domingo, 31 de julho de 2011
Tédio
Por vezes é assim: estamos tão entediados, mas tão entediados, que qualquer coisa serve para dele sair. De preferência, no meu caso, uma fotografia.
Mas quando o tédio é tal que nem ideias há, que nem assuntos há, que nem apetece sair da confortável cadeira onde nos deixamos consumir por ele, pelo tédio, bem…
Um qualquer objecto doméstico serve, duas penadas de luz, um fundo neutro e algum controlo sobre o que nele incide.
É assim, olhando com um pouco de atenção para os objectos banais que nos cercam, que se entende porque há gente que dedica o seu tempo e esforço a recolher peças soltas e com elas a criar aquilo a que se chama um “Museu de Design”.
Texto e imagem: by me
Relatividades
Foi um há uns três anos, talvez. Saí de casa a caminho de Lisboa, era fim do dia, não ia trabalhar, estava tranquilo.
Deixava a mente vagar, indo-se prender onde quer que os olhos ou os ouvidos chamavam, deixando que as palavras ou imagens se formassem cá dentro, antes de poderem passar ao papel ou CCD. Tranquilo quanto um malmequer.
Na estação constatei que tinham andado a limpar os escritos e a arrancar os papeis colados. Alguns tinham sido bocas inconsequentes, outras definiam territórios étnicos ou escolares, ou ainda alugueres de serviços ou consultas exotéricas. Que as intervenções murais, aqui no bairro, não têm regras fixas.
Suponho que a intervenção de limpeza então acontecida em Agosto, tenha sido um aproveitar das férias e do encerramento estival das escolas.
Em qualquer dos casos, dei por isso devido a uma nova inscrição. Datava desse dia, que o seu autor tinha feito questão de a datar, e afirmava publicamente o seu afecto do dia. Mas terá aproveitado a neovirgindade das paredes e portões e tinha tratado de colocar a mesma mensagem em tudo quanto era sítio e bem visível. Letra, tinta e mensagem iguais.
Achei graça e, qual perdigueiro de nariz no ar, segui as frases em busca de uma que mais que agradasse para fotografar, o que fiz. Entretanto chego ao cais de embarque, a composição esperada imobiliza-se e eu subo. Normal.
Já não tão normal foi, duas paragens depois, ter-me apercebido que, na minha caça, não tinha obliterado o bilhete para aquela viagem.
Incomodado com a situação, desci na estação seguinte, dizendo de mim para mim que teria que gastar 15 minutos até ao comboio seguinte. Matei-os com um café no largo da estação, com o esclarecer um casal de velhotes em como usar a máquina de venda de bilhetes e na compra do meu próprio título de transporte.
Em chegada a composição, embarquei normalmente até ao meu destino previsto.
Algumas questões se me põem.
Porque é que desci? Não foi por receio de uma eventual multa, ainda que seja pesada. Foi, realmente, porque entendi que não deveria viajar sem bilhete, sem pagar o usufruto do transporte.
Nesse caso, porquê comprar um bilhete naquela estação intermédia?
Deveria obliterar o que já possuía, pré-comprado, evitando o recurso a botões, filas, moedas e trocos.
Mas, na verdade, esta viagem para Lisboa, ficou-me mais barata em termos de bilhete do que se o tivesse obliterado. A diferença? Vinte cêntimos, salvo erro, bem menos que o que gastei num café não previsto e pago por lá. Mas, confesso, não resisti e não paguei a viagem por inteiro. Vergonha minha!
Será mais um passo no longo caminho já percorrido em direcção às profundezas do inferno, presumindo que este existe e que é profundo.
É que a honestidade é tão relativa!
Texto e imagem: by me
A bem do futuro
Contei eu aqui, não há muito tempo, uma curta piada sobre dois lápis, um com borrachinha, outro sem. Piada seca e velha.
Certo é que andava com vontade de a contar mas com a dificuldade de encontrar o que queria para a ilustrar: dois lápis iguais, um com e outro sem a dita borrachinha. Acabei por contar a estória recorrendo a outros exemplares, que já tinha desistido de os encontrar.
Pois agora, numa papelaria da velha guarda, ainda que meio adaptada aos novos tempos, os encontrei: estes. Aliás, encontrei lá outros objectos que procurava e a promessa que haveriam de receber outros ainda da minha lista, aquando do início do ano escolar.
No entanto, e a propósito destes mesmos lápis (e eu contei-lhes a estorieta) sempre me foram avisando:
“Vá-se prevenindo com lápis destes, que vão deixar de os fabricar.”
O meu espanto foi de molde a encher a loja, e acrescentaram:
“É que, dizem eles, as crianças roem a borrachinha e depois cortam-se no metal que a segura. A bem dos lábios das crianças de hoje, vão deixar de fabricar este perigo.” A ironia com que disse isto era equivalente ao meu espanto.
Concordámos os três – eu, comprador, elas as duas, vendedoras – que os adultos de hoje têm enormes e medonhas cicatrizes nos lábios devido a não termos estado protegidos, na nossa meninice, contra estes e outros perigos. Como o plástico ingerido das canetas roídas, por exemplo. Ficámos sem saber que outro material irão eles usar para o evitar.
Texto e imagem: by me
sábado, 30 de julho de 2011
BICs
Será todo o revivalismo do mundo e mais um par de botas.
Certo é que consegui encontrar aquilo que tem arredado da minha vista mas não da minha memória: as velhas canetas BIC Laranja.
As Cristal, ditas de escrita normal, nunca saíram do mercado, vendendo-se às mãos cheias, quase que como papo-secos, para efeitos de escritórios e escolares. Agora as Laranja, ditas de escrita fina, não as tenho visto.
Avisou-me um companheiro de trabalho que, lá para as bandas dele, num supermercado, as haveria à venda. Tenho-as procurado noutras lojas da mesma marca e coisa nenhuma. Ficou-lhe a encomenda feita.
Mas tropeço agora, numa papelaria das antigas, com elas à venda.
Entrei por via de cadernos cá à minha maneira, e não havia. Perguntei por mais duas ou três coisas, também daquelas que eu quero e não das que os fabricantes nos impingem, e também não havia.
Havia era a bela da caneta, que a funcionária foi buscar com um sorriso de “afinal sempre tenho algo que ele compra” estampado na cara.
Mas, mal lhe peguei, caramba: ou a memória me atraiçoa ou estou confrontado com uma legítima falsificação!
É que não me recordo, de forma alguma, de as velhas BIC Laranja terem a ponta azulada ou de qualquer outra cor que não fosse o laranja. Dou de barato a tampa estar furada na ponta. Suponho que razões técnicas existirão para tal. Agora a ponta azulada…
Pois se eu até era chamado, em tempos escolares, de “papelígrafo”, de tanto mascar pedacinhos de papel, rasgados das últimas páginas dos cadernos, para depois assim transformados em pasta húmida, os arremessar pelos tubos das BIC. E era coisa de três tempos: A tampinha pequena da outra ponta do tubo já não existia; com os dentes retirava-se a carga, punha-se o tubo à boca, “carregava-se” de munição, soprava-se pela zarabatana e, bem rápido para que não fosse identificado, a carga regressava ao tubo.
Dê as voltas que der à memória, não me recordo nem um pouco de a ponta ser azul.
Mais curioso ainda, as que agora se vendem têm tamanhos ligeiramente diferentes: as Cristal maiorzinhas um nico que as Laranja. E isso, desculpem lá, mas não era assim. Então eu iria lá esquecer de as ter todas do mesmo tamanho no copo da mesa onde estudava em casa. Ou no estojo que levava para a escola.
A BIC Laranja e a BIC Cristal estão aí, para quem queira recordar e brincar com elas. Agora que a Laranja já não é o que era, lá isso não. Ou a minha memória já não é o que era, o que também não é impossível.
Texto e imagem: by me
sexta-feira, 29 de julho de 2011
????
Vá-se lá saber porquê, cada vez mais me lembro da Lena D’Água e do seu tema bem velho “Demagogia, feita à maneira, é como queijo, numa ratoeira.”
Curiosamente, também não me larga a cabeça a sabedoria popular na frase: “Atrás de mim virá quem bom de mim fará!”
Porque raio isto não me larga, principalmente depois de assistir a um qualquer noticiário, escrito ou televisivo?
Curiosamente, também não me larga a cabeça a sabedoria popular na frase: “Atrás de mim virá quem bom de mim fará!”
Porque raio isto não me larga, principalmente depois de assistir a um qualquer noticiário, escrito ou televisivo?
Um conto por Jorge de Sena
Este é um conto breve. É mesmo brevíssimo. De resto, se não fosse breve, muitíssimo breve, correria o risco de não ser um conto. A obrigação principal dos contos, mais que dos homens, é conhecerem os seus limites.
Propondo-me escrever um conto breve, tão breve como este, é-me impossível dizer qualquer coisa de mim. A brevidade não permite essas expansões, quase sempre vaidade, em que sacrificamos uma narrativa a nós próprios. Ora, se há coisa que não goste de sacrificar, ainda que a mim próprio, é uma narrativa. Claro que narrar não é, como todos sabem, o suficiente para escrever um conto. Mas também não é, como todos reconhecerão, uma coisa absolutamente necessária: mais, se o conto é breve, brevíssimo, o lugar para a narrativa estreita-se de tal modo, que ela quase não cabe; e, se a forçássemos, ela, como a intromissão das nossas pessoas o faria, ampliava os limites - aqueles limites que é preciso conhecer - para além do razoável num conto breve.
Porque, reconheçamo-lo, a brevidade é tudo. A brevidade permite contenção, prudência, reticência, pudor. O pudor é essencialmente uma virtude breve.
Sem dúvida, porém, que as virtudes, mesmo breves, não são comportadas pela brevidade de um conto brevíssimo. Além de que é ponto assente e demonstrado que as virtudes são inteiramente alheias, como virtudes, à estética literária. E um conto breve é, acima de tudo, uma obra de arte, de arte literária, onde tudo se reduz ao efeito artístico.
Contudo, na brevidade de um conto é extremamente difícil, senão impossível, preparar um efeito. Se não queremos, e eu não quero, apenas contar uma anedota, os limites razoáveis não dão azo a tais preparativos. Estes, à semelhança da perda das virtudes, requerem preparação, embora a perda propriamente dita possa ser praticamente instantânea, quer seja sentida no momento em que se perde (a virtude), quer seja uma descoberta mais tardia, quando alguém descobre que lhe fazia falta alguma coisa («coisa» é um modo de dizer) que afinal perdera. Num conto breve é tão duvidoso caberem as virtudes, quanto é duvidoso que se percam.
Lembro-me que, uma vez, em Londres, eu procurava com os olhos, parado numa esquina, a estação de correio, que era por ali perto. Eu tinha-me informado, e era por ali perto. Então uma senhora de idade, com óculos de aro de aço e uma couve repolhuda esticando uma saca de malha, parou ao meu lado, voltou-se para mim, afastou os cabelos grisalhos e sujos que apareciam caídos do chapéu de feltro preto, sem forma mas pontudo, e perguntou-me onde era a estação de correio. Imediatamente o meu olhar, depois de ter fitado o casacão cinzento e os sapatos rasos com fivela grande, que eram o resto da imagem dela, percorreu os prédios - todos georgianos com janelas brancas nas paredes de outro branco - e viu a estação de correio. Apontei-lha, e a senhora agradeceu com efusão, e atravessou a rua. Quando ela atravessava, dei passos pelo passeio, e vi, numa montra que era uma janela, um chinês de porcelana, coberto de pó. E, repentinamente, voltei atrás, porque não tinha - verifiquei - nenhuma carta para deitar no correio (havia um marco de correio ao pé de mim) e não queria comprar selos (tinha selos no bolso).
Não posso esquecer a brevidade deste episódio, não por ser episódio, que o não é, nem sequer por eu saber ou não saber a razão de não poder esquecê-lo. Já pensei que isto se relaciona com o retrato de uma velha, que vi no jornal, não sei se no dia seguinte, assassinada numa estação de correio. Mas, se bem me lembro, a estação de correio era noutro bairro. É provável, todavia, que a razão (de eu saber ou não) resida apenas na brevidade, uma brevidade insignificante, insignificada, sem conteúdo algum, como o pudor, tão breve essencialmente.
Mas, reflectindo melhor, talvez que a brevidade não desculpe a ausência de atenção com que jamais aproveitei um acidente. A não ser que seja a hesitação natural (e já reflectida) em ver, neste acidente, um incidente. É uma diferença da maior importância para o conhecimento dos limites. E os limites, que é tão imperioso conhecer, eles só, e mais nada, nos autorizam as definições. Sem definições, a brevidade não existe, não se realiza, da mesma maneira que, com elas, não tem essência própria nem estrutura virtual. E um conto breve, brevíssimo, que seja a própria desistência de narrar (e narrar implica, reparemos, interpretar ou, pelo menos, escolher), e em que passemos incógnitos (embora não fora do tempo e do espaço), não sendo mais nada, será por certo a brevidade impreparada, a brevidade captada, a brevidade em si, tanto mais que, no caso presente, eu nunca mais tornei a ver aquela velha, mesmo que (a não ser que ela fosse a do retrato) outras vezes me tenha cruzado com ela na rua. Não muitas, nessa hipótese, porque parti pouco depois (exactamente pouco, não garanto que tenha sido) para a Bélgica. A brevidade, porém, isenta-nos de quaisquer perigos. Ora os perigos são, quase sempre, muito breves. Pelo que poderemos concordar em que este conto é brevíssimo.
By: Jorge de Sena, 1961
Imagem: by me
quinta-feira, 28 de julho de 2011
Relógios
O relógio grande, da direita, é um dos que se encontram numa estação de caminho-de-ferro bem concorrida da cidade de Lisboa.
O relógio da esquerda, o pequeno, é o meu relógio de pulso.
Tem este uns trinta anos, talvez, de marca Seiko e fabrico japonês. Comprado não digo a quem em condições que não digo como.
Certo é que este pequeno relógio de pulso nunca foi aberto desde que comprado e, desde essa data, tem o mesmo problema: adianta-se uns poucos de segundos por dia. De há uns trinta anos a esta parte que tem este problema. Sempre igual. É por isso que um vez por semana, por vezes mais amiúde, o acerto pelo relógio de lá, onde trabalho, que é aquele que impera nas coisas que tenho que fazer com horas certas. As demais… um pouquinho mais cedo, um pouquinho mais tarde, não é grave.
Pois hoje, em chegando à estação, vejo este grande indicando o que aqui se vê. À primeira não liguei, mas de seguida fui confirmar pelo meu. E não havia dúvidas: era o meu que estava certo, mais pedacinho, menos pedacinho, que o confirmei com outros.
Então porque raio terá a REFER na sua estação um relógio parado, indicando uma hora que não é aos passageiros que procuram saber se falta muito ou já terá passado a composição que têm que tomar?
Será que é para fazer pirraça àqueles que andam sempre atrasados? Será que é para que não nos preocupemos com o passar do tempo? Será para que não nos apercebamos dos atrasos regulares das composições que aqui circulam?
Em qualquer dos casos, mais valia taparem-no, que dessa forma nem nos daríamos ao trabalho de verificar qual deles estaria certo.
Mas valeu, certamente, por me ter obrigado a fazer este exercício fotográfico com uma câmara de bolso que quase nenhum controlo de exposição possui. Mas não há japonês inteligente, dentro de uma câmara fotográfica, que não possa ser enganado.
Já quanto ao japonês do meu relógio… fiel como poucos. Só que um nico apressado. Nada demais.
Texto e imagem: by me
Simulacros
E pronto! Esta é a”silly season” ou, se preferirem, a “época estúpida”.
A definição não é minha mas dada por jornalistas, que assim a definem porque poucos factos políticos acontecem. Uns estão de férias, outros a banhos e os terceiros estão a guardar munições, perdão, argumentos para a reentrée, algures em Setembro, com as festas e comícios do costume.
Assim, no verão sobram as estatísticas dos acidentes rodoviários, (mortos, feridos ligeiros e feridos graves) as estatísticas dos incêndios (hectares ardidos, homens, veículos e aeronaves, a que eles chamam de meios aéreos) e um ou outro assunto pouco importante, do ponto de vista dos jornalistas do sensacional.
Sobram as não-notícias, provocadas por alguns políticos, que fazem questão de fazer declarações e comparecer aqui e ali para que não caiam no esquecimento.
Claro está que alguns têm oportunidades raras e exclusivas.
O nosso presidente da República esteve num simulacro de salvamento com aeronaves e embarcações. As imagens são produzidas pela presidência da República, suponho, já que foram exactamente as mesmas que passaram em todos os canais televisivos.
Pergunto-me, no entanto, se isto será realmente relevante, a ponto de competir com a morte de Pop-Stars ou as reentrées de clubes de futebol.
É que, muito curiosamente, não ouvi ou li sobre o recente encerramento de uma importante editora livreira. Nem sei, através dos mesmos noticiários, qual é o rácio de nascimentos, apesar da concentração de meios hospitalares em Lisboa. Nem sei qual é o valor percentual nos orçamentos familiares dos tais aumentos dos transportes públicos, que seriam, em média, de 15%, mas cujas notícias nos mostram serem de média, superiores a 20%.
Em época de férias os jornalistas não arriscam e ficam-se pelo politicamente correcto. As desgraças do País bem longe, o provocar o apelo ao sentimento com as florestas ardidas ou a morte de alguém. E com os simulacros dos políticos, governantes ou não.
Mas, pensando bem, até que acabam por estar correctos, já que isto em que vivemos pouco mais é que um simulacro de país.
Texto: by me
Imagem: um simulacro numa estação de TV perto de si.
Sons na madrugada
Esta é a quarta opção.
Se preferirem, chamem-lhe a solução de recurso.
Tudo começa por um telemovel, que me põe um galo a cantar na mesa-de-cabeceira.
Segue-se-lhe um rádio despertador, que faz piii-piii-piii e não música, que dela gosto, estrategicamente colocado aos pés da cama. Tenho que me pôr de pé para o desligar.
O terceiro nível é um pequeno relógio de pilha, mesmo ao lado da minha orelha, e que agora está a necessitar de pilha nova, que já toca baixinho.
Por fim, este outro, na outra ponta do quarto.
Todos desfasados uns dez minutos uns dos outros.
Acredito que os meus vizinhos me agradecem encarecidamente por eu conseguir reagir logo ao galo cantante e sair de imediato da cama, desligando tudo quanto é coisa.
É que se fosse ao contrário, com eles a acordarem a esta hora, também eu os cumprimentaria com um rasgadíssimo sorriso de cada vez que com eles me cruzasse.
Texto e imagem: by me
quarta-feira, 27 de julho de 2011
Doces riscos
Se vos sentardes ao balcão de uma cervejaria e comerdes um excelente bitoque da casa, não digais ao mais que sorridente e bem disposto empregado que deixais ao seu critério a sobremesa, mas que preferis um doce e não fruta.
É que correis o risco de ser isto que ele vos trará, acompanhado com um sorriso radioso, enquanto que a outra mão esconde… um leite creme.
Texto e imagem: by me
O Galo
A Andorinha já cá está. E não, ainda aqui a não mostrei.
A Ferradura também já cá mora, e mostrei-a um destes dias.
Hoje chegou o Galo, que me há-de avisar de quando irei ter bom ou mau tempo, em concorrência directa com a meteorologia.
Comprado num quiosque “só para turistas”, num centro comercial hiper-cosmopolita, hoje um pouco pior com o jogo de bola por perto.
Poderia ter aproveitado e ter comprado uma bandeira ou galhardete de um clube desportivo, mas terei que esperar por melhores cores, desenhos e resultados.
Influências estéticas recentes? Claro que sim! Mas também, quem renegar que sofre ou sofreu influências, estéticas ou teóricas, mais vale deitar-se a um rio, que mais não é que um aldrabão de grande calibre.
Nota extra sobre o contexto sócio-espacio-temporal: quem mo vendeu tinha um sotaque cerrado de terras de Vera Cruz e ignorava por completo o que fosse ou mesmo a lenda do Galo de Barcelos.
Texto e imagem: by me
Acreditar
A existência do Homem, dizem os especialistas, divide-se em duas grandes épocas: pré-história e história. A fronteira, dizem ainda eles, é a invenção da escrita.
É um ponto fulcral, então e agora. Permitiu-lhes a transmissão do conhecimento de geração em geração sem a já clássica situação “Quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto!” E permite-nos saber hoje o que pensavam os antigos.
Ideográfica ou fonética, a escrita revolucionou e existência humana.
Milhares de anos passados, na Alemanha e atribuído a Gutemberg (há quem o conteste), mecanizou-se a escrita. Com um esforço limitado e em pouco tempo, passou a ser possível um número grande de cópias fiéis ao original que, irradiando da tipografia, poderiam espalhar-se pelo mundo.
As comunidades aproximaram-se no conhecimento e, devido à imprensa (mas não só), o acesso ao mundo das letras tornou-se quase universal. A taxa de analfabetismo tem vindo a reduzir gradualmente, em particular nos últimos 50 anos.
Mas, há cem anos, mais coisa menos coisa, um outro invento vital na civilização surgiu: a transmissão via rádio.
A possibilidade de transmitir ideias sem recorrer a um portador, e quase instantaneamente, encurtou as distâncias inter-comunitárias. As fronteiras físicas à passagem do pensamento foram derrubadas e a tecnologia foi simplificando os processos.
Mas a democratização do conhecimento, agora com as nóveis tecnologias de informação, tem um problema gravíssimo: a credibilidade.
Quando vejo uma pintura hieroglífica ou uma gravura cuneiforme, sei que quem as escreveu era um lente na sua época. Porque poucos sabiam ler ou escrever, quem o fazia tinha as certezas e as verdades da época e o cuidado de as deixar explícitas. Ainda que codificadas pelos mistérios e esoterismos que a religião pudesse impor.
Ao ler um livro impresso, identifico, sem grandes problemas, o autor, a tipografia e o editor, atribuindo-lhes a importância que entendo. Na poesia, na técnica, na filosofia. Gosto deste autor, exaspero-me com aqueloutro e, de uma forma ou outra, vou criando as minhas próprias referencias.
Com a transmissão à distância a coisa é mais complicada. Giro ou primo um botão no meio do aparelho receptor e tenho tudo quanto é emitido ao meu alcance. Na rádio, na TV, no telemóvel, no computador.
É todo um universo de ideias que se encontra, em boa parte anónimo. Posso aceitar esta ou aquela estação ou site, mas não conheço os intervenientes, os autores do que é emitido. E mesmo estes estão ao serviço de uma empresa ou empreendimento anónimo cujos objectivos ou ideologias me podem escapar.
Saberei eu avaliar a verdade ou a justeza do que ali é dito, me é dito? Poderei controlar o efeito que essa comunicação pode ter nos meus comportamentos e contra minha vontade?
Recentemente foi criada uma empresa transnacional na América latina para transmitir informação ao estilo da CNN. E à Al-Jazira. E ainda a outras, cada uma no seu universo cultural e geográfico.
A guerra electrónica de sobreposição de sinais (que já vem da guerra fria), vai acontecendo com o bloqueio de frequências e a informação contraditória.
O mesmo tema, tratado por estas três difusoras, tem abordagens tão diferente que não creio que alguma delas seja completa, verdadeira ou isenta.
Assim, quando por cá acedemos a uma estação de TV ou rádio, que vão beber nas agências internacionais o “néctar informativo”, mais não estamos que a ser moldados de acordo com os interesses não confessos de um ou vários grupos económico-politico-culturais.
E esta manipulação segue-se, dia após dia, noticiário após noticiário, segundo após segundo.
O inglês, o francês, o castelhano e o português já eu domino. Estou a pensar, muito seriamente, em ir aprender russo, chinês, árabe e indiano.
E, depois disso, continuar tão ou mais baralhado que antes sobre o que me cerca.
Afinal, em quem podemos ou devemos acreditar?
Você sabe?
Texto e imagem: by me
terça-feira, 26 de julho de 2011
Então e agora!
Este é o segundo compasso de desenho que tenho na vida. O primeiro obtive-o algures pouco depois de ter saído da escola primária.
Vinha ele numa caixa de madeira, pintada de preto por fora e forrada a feltro negro por dentro, com os encaixes para as diversas peças bem entalhados e à medida. Recordo-me, também, que o fecho da caixa se fazia através de um veio longitudinal, cuja carrapeta se puxava pela direita da caixa e que bloqueava um pequeno aro metálico.
Esse compasso acompanhou-me durante toda a minha vida liceal, incluindo a disciplina de geometria descritiva, em que obtive a estrondosa nota de 19 valores no exame final. Nunca repetia a proeza!
Quando mo entregaram, talvez que coma mesma solenidade com que me deram o meu primeiro relógio de pulso, no exame da 4ª classe, disseram-me que era uma peça cara, de muito rigor e que teria que o estimar bem. O que fiz, apesar de muito eu gostar de desmontar coisas e de lhes dar outros usos que nunca o fabricante haveria imaginado. E usei-o nas aulas assim como quando construía carros, camiões e carros blindados em cartolina para as batalhas de mesa, entretém que me acompanhou por bons anos.
Em acabado o liceu, levou outros rumos que já não recordo e perdi-lhe o rasto. Mas não o esqueço, nem ao nome da marca, gravada no aço da bifurcação do compasso: Kern.
Este, comprei-o hoje, pela graça que lhe achei, num supermercado. O preço? Quase quatro euros. Uma ridícula ninharia, comparado com o que deve ter custado o que tive, se fizermos o ajuste cambial, nível salarial de minha família e de custo de vida.
E duvido, muito sinceramente, que este durasse o mesmo nas mãos de um estudante nos dias de hoje. Pelo seu muito baixo custo e com a semelhança que a própria embalagem tem com a de um brinquedo. No meio de tudo o que hoje se transporta na sacola estudantil, e emparelhado com tecnologia electrónica de consumo, rapidamente a caixa se estragaria, as peças se perderiam e deixaria de ter utilidade. Para já não falar que a sua acessibilidade nos expositores das grandes superfícies lhe retiram por completo a solenidade e respeito por uma ferramenta de precisão.
Como nota final, sempre poderei dizer que só muito mais tarde me passou pelas mãos um apara-minas destes. Aquilo que sempre usei foi uma lixa para minas, por mim construída numa aula de trabalhos manuais, com madeira e lixa, que deixava o bico em bisel e não cónico. De grande rigor no traço e que obrigava a uma boa dose de disciplina, para que a grafite assim raspada se não espalhasse onde não devia.
Com o nível de rigor que hoje se pede aos estudantes, com compassos “made in china” e mais baratos que um maço de cigarros… O futuro nos dirá que colheita teremos do que agora vamos semeando.
Texto e imagem: by me
Complexidades
Como para qualquer coisa particularmente complexa, também para vida dava um geitaço haver um manual de instruções.
No entanto, dois problemas se levantam.
1 – O índice é escrito no dia do funeral;
2 – Não dava gozo nenhum descobrir tudo aquilo com que somos confrontados a cada dia que passa.
Fique o tal manual para aqueles que gostariam de levar uma vida programada e rotineira!
By me
Medo do escuro
O terreno que deu origem ao meu bairro não está todo edificado.
Felizmente!
Correspondendo a uma área de talvez 15% da Tapada original, tem apenas alguns arruamentos delineados por caminhos aplainados e batidos por maquinaria, mas não alcatroados. Há muitos anos que está assim. Entre eles, que definem quarteirões a construir, sobram terras avulsas, pejadas de ervas, algumas árvores, poucas, e bicharada variada, que vai de borboletas e mosquitos, a melros e pardais, passando por lagartixas e, eventualmente, outros repteis e morcegos. Dos pequenitos, mas já dei com eles. Sendo ainda que os terrenos já foram drenados, já por lá não encontramos nascentes e os respectivos charcos com batráquios, como foi em tempos.
Como a zona não está reservada contra a construção, mas tão só a falta de investimento impede o avanço do betão, não tem havido motivos para que arda, o que a tem poupado nos verões quentes.
Este baldio, que fica nas traseiras de minha casa, é bordejado por uma rua alcatroada, que facilita o acesso à minha, evitando as rotundas que entraram na moda nas urbanizações modernas.
Mas, não estando edificada, não possui as infra-estruturas habituais, como seja iluminação pública.
Uso esta rua como acesso pedonal ao supermercado da zona e quando regresso a casa de táxi, tarde na noite.
Um destes dias, melhor, uma destas noites, disse-me um motorista que isto deveria ser construído, já que assim metia medo. A qualquer momento poderia sair alguém do escuro para um assalto, quer fosse de carro, quer fosse apeado.
A minha resposta fê-lo rir o que restava dos 300 metros de rua ou estrada escura, cortada a meio por uma curva em cotovelo: “Bem, se estão à minha espera, bem podem passar frio!”
Em qualquer dos casos, o seu comentário é bem indicativo de como pensa o comum dos mortais: se o local é solitário, é de ter medo!
Por mim, admito, receio ou medo mesmo tenho-o no meio das pessoas, já que são elas quem, eventualmente, me poderão fazer mal. Agora sozinho, no meio da natureza e na ausência de seres humanos, a única coisa que nos poderá fazer mal seremos nós mesmos com os nossos receio atávicos ou com a incapacidade de ouvirmos o silêncio e a nós mesmos. E se ao bicho-homem citadino retirarem os ruídos das máquinas e os zumbidos das energias, retiram-lhe a base onde, supostamente, se apoia.
Espero, muito sinceramente, que a crise imobiliária se mantenha por algum tempo e que este terreno não seja abarbanhado por escavadoras e betão, permitindo-me, de quando em vez, ver abelhas, ouvir o vento e sentir a luz, bem aqui ao lado de casa.
Texto e imagem: by me
segunda-feira, 25 de julho de 2011
Sacando
Não tem muito que saber: quando se trata de sacar, alguns há que são campeões!
O governo impôs um aumento médio dos preços dos transportes públicos colectivos de uns odiosos quinze por cento.
A nossa bela CP, aquela que continuam a querer privatizar, vai aumentar o seu passe social em 25% na linha de Sintra, ficando os restantes bilhetes com os tais 15%. Isto de acordo com um jornal on-line de hoje.
Chama-se a isto ser mais papista que o papa ou, de outra forma, aproveitar medidas já de si draconianas, para sacar mais ainda a quem já pouco tem.
Porque, e não nos enganemos, a linha de Sintra não é conhecida por ser usada por gente endinheirada.
Começa a ser altura de pensarmos seriamente que até um saca-rolhas pode servir!
Texto e imagem: by me
domingo, 24 de julho de 2011
O meu tio
O meu tio Artur era uma figura impar.
A sua vida daria um belo romance de amor. Talvez um destes dias aqui volte a falar nele.
Tinha ele uma atitude extremamente positiva para com quem o cercava.
Quando o visitava, havia sempre uma caixa enooooorme de chocolates suíços, onde a minha dúvida era na escolha por entre aquelas fotografias de paisagens alpinas que nos deliciavam os olhos e a boca.
Possuía uma agenda bem grande, onde anotava os aniversários de todas as pessoas que conhecia, parentes ou não. Diariamente, antes de sair de casa, consultava-a, tomava notas e passava pelos correios afim de enviar aos aniversariantes um telegrama de parabéns. Mesmo que já não visse ou falasse com a pessoa há muitos anos.
Era meu tio-avô, pelo que, quando o conheci tinha já uma idade provecta.
Uma ocasião, era eu catraio miúdo, fui lá casa com minha mãe.
Ele estava bastante doente, já acamado. Quis a minha mãe fazer-lhe uma fotografia.
A dobra do lençol foi arranjada, assim como a almofada, a gola do pijama e os alvos cabelos.
Junto aos pés da cama, minha mãe levou a câmara à cara e enquadrou. No instante imediatamente antes do disparo, meu tio Artur levantou a mão direita e encenou um adeus, sorrindo. Que ficou na imagem latente e, mais tarde, positivado.
Foi a sua última fotografia. Faleceu no dia seguinte.
Aquele homem, com uma vida riquíssima de peripécias e amigos, sabia que estava a chegar ao fim desta sua viagem. E quis mandar uma mensagem de despedida para todos.
Através da magia da fotografia quis despedir-se sorrindo, mesmo que não viessem a ver o seu adeus.
Ainda hoje revejo na memória o fazer dessa imagem. Que não possuo, mas que foi uma das minhas chaves para este mundo maravilhoso da comunicação.
Obrigado tio Artur!
Texto e imagem: by me
sábado, 23 de julho de 2011
Fórmulas
“Bom dia!”, disse-lhe eu pela janela da carrinha, com o mais rasgado e luminoso sorriso. E em perfeita sintonia com o início de dia, não fora o vento fresco que se fazia sentir.
Ele, sentado ao volante e com o motor desligado, respondeu-me na mesma moeda e tom: “Bom dia!”
“Talvez me possa responder a uma questão.” prossegui. “Porque motivo, numa rua tão larga, com tão pouco trânsito e lugares disponíveis ali do outro lado, tem que estar a ocupar o lugar dos peões, estacionado em cima do passeio?”
Fez-se sério. Olhou em redor, pelos vidros e pelos retrovisores e voltou a sorrir para mim: “Tem razão!”
Continuando o meu caminho para o trabalho, que os comboios suburbanos não esperam por contestatários, ainda lhe disse: “Então veja se faz alguma coisa a esse respeito!”
Uns passos depois ouvi o motor a ser posto em marcha. Parei, rodei e fiquei a ver o que acontecia. Com um recuo e um avanço, o tipo com vinte e poucos anos colocou a carrinha na mesma posição relativa mas no asfalto, deixando o passeio livre. Travando-a, fez-me o velho sinal de “OK” com o polegar.
E eu, antes de retomar a minha própria marcha, que o tempo urgia e as emissões não param, atirei-lhe de volta o mesmo: gesto e sorriso.
Nestas coisas de viver e intervir na sociedade não há fórmulas feitas. Há apenas que saber “dançar de acordo com a música”, o que nem sempre é fácil ou intuitivo.
Mas é certinho, como o sol nascer amanhã, que um sorriso junto com o factor surpresa é aplicável com sucesso em mais de metade das situações.
Texto e imagem: by me
Prevenções
Com o agudizar das crises, é prática corrente o juntar munições para o que der e vier.
Felizmente que em Lisboa elas abundam, ainda que já só nas zonas velhas da cidade se encontrem as de grande calibre.
E você? Está preparado para o pior?
By me
O relógio
Alto está, alto mora, todos o vêem, ninguém o adora!
Esta era uma daquelas adivinhas de criança, principalmente do campo ou aldeia, em que a resposta era: O relógio da torre da igreja.
Claro que outros havia que igualmente estavam (estão) altos, mas o relógio da torre da igreja marcava o tempo, ao desafio com o sol e a barriga.
Pergunto-me quem, nos tempos que correm, olhará para este, rigorosamente certo, que encima uma estação de caminhos-de-ferro?
Que já ninguém para ela caminha, que se chega de táxi, de autocarro, de metro. Que todo o mundo e mais um par de botas usa pelo menos um relógio, quando não dois: no telemóvel e, acessoriamente, no pulso.
Na sua época, terá ele pedido meças no rigor a outros, de igreja, nas imediações, mais a poente ou mais a nascente, mesmo mais acima nas colinas.
Hoje alguém terá a incumbência de manter a sua rotação síncrona com a da Terra, mais por hábito que por utilidade.
Excepto para a memória e para alma!
Texto e imagem: by me
'Tou xim?... É p'ra mim!
Quem ainda se lembra desta fabulosa tirada de um excelente anúncio televisivo?
Poucos, provavelmente. E, no entanto, marcou o início de algo que veio mudar, radicalmente, as vidas dos portugueses, citadinos ou nem isso. Refiro-me à introdução nos hábitos quotidianos do uso dos telefones moveis, também conhecidos por telemóveis ou, minimalisticamente, por telelé.
E esta alteração de hábitos foi tão profunda, tão generalizada, que se tornou num “case study” de como um país, nem por isso muito desenvolvido, se tornou em pouco tempo um dos maiores consumidores “per capita”desta tecnologia. Ao que julgo saber, apenas ultrapassados por Israel, mas, aqui, por outros motivos, que se prendem com a sua história distante e com a sua história actual.
Em qualquer dos casos, era normal antes desta inovação, ver os telefones públicos ocupados nas horas de ponta, por vezes até com fila de espera, com gente por perto a pedir trocos. Aliás, uma inovação a que muitos aderiram no uso destes aparelhos públicos, foi o “credifone”, uma espécie de cartão de crédito, pré-pago, que obstava à falta de moedas e, ao mesmo tempo, acabava por aumentar o tempo que se estava à conversa, para gáudio e aumento de lucros dos então TLP, agora PT.
Mas o cúmulo do caricato foi o eu ter estado à espera, para conseguir fazer esta imagem sem gente em campo, que duas velhotas acabassem o telefonema que faziam aqui mesmo… a partir de um telemóvel. Velhos hábitos!
Texto e imagem: by me
sexta-feira, 22 de julho de 2011
quinta-feira, 21 de julho de 2011
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