segunda-feira, 30 de abril de 2012
O bitoque
“E como achou o
nosso bife?”, perguntou o empregado quando acabei o bitoque.
“Bem, com alguma
dificuldade, debaixo das batatas e do ovo.”, respondi.
By me
Há seis anos
Há seis anos
escrevia eu o que se segue.
Mudando apenas as
idades referidas, poderia eu escrever exactamente o mesmo hoje. Com o triste
acréscimo de saber que as luzes de alarme estão, na sua grande maioria, mais
que apagadas – fundidas.
Espero que quando
se voltarem a acender, não seja tarde demais para muitos.
Há trinta e dois
anos caiu o regime fascista português.
Terminou a polícia
política, terminou a guerra colonial, passámos a ser livres de pensar, de
falar, de agir, de reunir…
Atrás do
militares, e sobrepondo-se a eles, a população portuguesa com mais ou menos
conhecimento do que a atormentava, veio para a rua e tomou conta dos
acontecimentos.
Engalanámo-nos com
cravos, fomos exemplo para o resto do mundo e tivemos os contendores da
guerra-fria de olho em nós, não fora alguma coisa “perigosa” acontecer.
Trinta e dois anos
passados, esta data de “25 de Abril” mais não é que uma memória e a
oportunidade de gozar um feriado, de preferência com uma ponte pelo caminho.
Muitos dos que a
viveram perderam ou vão perdendo a energia, que trinta anos é muito tempo, os
que a não viveram nunca sentiram o que ela, a revolução, significou.
É apenas mais um
feriado, como o 1º de Dezembro ou o 10 de Junho: uns discursos, uns desfiles
pitorescos, uns filmes evocativos e pouco mais.
Em boa verdade,
mais não deve ser.
As revoluções têm
o seu tempo e os seus revolucionários, há coisas que têm que ser mudadas e
evitado o seu retorno. Que raramente volta. Da mesma forma!
Mas o espírito que
a alimentou, o que fez milhões de portugueses saírem para as ruas, rindo,
batendo palmas e chorando de alegria, esse deve ser mantido vivo!
O desejo de que as
“classes sociais”, a terem que existir, não estejam tão separadas, que a fome
de barriga, de coração e de cabeça não mais retorne, que a sociedade seja
solidária por inteiro… Tudo isto deve continuar vivo em cada um.
Mas não está!
Aqueles que mantêm
os cidadãos vivos e produtivos fazem-no, as mais das vezes, para que o
resultado dessa produção se reflicta, em primeiro lugar, nas mais valias que
esses mesmos desejam. E, para tal, aqueles que para eles trabalham, têm que se
manter em forma e alimentar a produção e a novel competitividade.
A polícia
política, enquanto tal, terminou. Mas temos as novas formas de controlo, com as
bases de dados incontroláveis nas mãos não se sabe de quem, as intercepções ao
tráfego electrónico, a localização dos cidadãos pelo seu telefone móvel, as
câmaras de vigilância, a comunicação social veneranda e obrigada aos interesses
dos seus empresários, ignorando a nobre tarefa dos media…
O acesso ao ensino
superior é generalizado e incentivado, para depois os seus alunos irem fazer
qualquer coisa que nada tem a ver com o que estudaram e aprenderam.
O acesso aos
cuidados de saúde é cada vez mais difícil e caro, sendo o próprio estado, pelos
seus governantes que supostamente representam a vontade popular, a incentivar o
recurso aos meios privados.
Aumenta o número
de horas de trabalho, diminuindo, em contrapartida, o valor hora que é pago aos
que as trabalham.
Cada vez mais a
sociedade está virada sobre o seu próprio umbigo, ignorando ou fazendo por
ignorar o que se passa ao lado e o termo “solidariedade”!
Por isso, festejar
o 25 de Abril pouco mais será que honrar a memória dos que o fizeram. Porque o
seus espírito, está morto e enterrado. Ou, na melhor das hipóteses, moribundo!
Pela parte que me
toca, ainda não sei se o irei festejar. Não por desprezo aos que o fizeram, mas
antes porque talvez esteja bem ocupado a tentar preparar um 26 de Abril, 18 de
Maio, 29 de Agosto ou qualquer outra data que mereça ser comemorada por mais
uns 32 anos.
Porque ainda
acredito que “O povo é quem mais ordena”! E neste momento não consegue ordenar
coisa alguma! Apenas julga que sim!
By me
domingo, 29 de abril de 2012
Práticas perigosas
Algumas coisas há
na vida que são perigosas. Todos nós o sabemos.
Adormecer com um
cigarro aceso, por exemplo. Ou não travar bem um automóvel ao abandoná-lo. Ou
ir fazer a barba tendo um ataque de soluços. Ou…
Ou ir para a cama
depois de uma semana de sonos bem curtos sem garantir que o despertador tem
pilha quanto baste para se aguentar até à hora do acordar.
Neste último caso
as consequências foram, entre outras, o ter tido um sono ininterrupto de 15
horitas apenas. E o não comparecer onde estava combinado, nem mesmo ser capaz
de reagir ao toque do telefone móvel, arrumado que estava na sala.
By me
Pedagogias
Isto é o conteúdo
da caixa que comprei: uma moto da polícia, dois polícias, dois ladrões, uma
caixa multi-banco. Entenda-se que são bonecos da Lego, aquela marca que fabrica
brinquedos, supostamente para crianças, mas que os adultos tanto gostam também.
E, se eu bem
conheço os meus concidadãos, estou em crer que esta caixa será top de vendas em
muitos bairros. E as crianças que lá vivem não usarão os “fardados” como heróis.
Em qualquer dos
casos, não posso garantir que a situação aqui descrita não seja composta de
dois heróis obrigatórios, dois heróis ocasionais e um bandido mecânico. A moto é
só para compor o ramalhete!
By me
sábado, 28 de abril de 2012
sexta-feira, 27 de abril de 2012
Um recado
Há quem me olhe de
lado porque não uso “passe” para me deslocar.
Em vez dele,
compro viagens antecipadamente, carregando o cartão. Uso vários para os
comboios, de acordo com o trajecto que quero percorrer. Para autocarros outro e
para metropolitano ainda outro.
E olham-me de lado
porque este processo acaba por ser mais caro que o “passe”. Têm eles
dificuldade em entender que a coerência não é coisa que se apregoe: pratica-se!
E eu entendo que não
devo deixar “rasto” junto das empresas de transporte. Por outras palavras,
entendo que não tem que ficar registado nos arquivos dessas empresas que eu fiz
determinada viagem, no dia tal, do ponto A para o ponto B. Que os “passes”,
porque nominais, permitem que estes registos existam e que, consequentemente,
possam ser usados para os fins que entenderem quem a eles tiver acesso. Não o
quero! Donde, e ainda que seja mais caro, não deixo rasto.
Que esta história
das tecnologias de comunicação e auto-estradas de informação te destas coisas:
alguém pode, a qualquer momento, estar a controlar ou registar o que fazemos.
Ou, se quiserem, a penetrar na nossa intimidade, mesmo que em espaço público.
Já quanto aos
espaços privados… Bem, fiquei sabendo que alguns programas de comunicação
instalados em algumas empresas para funcionamento interno, fazem o registo de
toda a actividade de cada um dos computadores. Os programas utilizados, os
acessos à internet e onde, as comunicações efectuadas… Mas sendo que esses
computadores de trabalho estão instalados numa rede interna, esse arquivo de
informação é arquivada fora dele e sem que o utilizador o saiba. Donde, a
privacidade aquando do uso dessas maquinas é nula!
Não sei se George
Orwell, quando escreveu o seu magnífico 1984, imaginou que se pudesse ir tão
longe. E eu acredito que este “The Big Brother is watching you!” ainda é
incipiente e que poderá vigiar-nos bem mais em detalhe.
Não o quero! E, no
que me for possível, evitarei cair nessas armadilhas.
E, para ti que
vigias o que aqui vou pondo, quero saibas que sei da tua existência e que nada
do que aqui leres ou vires foi colocado por acaso. E quero também que saibas
que tudo farei para que percas esse emprego!
E, já agora, sabes
qual dos teus colegas, nessa central de vigilância, vigia o que tu mesmo fazes?
By me
Ora batatas!
Ou bem que
escrevem “molhado”, ou bem que escrevem “mijado”! Agora assim…
Não estranha, com
estas e outras, que em muitos lados entendam terras Lusas como sendo terras de
Espanha!
By me
Impulsos
Vi a coisa na
montra de uma tabacaria. Uma daquelas de centro comercial que, para além de
tabaco, vendem jornais e revistas e que têm a montra e as prateleiras
interiores repletas de inutilidades. Objectos para que olhamos e que nos
perguntamos para que servem além de ser uma “prendinha” ou “lembrança”. Que,
recebidas com um sorriso meio amarelo, irão acabar numa gaveta ou caixa já que,
e como disse, são inutilidades.
Pois quando vi
aquilo a minha primeira reacção foi franzir o sobrolho. De seguida, entrar e
comprar a coisa, para usar numa fotografia. O terceiro impulso foi o de entrar
e comprar aquilo, bem como todos os outros iguais que lá houvessem, levá-los
para casa e destruí-los, para ter a certeza que ninguém lhes daria uso, mesmo
que inútil. Acabei por optar por nada fazer: nem comprar nem destruir.
Desta forma ficou
o desejo de que ninguém o compre e, ao mesmo tempo, quem o idealizou, produziu
e colocou no mercado não ganhe nem um cêntimo com isso. Talvez assim aprenda
que há coisas que não se pensam, que não se fabricam e cuja compra se não
incentiva. Que não passam de verdadeiros insultos ou ameaças à sanidade mental
de adultos e crianças.
De que falo?
Um pequeno objecto
de loiça, com uns cinco por dez centímetros, para colocar na vertical numa mesa
ou prateleira. Em relevo, os seguintes dizeres, com este aspecto:
“Amo-te hoje…
… e sempre que me
dás uma prenda.
Feliz dia da Mãe”
Tenho em casa um
martelo. Um pesado martelo de pedreiro. O melhor uso que lhe poderia dar não
seria na destruição de tais objectos mas antes repetidas e fortes pancadas no
alto da cabeça de quem tal absurdo concebeu!
By me
quinta-feira, 26 de abril de 2012
Em resposta
Esta é a minha
resposta ao Boss A C e ao seu delicioso tema “É sexta-feira”.
Foi feito a
correr, eu sei, mas em chegando a casa, não resisti e aqui fica.
By me
Preço justo
Gosto de iniciar o
dia bem-disposto, como depósito de bom-humor cheio e preparado para compensar
as chatices que o quotidiano nos impõe!
Para tal, faço
questão de me levantar com a antecedência necessária para fazer em casa coisas
que me dão prazer, bem antes de enfrentar as que me dão desprazer.
Uma das que me incomoda,
e que tenho vindo a ser obrigado a viver devido aos horários de trabalho que
tenho tido neste últimos tempos, é a rotina. Já dei comigo a apanhar o mesmo
comboio, vendo as mesmas pessoas a fazer o mesmo e, cúmulo da rotina, a irem
ocupar exactamente os mesmos bancos. Irra! Haverá quem se sinta confortável com
isso, mas eu não. De forma alguma.
Assim, hoje
levantei-me um pouco mais cedo, prazenteei-me à minha vontade e saí a tempo de
embarcar um comboio mais cedo. Nada de rotinas e com a vantagem de ter uns
minutos extra para usufruir do acordar da cidade, ou quase. Que é algo sempre
divertido de ver.
Assim, e já na
cidade, desci a meio da viagem de autocarro para tomar um café e um esticar de pernas.
Que nunca se sabe o que se pode fotografar.
Pois tiveram o
desplante de me apresentar este talão, e cobrar, por um café, tomado ao balcão
e que, ainda por cima, vinha com sabor a queimado.
Tive um ataque de
bílis, toda a minha reserva de bom-humor se esgotou logo ali e a minha vontade
foi apelar à ignorância e partir a loiça. Ou, pelo menos, largar uns impropérios
adequados à situação. Não o fiz!
Entendi que, a bem
da minha sanidade mental, haveria que retomar a boa-disposição, que o dia
estava ainda a começar.
Já na paragem de
autocarro que me haveria de levar até ao trabalho, parou um que não o meu. Que recebeu
os passageiros que ali aguardavam, fechou as portas e preparou-se para iniciar
a marcha.
É nesse momento
que vejo uma mocinha que corria de lá longe para o apanhar. Dei uns passos, fiz
sinal ao motorista, como se eu mesmo quisesse embarcar e encaminhei-me para a
porta. Com muita calma. A calma e o uso de tempo quanto bastou para que a mocinha
chegasse e subisse. Com tempo ainda para me dizer, bem ofegante, “Obrigada!”.
O sorriso com que
me brindou, bem como o do motorista que se apercebeu do meu estratagema, repuseram
os meus níveis anímicos como gosto: a boa-disposição bem mais alta que a bílis
ou raiva.
E acabei por
chegar à conclusão que o preço exorbitante que paguei por aquele café foi,
afinal justo: de brinde dois sorrisos. Fiquei a ganhar!
By me
Carta a um ex-aluno
Sem que verdadeiramente o tivesses notado, entre a boémia e
as lutas estudantis, voaram os cinco anos que te separavam do primeiro emprego.
Prolongaste habilmente a adolescência até onde te foi possível. Até hoje.
Subitamente descobres que se tornou inconveniente o protesto, arriscada a
crítica, imperdoável a irreverência. Há quem ache que crescer é isso.
Fica desde já decretado que usarás gravata. É natural: são cada vez mais as situações em que somos obrigados a exibi-la. Felizmente não são as mais agradáveis. Claro que terás licença de porte de jeans ao fim de semana, mas a gravata é o ritual iniciático com que marcarás a entrada na idade adulta.
Pensarás agora em fazer carreira. E a carreira é uma coisa que se faz subindo. Alguns sobem por ser do partido; outros apesar de não o terem. Distingue-os o facto de os primeiros serem muito mais numerosos e de a sua ascensão ser substancialmente mais fácil. Poderás manter as tuas convicções, mas deverás optar por um prudente lusco-fusco: a afirmação da diferença exigirá que sejas profissionalmente muito melhor para que te tolerem. Mais vale não arriscares: entre a fidelidade e a competência, o poder que temos opta sempre pela primeira.
Deverás, portanto, ser cauteloso. Antigamente em cada organização havia um pide e toda a gente sabia quem era. Agora é tudo mais leve, mais solto, mais terra-a-terra: o tipo que nos trama sorri-os da secretária ao lado. Ou então foi a outra, aquela que, ainda na faculdade, passou, de repente, a cumprimentar só com um beijinho, como, de imediato, passaram a fazer a cabeleireira dela, a manicure dela e a costureira dela. De qualquer modo, a denuncia foi feita na reunião do partido e já ninguém vai preso por subversão. Apenas nos comunicam que não fomos promovidos ou que o nosso contrato não foi renovado. Por razões estritamente técnicas.
Entre um slogan e um argumento, escolherás o primeiro: a argumentação, como se sabe, é sinal da mais confrangedora tibieza. Se te couberem em sorte alguns subordinados, assumirás o protagonismo nos bons momentos e deixar-lhe-ás o ónus dos momentos maus. Os subordinados foram feitos exactamente para isso. E se, mesmo assim, te vires em dificuldades, escolherás alguns deles, elogiá-los-ás publicamente de modo excessivo e demiti-los-ás logo que possas. Se os teus erros exigirem a exposição pública de um culpado, que, pelo menos, não sejas tu. Terás, clarão, que por de lado esse apego à solidariedade: vives sob um poder que tem o autoritarismo como gramática, o pragmatismo como prontuário, a hipocrisia como respiração.
Claro que a indignação nos prega partidas. Se um dia a náusea começar a estrebuchar, talvez seja prudente resistires. A coerência é um luxo que, muitas vezes, se paga caro. Umas boas férias ajudarão. Retemperado, poderás derramar sobre essa revolta a condescendência de um sorriso.
Mas, se mesmo assim, não te resignares à surdina do ressentimento, invocarás, como justificação, um excesso de juventude. Deverás ostentar nessa invocação o mais genuíno arrependimento. O poder adora arrependidos e concede-lhes sempre um perdão compadecido e o correspondente subsídio de instalação.
Mas se nada disto te bastar, se o cansaço te encalhar num monte de urtigas e a repulsa meter uma bala na câmara, talvez possas improvisar conselhos a um qualquer ex-aluno. Deverás destinar esta carta à mais secreta das tuas gavetas. Ou então resta-te assumir que és um caso perdido. Com a vertiginosa alegria de saberes que, apesar de tudo, a adolescência continua a cascatear-te baixinho por dentro.
Texto: by
José Valente, in Público, 1994
quarta-feira, 25 de abril de 2012
Sete e tal
Pouco faltava para
as 7.30 da manhã quando entrei num café do bairro, a meio caminho entre casa e
a estação de comboios. Um dos poucos cafés abertos a esta hora neste dia
feriado. Que a maioria dos clientes, ao contrário de mim e de mais uns quantos,
hoje não têm que se levantar cedo.
E isto é tão verdade
que, com a minha entrada, ficou equilibrado o número de pessoas dos dois lados
do balcão: três.
Achei graça a esta
singularidade e comecei a prestar atenção ao que ali acontecia e não acontecia:
que faziam aquelas duas senhoras e um homem, ali, sem clientes; o pouco que
havia no expositor do balcão no tocante a produtos frescos, quem eram os outros
dois clientes; que consumiam…
Estes pertenciam àquela
classe profissional para quem, como eu, não sabem o que são feriados ou a
garantia de dormir de noite todas as noites do ano: polícias.
Fardados e
equipados, perguntei-me se estariam em patrulha, já que não vira a respectiva
viatura parada por perto. Apesar de isso pouco significar, que sei haver inúmeros
carros da PSP parados por falta e verba para manutenção ou consumíveis.
Pagaram dez euros
e pouco pela despesa dos dois e saíram. O valor fez-me olhar com mais atenção
para a mesa de onde se levantaram: duas chávenas de café, dois pires que pareciam
ter contido sandes, um copo de galão e uma garrafa de cerveja. Sem copo.
E fiquei a pensar
que não me agrada que, pelas 7.30 da manhã, um agente da polícia de segurança pública
emborque uma cerveja. Estando de serviço, entenda-se. E, estando de serviço, não
me agrada que emborque uma cerveja, seja a que horas for.
Tornei a cruzar-me
com eles minutos depois. No atravessar a avenida, cedi a passagem a um carro
que a desci, e eles estavam lá dentro. O consumidor de cerveja ao volante.
Talvez que fosse o
fim do turno e que aquilo tivesse sido uma ceia tardia e merecida. Por uma
noite de trabalho, dentro de um carro patrulha ou fechados dentro de uma
esquadra, esperemos que sem nada que fazer. Mas a esquadra fica a mais de um
quilómetro e o carro era particular, o que me leva a deduzir que se tratava de
uma patrulha discreta ou uma rápida escapadela ao serviço. Até porque levavam
consigo o rádio da corporação.
Mas não me agrada
nem um nico que um agente das forças de segurança, fardado e armado, consuma álcool.
Não me sinto em segurança, tão pouco seguro quanto junto de qualquer outro
cidadão consumidor de álcool e armado.
Manias minhas, que
querem!
By me
terça-feira, 24 de abril de 2012
Sobre este dia
Sabemos que o
passado não se deve viver de novo. Diz-nos o bom senso e uma ou outra
experiência mal sucedida.
E assim deve ser
devido a uma quase impossibilidade factual como também às frustrações que, em
regra advêm, dessas tentativas.
Espero assim, que
aqueles que nesta data festejem o feriado, não o façam apenas por ser um dia de
não-trabalho e estar ameno na rua.
Que entendam que
não os factos mas o espírito pode e deve ser mantido vivo, à imagem e semelhança
do que foi vivido há 38 anos: Que o futuro está nas nossas mãos e que não
podemos nem devemos deixá-lo ao mero sabor dos acontecimentos ou da vontade de
uns poucos sobre todos os restantes.
Espero também que
aqueles que são mais novos e que festejam com a alegria própria da idade, seja
qual for a ideologia que perfilhem, o consigam fazer no futuro, que a geração
anterior, aparentemente, desistiu de tal.
E, citando Almada
Negreiros:
“Não sou
pessimista nem optimista! Entre mim e a vida não há mal-entendidos!”
By me
Eu (não) gostaria
Eu (não) gostaria
Eu não gostaria de
viver numa casa com um muro assim encimado!
Eu não gostaria de
viver numa zona em que as casas estivessem assim cercadas!
Eu não gostaria de
viver preso na minha própria casa!
Eu gostaria de
viver!
By me
Relvas
Se me disserem que
é uma questão meramente animal, não o contestarei. No fim de contas, sou
animal.
Mas o certo é que
me delicia o aroma da relva cortada de fresco, húmida mesmo.
Entranha-se-me
pelas narinas e abre-me apetites nem sei bem de quê. Não fora uma forte dose de
acanhamento, e creio que me rebolaria nela.
Há um outro cheiro
de relva corada rente que só conheço de sonhos. Não me importaria que fosse cortado
com uma gadanha, máquina automática ou mesmo a tiro, numa qualquer praça pública.
Não passando de um
sonho, ou até que aconteça, contento-me com esta relva, verdinha de encher a
alma.
By me
Sobre esta semana
No constante fazer
de imagens do quotidiano, as que são normais, regulares, habituais, vão-se
desvanecendo, como papel fotográfico mal fixado, restando delas contornos vagos
e imprecisos.
Do que recordo de
há 38 anos, para além da festa da revolução por si mesma (o fim da guerra, da
censura, da ditadura, da polícia política) ficam as imagens da festa do
quotidiano!
Cada dia era um
dia, razoavelmente imprevisível e em que as suas consequências dependiam, em
boa parte, do que fizéssemos. Não deixávamos o futuro em mãos alheias e intervínhamos,
a cada passo, nos que a nós dizia respeito e no que ao colectivo tocava.
Construíamos! Debatíamos!
Sonhávamos! Fazíamos!
É esse espírito de
construção permanente, de almejar mais e melhor e de fazermos por isso (sem esperarmos
que outros o fizessem por nós nem para eles passássemos as responsabilidades de
tal) que recordo com mais força. São fotografias perfeitamente impressas e
fixadas que jamais se desvanecerão. Apesar dos aspectos negativos (que os
houve) que aconteceram então e que ainda hoje marcam parte da nossa vida.
No espelho do
tempo vejo aquilo que agora faço porque aconteça: intervir na sociedade,
estando lá de corpo e alma, melhorando o que de menos bom vamos tendo e
celebrando o que de alegre e positivo existe.
Mas quando olho
para trás e para o lado, lamento sinceramente que esta atitude interventiva,
que então grassava, se tenha desvanecido, qual imagem velha e mal cuidada.
Quando, daqui por
38 anos, olharmos para as imagens deste tempo que vivemos, o que sobrará serão
imagens cinzentas ou amareladas, mal fixadas e amarfanhadas.
Por que nesta
sociedade, a alegria de ser passou a alegria de ter. E o consumismo dos tempos
que correm transforma de um dia para o outro a novidade em velharia, pouco
restando para recordar.
As fotografias que
então fizemos com a alma repassam no tempo. As que hoje vamos fazendo, porque
virtuais e efémeras, não sobreviverão à vertigem das novas novidades para
consumir!
By me
Trovas genealógicas
Trovas
genealógicas
"Minha avó
era uma pulga
minha mãe era um
sardão.
Sou neto dum corno
velho
(não há pulga sem
senão).
Refrão:
Nascemos
intempestivos
dum coito de
ideias tolas
estamos vivos
estamos vivos
fomos feitos em
ceroulas.
Arre lagarto lagarto
lagarta da geração
mais vale morrer
de parto
que nascer de
inspiração.
Refrão:
Nascemos
intempestivos
duma réstia de
cebolas
estamos vivos
estamos vivos
fomos feitos em
ceroulas.
De sete primos que
tinha
quatro são peixes
da horta
dois peixes da
ribeirinha
e um peixe de
retorta.
Peixe-espada
peixe-cama
avó pescada do
alto
titicaca citirama
paisagem de pó de
talco.
Refrão:
Nascemos
intempestivos
do rolo das
pianolas
estamos vivos
estamos vivos
fomos feitos em
ceroulas
Jesu jesu que não
posso
dar passada no
passado
sem que tropece no
osso
de algum avô
desusado.
Ossos que dançam o
tango
caveiras
valsificadas
orangonassaugotango
esgotado de almas
panadas.
Refrão:
Nascemos
intempestivos
do tango das
castanholas
estamos vivos estamos
vivos
fomos feitos em
ceroulas
Tíbias perónias
famílias
rotuladas
titulares
chi de burro chá
de tília
esqueletos
protocolares.
Sentimentos
sedimentos
sacramentos
sedativos
alimentos
excrementos
mas nunca
preservativos.
Refrão:
Nascemos intempestivos
duma união de
santolas
estamos vivos
estamos vivos
fomos feitos em
ceroulas.
Jesu jesu que
pecado
impedir a
criancinha
de passar um mau
bocado
quando sair da
bainha
Jesu jesu que
pecado
pôr o ovo na
sentina.
Final:
Nascemos
rebarbativos
dum coito de
ideias tolas
estamos vivos
estamos vivos
fomos feitos em
ceroulas.
Nascemos
intempestades
dum parto de
ideias falsas.
Somos homens na
verdade
assim o provam as
calças."
Poema de José
Carlos Ary dos Santos
segunda-feira, 23 de abril de 2012
Cinzentismo
Boa parte da
população portuguesa pouco sabe sobre o que se comemora na próxima quarta-feira.
Sabe que se trata
da revolução de Abril, que foi em 1974, que terminou com o regime ditatorial e
com a guerra e com a censura e com a polícia política e que permitiu pensar e
dizer… Mas sabe-o por ouvir contar a quem o viveu. Não tem culpa de tal, já que
seriam muito novos, se acaso fossem nascidos. Porque, afinal, 38 anos é uma
vida, mais que uma vida para muitos.
Mas aquilo que as
artes e as letras, bem como os historiadores e demais investigadores, não têm
contado é o espírito dos tempos que se lhe seguiram!
Com muitas
asneiras e erros pelo caminho, com faltas de alguns bens essenciais, com
aproveitamentos de toda a ordem e pressões não muito claras ainda hoje, a
verdade é que os cidadãos queriam construir o seu futuro. Com as suas mãos!
E no meio das
vicissitudes de então, havia uma alegria no ar, uma vontade de fazer, um
constante ouvir “Então e se fizéssemos isto? Bora lá!” e as mangas
arregaçavam-se e algo acontecia. E, apesar das dificuldades endócrinas e
exógenas, encontravam-se sorrisos e alegria a cada esquina. O entusiasmo era a
tónica dominante!
Hoje, quem quer
que se passeie em Portugal, vê semblantes carregados, olhares postos no chão,
cores escuras e uniformes. E os comportamentos centrados nas actividades e
vidas de cada um, ignorando ou fazendo por ignorar o que acontece fora do
circulo mais fechado das suas vivências. Poucos são os que dão de si e do seu
tempo para construir o amanhã da sociedade e, no lugar de se ouvir “Vamos
fazer!” ouvimos tão só “Eles têm que fazer!”
É um muro de
indiferença, é um alijar de responsabilidades, é um comprar resultados feitos.
E as culpas caiem sempre em cima dos outros, esquecendo-se cada um de cumprir a
parte que lhes cabe no colectivo que somos.
Porque se “O povo
é quem mais ordena!”, é também ele quem constrói! Quando não, continuaremos num
cinzentismo emparedado, numa mera antecipação da tumba que nos espera!
By me
Silêncio
A associação 25 de Abril, que integra os Capitães de Abril, sai pela primeira vez das comemorações oficiais da revolução.
Dizem os seus membros, num manifesto lido por Vasco Lourenço, “O poder político que actualmente governa Portugal configura um outro ciclo político que está contra o 25 de Abril, os seus ideais e os seus valores. Em conformidade, a Associação 25 de Abril anuncia que não participará nos actos oficiais nacionais evocativos do 38.º aniversário do 25 de Abril”
Por seu lado, Mário Soares que tinha aceite o convite para comparecer, deu o dito por não dito, argumentando: “Mas em solidariedade para com os militares, decidi não ir.”
Manuel Alegre também tomou posição idêntica, afirmando: “Não vou. A celebração sem aqueles que fizeram o 25 de Abril, para mim, não tem o mesmo significado. Quando se fez o 25 de Abril em 1974, eu estava no exílio. Se hoje se vive em liberdade em Portugal, a eles o devemos.”
Também Jorge Sampaio disse que não sabe ainda se comparecerá ou não, mas “Por motivos de agenda.”
Acredito que por uma questão de coerência, Aníbal Cavaco Silva comparecerá sem um cravo na lapela, como nos tem brindado nos últimos tempos.
Sem título
O texto da notícia
vem num site de uma estação de televisão e, creio, será propalada nos
noticiários da noite:
A Associação 25 de
Abril não vai participar em nenhum ato oficial programado para esta
quarta-feira, em sinal de protesto contra as medidas do Governo.
O anúncio foi
feito por Vasco Lourenço em conferência de imprensa, em que leu o manifesto
«Abril não desarma».
«A linha política
seguida pelo atual poder político deixou de refletir o regime democrático
herdeiro do 25 de abril e configurado na Constituição. O poder político que
atualmente governa configura outro ciclo político, que está contra o 25 de
abril nos seus ideais e valores», afirmou o capitão de abril.
«Neste momento
difícil para Portugal», os subscritores do manifesto deixam também um apelo «ao
povo português e a todas as suas expressões organizadas para que se mobilizem e
ajam, em unidade patriótica, para salvar Portugal, a liberdade, a democracia».
Vasco Lourenço
garante, no entanto, que a associação vai ficar por aqui nos protestos. «Longe
de nós qualquer apelo a uma intervenção militar, antes pelo contrário. Agora
também esperemos que não os utilizem [os militares] naquilo que não devem
utilizar», respondeu.
«As medidas e
sacrifícios impostos aos cidadãos portugueses ultrapassaram os limites do
suportável. Condições inaceitáveis de segurança e bem-estar social atingem a
dignidade da pessoa humana», prossegue o texto, que considera que «o rumo
político seguido protege os privilégios, agrava a pobreza e a exclusão social,
desvaloriza o trabalho».
Para os militares
de Abril, Portugal não tem uma «justiça capaz» e para os «dirigentes políticos»
a «ética é palavra vã», fazendo do país aquele que tem maiores desigualdades
sociais dentro da União Europeia.
A postura nacional
no seio da Europa e também no quadro da assistência financeira externa é outra
das críticas apontadas pela Associação 25 de Abril: «Portugal não tem sido
respeitado entre iguais, na construção institucional comum, a União Europeia.
Portugal é tratado com arrogância por poderes externos, o que os nossos
governantes aceitam sem protesto e com a autossatisfação dos subservientes. O
nosso estatuto real é hoje o de um protetorado, com dirigentes sem capacidade
autónoma de decisão nos nossos destinos».
O manifesto
esclarece que, porém, a associação «participará nas comemorações populares e
outro atos locais de celebração» da revolução de 1974, assim como «continuará a
evocar e a comemorar o 25 de Abril numa perspetiva de festa pela ação
libertadora e numa perspetiva de luta pela realização dos seus ideais, tendo em
consideração a autonomia de decisão e escolha dos cidadãos, nas suas múltiplas
expressões».
Esta é a primeira
vez que a associação não vai participar nas cerimónias.
By me
O puxador
Tenham lá paciência,
mas isto não é saudosismo.
Efectivamente,
tempos houve em que os fabricantes de objectos, fossem lá eles quais fossem,
faziam questão que fossem não só práticos e funcionais, como bonitos.
E se indústria
houve em que isto foi verdade, mas não o é mais, foi na automóvel.
Quem é capaz de
contestar que este puxador de porta de um carro, além de a abrir como se supõe,
é bonito? É bonito acima de qualquer argumentação!
Só para que
conste, abre a porta de um Alfa-Romeu Spider Mk II, de 1963.
Encontrado
pacatamente estacionado, como se não tratasse de uma peça rara e bonita, numa
rua de Lisboa. Que se diferencia de todos os demais ali estacionados porque têm
como característica comum… o serem completamente iguais entre si.
Sendo que nada ligo
aos automóveis, é quase uma sensaboria olhar os que hoje circulam, de tão
iguais que são. Mais risca, menos curva, são iguais. A ponto de quase se ter
que procurar onde está escrita a marca para que se o saiba.
Não compraria eu o
carro. Mas de boa vontade lhe ficaria com o puxador!
By me
Ainda por cumprir
As revoluções são
feitas e depois a vida segue o seu curso normal. É fácil.
O que é mesmo
difícil é fazer a revolução das mentalidades.
Há mais de dois
séculos, estas foram as palavras de ordem da revolução francesa.
Ainda hoje estão
por cumprir!
By me
domingo, 22 de abril de 2012
A religião e as "certezas" da informação
“Os Estados Unidos
da América não têm uma religião oficial, ao contrário da maioria dos países
ocidentais.”
Foi mais ou menos
assim o texto que a jornalista leu antes de apresentar uma reportagem sobre uma
campanha eleitoral nos EUA.
Esta afirmação até
que acaba por ter graça, já que no dinheiro oficial desse país consta “In god
we trust”, ou seja “em deus confiamos”.
Mas o que é mesmo
grave é o que está meio escondido nesta frase: Que a maioria dos países
ocidentais possuem uma religião oficial. Que isto não é verdade em geral e
muito menos no que respeita a Portugal!
Na altura dei um
salto na cadeira e apresentei o meu protesto junto de quem poderia ser
considerado responsável pela afirmação. Inútil!
Com a determinação
de quem entende estar certo à revelia de evidencias, foi-me afirmado que, ainda
que a constituição portuguesa afirme o contrário, que a relação com o Vaticano
seja apenas de acordos, tal como com outros países, e que a lei separe os
poderes políticos dos religiosos, visto que a maioria da população portuguesa
era católica isso tornava Portugal um país oficialmente católico e, portanto,
religioso.
Aquilo em que se
acredita é do foro íntimo de cada um e, no que toca a religião um pouco mais.
Mas daí a levar as crenças e convicções pessoais a verdades indesmentíveis e
universais e fazer passar isso num noticiário vai uma grande distância.
Não pode o
jornalista, seja qual for o cargo que ocupa, misturar factos com opiniões. Sob
pena de o conceito de isenção jornalística ser deitado às urtigas e de poder
ser acusado, quiçá com motivos para tal, de querer usar os órgãos de
comunicação social como forma de manipulação da opinião publica e de distorcer
a verdade dos factos em prol de interesses ou convicções privadas.
Foi uma das
conquistas da Revolução de Abril: a liberdade de imprensa e de informação. Mas
foi também uma das obrigações que dela adveio: a responsabilidade de cumprir a
ética jornalística.
Deixar que tempo
volte para trás e permitir que os media sejam veículadores de opiniões como se de
verdades se tratem, subversores dos factos e indutores das vontades de uns
quantos é algo que não podemos, enquanto cidadãos conscientes e participativos,
permitir que aconteça!
By me
Lutas de notas e acordes
Vale a pena ouvir
o que abaixo se referencia.
O primeiro link
leva-nos para o que se supõe ser a versão mais antiga de um tema musical russo,
intitulado “By the long road” em Inglês, cantado pela primeira vez em 1925.
O segundo link põe-nos
a ouvir a versão popularizada por Mary Hopkinn em 1968, intitulada “Those were
the days”.
É que não é só na
indústria e na política que há espionagem e aproveitamento à revelia dos
verdadeiros autores.
By me
A solitária
Talvez alguém,
algum dia, me explique porque é tão mais raro encontrar calçado abandonado
masculino que feminino.
By me
Os popós do/no lixo
Não posso afiançar
da veracidade do que me contaram. Mas foi mais ou menos assim:
Numa cidade dos
USA, grande ao que parece, os camiões de recolha de lixo têm viaturas de apoio.
Alguns outros, também camiões de carga, esperam por uma chamada para intervir.
Possuem grua incorporada, que termina em garra.
E, em estando os
contentores bloqueados por automóveis estacionados, vão lá, usam a garra sem
cerimónias para levantar o carro, colocam-no na caixa de carga e levam-no para
sucata.
O argumento,
repito que como mo contaram, é que um carro, estacionado onde não deve e junto
a contentores de lixo, foi ali colocado para ser levado. E eles levam-no.
Era bom que por cá
assim fizessem também. Evitava-se, deste modo, os coros de protesto das
potentes buzinas dos carros dos “Almeidas”, tarde na noite, a chamar pelos
donos dos popós assim estacionados e a impedir o merecido repouso de todos os
moradores das imediações.
Acrescente-se que
estou em crer que era negócio de pouca duração, que os extremosos proprietários
passariam a tomar cuidado com o local onde deixam as suas potentes máquinas. Até
porque muitos não as levam para dentro de casa apenas porque não cabe no
elevador.
By me
Sobre esta semana
Eram folhas de
papel encerado.
Com uma área útil
igual ao A4, possuíam ainda no topo um acréscimo de papel perfurado que servia
para prender no tambor rotativo do policopiador.
Os textos eram ali
colocados à máquina, sendo que cada erro tinha que ser tapado com um verniz
especial. Tanto um como outro eram roubados na secretaria da escola que os pais
de um de nós possuía.
Os tipos da
máquina de escrever portátil agrediam a cera na garagem, onde era suposto
estarmo-nos a divertir com as actividades normais para rapazes dos 15/17 anos.
Na altura eu ainda me ficava pelos 14.
Copiado que
estivesse o texto, era a vez do artista do grupo se chegar à frente para que,
com um estilete, rasgasse na cera os traços que resultariam nos desenhos
previamente criados. Originais ou apenas cópias de algum outro.
Com a folha feita
e religiosamente guardada entre cartolinas para que não se estragasse, subíamos
então para a secretaria. Como isto acontecia ao fim-de-semana, esta estava
vazia, o que nos dava tempo de, a coberto da música dos EP’s ou LP’s da
garagem, dar à manivela do stencil e imprimir duas ou três centenas de
panfletos.
Distribuíamos o
molho entre nós e cada um ficava encarregue de os colocar na sua escola ou
liceu.
Uma ocasião fui
apanhado, mas foi inconsequente.
E se não fossem
estes panfletos, seriam os do MAEESL (muitas siglas se usavam então e muitas
mais nos tempos que se lhe seguiram).
Deste movimento
ainda fui assistir a algumas reuniões, algures ali para os lados da Estrela,
sempre com sentinelas estrategicamente colocadas, não fossem as forças da
autoridade, fardadas ou à civil, irromperem.
Recordo em
particular algumas sebentas de textos para a disciplina de ciências que eles
editaram. O livro que tinha sido adoptado era particularmente caro, pelo que se
fizeram cópias e distribuíram pelos estudantes. Sempre com o risco de sermos
apanhados pelas autoridades. Porque nos tinham visto ou porque tínhamos sido
denunciados.
É curioso como, no
Liceu Padre António Vieira em Lisboa e ao contrário de outros, ninguém foi
incomodado com esta sebenta. Até a minha professora tinha uma…
Até que um dia, ao
chegar às aulas, nos disseram que não havia, que fossemos para casa, que tudo
estava a mudar, que era chegado o dia…
By me
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