade em comunicar connosco. Mesmo sem a tal “regra dos terços”.

Aprendi eu, com alunos e formandos, que esta regra não se transmite numa primeira fase. Nem mesmo numa segunda fase.
Eventualmente vai-se sugerindo correcções de composição e questionando quem aprende sobre o que prefere. E mostram-se-lhes outros trabalhos de outros autores, onde ela, a regra dos terços, é ou não usada mas sem a ela se nos referirmos.
Só mais tarde, quando ela é naturalmente aplicada (ou não) por quem aprende, se lhes deve explicar a dita regra. Depois de se ter descoberto o equilíbrio de massas, o equilíbrio de luz, o equilíbrio de significados, a condução do olhar por linhas reais ou implícitas, os jogos de cor ou de cinzentos…
Nessa altura, quem aprende percebe que usa naturalmente essa regra mas que nem é de aplicação permanente nem de uso universal.

Matar a criatividade pessoal e a descoberta do belo com regras é o que de pior se pode fazer a quem começa e quer aprender.
E quem assim ensina, está mais preocupado em ensinar do que em o formando ou aluno aprenda.
Os meus cinco cêntimos, num assunto que não é pacífico.


By me

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Ao balcão




“As conversas são como as cerejas: umas atrás das outras”, diz-se.
Pois não sei qual a cereja anterior, apenas sei que dei connosco a conversar sobre fotografia (eu e quem trabalha atrás do balcão do café aqui da rua), e de como há pequenas coisas, tão simples, e que podem melhorar em muito as fotografias que fazemos. Isto sem se querer ser um “artista”, apenas querendo obter satisfação do que se possui nas festas e férias. Mesmo com um telemóvel.
A horizontalidade versus a verticalidade em função do assunto e da contextualização; o espaço próprio do ser humano e dos objectos e de como isso corresponde à nossa própria forma de estar e viver; o centro de interesse e os centros da imagem; o uso de primeiros planos;…
A certa altura tinha mais dois vizinhos aqui da rua a ouvirem e a experimentarem as minhas dicas com os seus telemóveis mesmo ali encostados ao balcão, a meu lado.
Foram uns vinte minutos proveitosos para todos, entre cafés e boletins de totoloto.

Pouco me importa o que dizem os lentes e catedráticos: tudo na vida é fácil, desde que nos dispúnhamos a aprender e nos ajudem ao nosso nível.

By me

sábado, 14 de setembro de 2024

Out Jazz




Just for the fun, some time ago.

Pentax K7, Sigma 70-300


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sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Hoje não




Com paciência e cuidado, arde até ao fim e a cinza não cai.

Não será o caso hoje, com as tarefas que tenho em mãos: nem paciência nem cuidado.


By me

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Cravos precisam-se!




Não importa onde nem quando.


By me

 

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Títulos




Sempre me fez sair do sério o tratar-se alguém pelo seu título académico, como se isso fosse algo que o definisse.
Mais ainda, recordo uma discussão, ou troca de palavras menos cordial, que tive com alguém na altura bem conhecida nos meios académicos e políticos e que estava a colocar em causa o desempenho e comportamento dos alunos que tinha comigo a trabalhar.
A coisa acabou por se tornar caricata, já que a dita senhora fazia questão de me tratar por Dr., ao que lhe respondia: “Não o sou, nem da mula russa, e não lhe dou eu autorização para assim atacar os alunos que ali tenho.”
Felizmente, um membro da direcção da escola interveio e colocou água na fervura.
Naquela cabecinha sempre com mise do dia e que tratava por igual governantes e académicos, laicos e religiosos, não lhe entrava falar de igual com quem não tivesse uma qualquer licenciatura ou, de preferência, um doutoramento.

Não! Não adianta insistirem que não irei referir nomes, datas ou locais.
Basta que diga que os alunos que ali estavam, fazendo o que se haviam proposto e bem para além do programa da escola, estavam a ter um comportamento que bem gostaria de ver em muitos dos ditos “profissionais” que pululam no mercado dos audiovisuais.

By me

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

A tampa na tampa




A história tem mais de dez anos, mas continua actual:

Podia contar aqui uma história bonita, cheia de rococós e alusões fotográficas.
Não o farei.
É daqueles episódios que me não apetece embelezar.

Há uns tempos soube de alguém que tinha perdido uma tampa de uma objectiva fotográfica. E que vivia onde elas não se vendem.
Via net propus enviar-lhe daqui de onde resido uma equivalente, que bem entendi a tristeza. E, em troca, pedi que me enviasse algo típico da zona onde essa pessoa reside, que não conheço.
O acordo foi aceite, eu procurei, encontrei e enviei a tal tampa. E até hoje estou à espera da contrapartida.
Não estou nem um pingo arrependido do que fiz e, em iguais circunstâncias, repeti-lo-ei.
Mas acho alguma graça que essa pessoa, que até faz questão de apregoar aos quatro ventos ideias igualitárias e fraternas, não cumprir a sua parte de um acordo tão simples e descomprometido.
Mas talvez um dia, quem sabe, esteja eu triste por ter perdido uma qualquer tampa e alguém, a troco de coisa alguma, ma faça chegar às mãos.

Que a vida é, as mais das vezes, redonda como uma tampa de objectiva.


By me