segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Lá nos altos



Quando estou por casa, não me apetece fazer o almoço nem quero ir muito longe, recorro ao MacDonalds aqui do bairro.
Não que a comida seja grande coisa, que não o é sabemo-lo todos. Mas sempre tem uma esplanada que, se o tempo estiver de feição, sempre nos permite acender uma pirisca sem nos levantarmos. Manias de fumador…
Pois pus-me a caminho, com um livro no bolso do casacão, um caderno no outro e a câmara pendurada no ombro, como de costume. Levava ela uma objectiva comprada não há muito tempo. Uma Tamron 18-200. Uma daquelas que não recomendo porque não muito boa e com limitações. Mas que, em o sabendo e tirando partido do que permite, até faz o seu trabalho razoavelmente.
Pois a meio caminho dou com o que aqui se vê: uma ave de rapina nos céus. A óptica que levava não permitia grandes aventuras, e mesmo isto é o resultado de uma valente ampliação.
Mas sempre fica o registo, e para que se saiba, que neste dormitório nos arrabaldes de Lisboa, voltejam buteos (suponho que seja um).
Delicia mesmo foi ficar a vê-lo planar, por vezes imóvel porque contra o vento, ele como eu em busca do almoço.
Não sei se o terá encontrado, já que, mais tarde regressei para melhores fotografias (que não consegui) e ele por lá estava, partilhando os céus com gaivotas.
O que ele não soube, mas soube eu, foi que foi partilhado cá de baixo também. Ao ser visto equipado como fui, um bando de catraios e catarias, algures entre os 12 e os 15 anos, vieram ter comigo, tentando saber o que estava eu a fotografar nos céus. E lá estiveram eles a ver também, a olho nu ou p’la minha objectivas, os voos e os mergulhos deste nosso vizinho alado.
As nuvens cobriram o sol e a luz foi-se. Tal como eu p’ra casa, com a câmara cheia de troféus e alma repleta de satisfação.
Que bem mais que as fotografias ou o tê-lo visto lá em cima, foi o ter tido a oportunidade de, a troco de nada, mostrar um outro mundo àquela gente nova.
Foi uma tarde bem rica, a despeito dos hambúrgueres e coca-colas.

Texto e imagem: by me

Ao calhas



Escolho um livro ao calhas da estante. Sai-me na rifa o “A tirania da comunicação”, de Ignacio Ramonet, escrito em 1999.
Também ao calhas o abro e aponto com um dedo. Eis o parágrafo que a sorte me mostrou:


William Randolph Hearst, o magnata da imprensa Americana que serviu de modelo ao Citizen Kane de Orson Wells, costumava dizer aos seus jornalistas: “Nunca aceitem que a verdade vos prive de uma boa história.” Em muitas redacções – até nas mais “honestas” -, esta máxima parece voltar a estar na moda. Assim, em 7 de Junho de 1998, a CNN não hesitou em apresentar, de uma forma espectacular, uma reportagem realizada pelo sue jornalista mais famoso, Peter Harnett, em que se afirmava que durante uma operação contra os desertores no Laos, no início dos anos 70, o exército dos estados unidos tinha usado gás Sarin, um gás mortífero. Uma semana mais tarde, o semanário Time (que pertencia ao mesmo grupo mediático, o Time-Warner) retomava e desenvolvia a notícia. No entanto, esta viria a revelar-se falsa. Um relatório provou que Arnett e a sua equipa, tinha empolado todo o caso a partir de declarações ambíguas de dois veteranos parcialmente amnésicos. Como se, à partida, os jornalistas tivessem decidido para qual das versões ia a sua preferência, devido ao seu formato sensacional. Este comportamento testemunha a tendência actual para “inventar um argumento” para a realidade, para “encenar” a informação, e força-la a adaptar-se à encenação que os jornalistas têm em mente. “O que importa neste novo jornalismo – denuncia Juan Luís Cebrián, antigo director do El Pais -, é que a encenação funcione, e não que ela esteja de acordo com a verdade”.


Doze anos depois, se excluirmos datas, nomes e locais, está tudo na mesma, ou pior ainda!


Imagem: by me

Luvas



Aquela peça de vestuário que, se não tiver dedos, se chama mitene.
Luvas para o frio, luvas de boxe, luvas de cerimónia, trabalho ou desporto.
Dar luvas.
Todo o mundo conhece o termo “Dar luvas”. O que já não é tão conhecido é o motivo pelo qual se associa este termo a corrupção ou qual a origem da expressão.
Em tempos de antanho, as luvas eram uma peça reservada às mais altas classes sociais. Os comuns, vilãos ou servos tinham que conviver com o frio ou com a aspereza das tarefas que realizavam.
Mas a nobreza usava-as que não apenas para o frio. Para combate. Faziam parte das armaduras ou cotas de malha metálica com que enfrentavam os adversários, em campos de batalha ou liças de torneios.
Estas couraças metálicas eram fabricadas pelos ferreiros ou armeiros, a quem os nobres combatentes agradeciam a robustez dos seus artefactos, após os combates a que sobreviviam, com uma das luvas que tivessem usado. Eram troféus exibidos pelos artesãos para demonstrar as qualidades dos seus trabalhos.
Com o passar dos tempos, começaram a perder importância como tal, mas o agradecimento manteve-se, agora com umas moedas incluídas no seu interior.
Por muito bom que seja o ferro ou o aço, o ouro vale sempre mais.
Quando os tentáculos metálicos perderam a sua função bélica, com eles desapareceram os troféus. Mas manteve-se a tradição de pagar ou agradecer de uma forma dissimulada, os favores ou dívidas assumidas. De metal passaram a couro ou tecido, sempre com as moedas no seu interior.
Hoje esses pagamentos dissimulados não circulam dentro de luvas. Mas continuam a ser presentes valiosos, as mais das vezes não confessos nem públicos. Mas mantêm-se no campo dos contratos, bélicos, industriais, políticos ou outros, para garantir favores prestados, atenções dadas, opções tomadas, que, tal como os presentes, não são nem confessos nem públicos.

Confesso que cada vez mais tenho vontade de recuar no tempo e procurar as velhas luvas metálicas e bem sólidas. E delas fazer prenda, pela cara dentro, de muitos gabirus que por aí andam usufruindo do nosso esforço para encherem a sua própria barriga.


Imagem: by me

domingo, 30 de janeiro de 2011

Instruções



Este carro estava parado onde se vê: em cima de uma passadeira de peões, quase esparramado em cima dela.
Não gostei. Até por ser habitual, tanto aqui, em frente da estação de Benfica, como em frente à gare do Oriente. Deve ser uma questão de química: a ferrovia atrai a instrução automóvel.
Ao volante um rapaz quase que imberbe, que soprava, remexia-se no banco e esfregava as mãos, como se estivessem húmidas. Daria para apostar, dobrado contra singelo, em como se tratava de um instruendo numa das suas primeiras incursões no trânsito.
Estive vai-não-vai para lhe dizer das minhas acerca do local de estacionamento, Que a aprendizagem é logo desde o início. Mas o seu nervoso era tanto que metia dó. Preferi esperar pelo respectivo instrutor. Que seria, supunha eu, um dos três homens que conversavam a uns metros de distância. Quando um deles se aproximou do carro, indaguei-o a esse respeito. Era!
Nessa altura confrontei-o com o local de estacionamento, ao que recebi uma resposta esclarecedora:
“Isto a gente pára onde pode ser.”
Quase perdi as estribeiras mas, mantendo a compostura, perguntei-lhe se aquele era o exemplo a dar ao instruendo lá dentro sentado. A resposta foi ainda melhor:
“Oh pah! Agora não tenho tempo para isso!”
E, entrando no carro pela direita, ligou o motor, deu algumas instruções a quem aprendia, e seguiram à suas vidas.

Fala-se em prevenção rodoviária; em segurança rodoviária; mostram-se os números negros das estradas, nas épocas festivas e fora delas;…
Mas o que se pode esperar dos automobilistas se os exemplos que têm para seguir são deste calibre?
Seria bom que instrutores, formadores, monitores e professores tivessem plena consciência da importância que têm na sociedade, mesmo depois de terminado o curso que ministram!

Texto e imagem: by me

Leituras



Se photographia é a “escrita da luz”, o que aqui está são duas páginas em branco!

By me

A banhada

 A Banhada by datreta

O tijolo



O velho tijolo transportava-se em cima do ombro, usava uma catrefa de pilhas e tinha potência suficiente para chatear o bichinho do ouvido de qualquer um num raio de 20 metros, bem medidos.
O tijolo contemporâneo transporta-se pendurado do ombro ou na curva do braço, usa duas pilhas AAA, recarregáveis e ainda permite levar o “nécessair”, o telemóvel, o tabaco, as chaves e o resto da cangalhada. E a dois ou três metros, já ninguém dá por ele.
E, já me esquecia: este é analfabeto, não lê cassetes.

Texto e imagem: by me

sábado, 29 de janeiro de 2011

Obrigado



O que é um pequeno nada que chateia? São vários e acredito que cada um terá os seus de estimação.
Não penso que quem os pratica o faça por mal. Seria impensável que tanta gente por esse mundo fora se desse ao trabalho de tanta coisa fazer só para chatear a pessoa do lado, em regra um ilustre desconhecido.
A prática destes pequenos nada apenas demonstra como tanta gente se preocupa tão pouco com todos os outros fora do seu minúsculo mundo.

Um exemplo:
Caminhando numa rua, ao ar livre ou numa pseudo rua de um centro comercial, vai um grupo de amigos. Digamos que uns quatro ou cinco, para não o fazer muito grande, e que podem ter algures entre os quinze e os sessenta e cinco anos.
Pois é certo e sabido que, se estiverem bem-dispostos e à conversa, ocuparão toda a largura do passeio ou rua. Também é garantido que, nuns 80% dos casos, se se cruzarem com alguém em sentido oposto não se desviarão, ficando na expectativa se o outro sairá da frente. A menos que esse outro estaque em frente do grupo e aguarde uma aberta, e nem sempre com a melhor das expressões.
Outro exemplo:
Numa cantina ou restaurante de self-service, os tabuleiros depois de usados são colocados em carrinhos a isso destinados. Com calhas para receberem dois tabuleiros cada uma. Pois é certo e sabido que, nuns 80% dos casos, os tabuleiros são deixados logo à entrada das calhas, ficando a bloquear o acesso de quem queira nela deixar o seu, a menos que o empurre. Mas como para tal haverá que libertar uma das mãos que segura o tabuleiro, acaba por ser uma tarefa ingrata e de pontaria.
Como estes dois, muitos outros pequenos nada se podem encontra ao longo de um só dia, que demonstram o quanto cada um ignora ou menospreza o seu semelhante.
Quando acontece ser confrontado com um desses pequenos nada, as mais das vezes limito-me a constatá-lo e ao desagrado que sinto. Mas nem sempre!
Não partindo para a violência, física ou verbal, atiro para o ar um sonoro “Obrigado!”. Que a alternativa seria uma palavra feia, que não digo e aqui não me atrevo a escrever.
Metade dos visados não ouve, finge que não ouve ou nem percebe que é consigo;
Dos restantes, quatro quintos olham para trás, com ar desconcertado, e seguem a sua vida como se entendessem que seria uma afronta emendar a mão;
Sobra um número diminuto de gente que se apercebe da situação, seja ela qual for, pede desculpa e tenta corrigir o incómodo provocado, se tal for possível.
Para esses, sobra o meu sorriso e deles recebo um sorriso de volta.
E o mundo continua a girar, sorridentemente, já que não passou de um pequeno nada.


Texto e imagem: by me

Como um camelo



Eu sei que há gente que não entende esta estratégia. E que há mais gente ainda que, entendendo-a, é incapaz de a por em prática.
Mas também é verdade que não pretendo que os demais sigam os meus passos. O mais que quero é que conheçam tantos caminhos quantos os possíveis e que, deles todos, criem o seu próprio. Que do meu conheço eu os espinhos e não o recomendo

Levanto-me eu da cama com, pelo menos, duas horas de antecedência ao que seria normal e estritamente necessário para sair de casa.
Essas duas horas uso-as eu para fazer coisas de que gosto, coisas que me dão prazer e satisfação, coisas que me põem a sorrir e de bem com a vida e comigo mesmo.
Assim, quando saio para a rua, e tal como um camelo ao iniciar uma longa jornada no deserto, levo uma boa reserva de boa-disposição, preparado para as provações que nos esperam no dia-a-dia: filas, impostos, políticos, preços, oportunistas e mal-educados…
Estes pequenos nadas, cada um deles bem grande quando acontece, vão gastando essa minha reserva de bom humor. E se tudo correr normalmente, em chegando ao fim do dia essa minha reserva consegue ser ainda maior que o acumular de incómodos e desagrados somados na jornada.
Isto ao invés da maioria das pessoas, que saem para a rua com os depósitos a zero, vão somando os aspectos negativos da vida ao longo do dia e em lhe chegando ao final têm que procurar compensações que o mau depósito está cheio.
Esta estratégia, que descobri ou inventei a duras penas, permite-me ir tomar o cafezinho matinal ou chegar ao trabalho com um sorriso de orelha a orelha, senão visível mesmo, pelo menos na alma.
E haverá melhor que enfrentar a vida sorrindo?

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sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Gota a gota



Foi você que usou a frase “Iguais como duas gotas de água”?

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Suburbanidades



Nem uma brisa. O céu, ainda que plúmbeo, mostra umas pequeninas abertas bordejadas de um branco apetitoso.
Na rua, e ao invés do habitual, nem um carro se movimenta.
Fechando os olhos, vejo com os ouvidos:
Um monomotor volteja longe, lá em cima, talvez que em instrução; Os garotos, na escolinha, estão no recreio; Os passos daquela senhora e da sua filha, que outrora conheci menina e bebé, afastam-se, que irão passar o fim-de-semana juntas; Os pássaros mostram-se satisfeitos por, ainda que sendo Janeiro, o frio não apertar; O que de mais forte oiço é o metálico click do meu Zippo a acender uma pirisca. E quase que sinto o esforço desta roupa a tentar secar.
Depois…
Depois passa o autocarro, que esparrinha água em redor. Na outra rua, alguém protesta sonoramente, por o seu carro ter ficado entalado. A vizinha, que vem passear os seus canitos, dá-me a saudação e já nem estranha que eu aponte para o cimo de um prédio.
Por vezes sabe bem morar num dormitório suburbano.

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Mensagem



Bem explícita!

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E se tiver que ser à bruta...



Não sou conhecido por ter bom feitio.
Mas se me tentam burlar ou se me tentam forçar a consumir aquilo que não quero, aí dou realmente jus à fama que tenho!
Ser obrigado a viajar num táxi levando em frente ao nariz um ecrã publicitário que não se desliga, não!
Não só não quero consumir aqueles conteúdos como estou farto de olhar para ecrãs televisivos durante todo o dia de trabalho.
Ouviu o motorista aquilo que não gostou; ouviu a operadora da central de táxis aquilo que não queria, ouvirá o coordenador dessa mesma central amanhã aquilo que não estará à espera e lerá o Instituto do Consumidor a queixa formal que irei apresentar!
Que, enquanto consumidor, recuso-me a que me impinjam aquilo que não quero!

Texto e imagem: by me

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Faz sentido



“Candidatos vão receber subvenções mais cedo, após alterações à lei
Os candidatos presidenciais vão poder receber a subvenção pública mais rápido do que nas anteriores eleições, já que a Assembleia da República terá que avançar com metade dos montantes previstos até 15 dias após o pedido.
Assim que forem publicados os resultados oficiais das eleições de 23 de janeiro, os mandatários financeiros das candidaturas poderão pedir o adiantamento de 50 por cento do valor estimado para a subvenção, que terá que ser entregue "no prazo máximo de 15 dias" a contar da solicitação.
Os restantes 50 por cento terão que ser pagos no prazo máximo de 60 dias, havendo lugar ao pagamento de juros de mora caso este prazo não seja respeitado, segundo as alterações à lei do financiamento, aprovadas em novembro passado.”
Texto retirado de um site noticioso português.

Faz sentido!
Se é o que está na lei, cumpra-se ou apague-se a lei.
O que já não faz sentido é ter ouvido a recepcionista de um consultório médico e de exames específicos dizer-me que está sem receber salário desde o inicio de Dezembro e que o colega dela tem dois meses em atraso também, por que as instituições públicas (leia-se ADSE e ARS) não pagam.
Segundo ela, o último pagamento recebido foi há meses e referente a 2009. O ano de 2010 está todo por pagar.
Sendo que este local de exames altamente especializados trabalha essencialmente com organismos públicos, e que alguns exames são integralmente comparticipados, dias há em que não recebem um cêntimo que seja em dinheiro vivo.

Cobrar impostos e roubar parte de salários é fácil: basta mandar; Pagar célere e diligentemente a políticos e partidos, convém; Agora o Estado pagar as suas dívidas a quem trabalha para a comunidade, isso já é bem mais difícil.

Por mero acaso, lembra-se onde fez as últimas cruzinhas em boletins de voto?

Texto e imagem: by me

Hoje Lisboa estava assim



By me

Raridade



É tão raro, mas tão raro mesmo, que até me atrapalhei!
Mas depois de uns bons cinco minutos de perseguição nas ruas de Lisboa, com umas frases ditas à distância, lá consegui que parasse e me ouvisse.
O seu Francês, e por incrível que possa parecer, era pior que o meu, mas a única língua que partilhávamos.
E depois de lhe explicar meio atabalhoadamente o que queria, lá deixou ela, sempre com ar desconfiado. O que eu entendo perfeitamente.
Mas eu não podia deixar escapar a oportunidade. De registar a raridade de encontrar alguém, em Lisboa, a fotografar com uma câmara Pentax!

Texto e imagem: by me

Os céus e os infernos



Não sei o que deuses e demónios têm andado a inventar. Mas, por vezes, portam-se bem!
Era domingo. O sol tinha dado por findo o dia de trabalho, e a electricidade fazia-lhe as vezes. E, por ser o dia que era e a hora que era, os autocarros escasseavam.
Este em que seguia tinha parado anormalmente a meio da avenida. E, em querendo abandonar a paragem, logo se imobilizou uns dez metros à frente, num semáforo. Que, em ficando verde, logo provocou o som característico do destravar do veículo.
Entenda-se que tudo isto, porque corriqueiro, nos passa ao lado, que são sons e luzes e movimentos a que já nem prestamos atenção. Mas desta feita…
Andou talvez um metro o autocarro. E logo se imobilizou, com alguma suavidade, que ainda não tinha ganho balanço. Para surpresa nossa, ou pelo menos para surpresa de quem prestou atenção, a porta da frente abriu-se, obediente ao comando do motorista.
E por ela entrou uma senhora. O seu tom de pele e o seu tom de voz bem que denotavam a sua origem africana. O tom do seu cabelo, que rivalizava com o meu, indicava a idade avançada que tinha, acentuada pela dificuldade em andar. Que em nada era facilitado pelo peso dos dois sacos de serapilheira que transportava.
Pois a senhora subiu o degrau do autocarro, deu dois passos e encostou-se a um dos varões metálicos, logo ali na entrada. E com a voz meio comida e atrapalhada pelo arfar da corrida, proferiu tão alto quanto pôde, que todos a ouvimos:
“Obrigada! Que Deus o abençoe e guarde!”
Ganhou ela fôlego e deu mais dois ou três passos para um banco vazio, onde se sentou.
Aí, e só aí, se ouviu o silvo do fechar a porta, o ruído do destravar o carro e se sentiu o retomar a marcha.
Não sei se deuses e demónios têm céus e infernos diferenciados por profissões. Sei que o purgatório é, certamente para motoristas, a hora de ponta citadina ao volante.
Mas se houver um paraíso para maquinistas, guarda-freios e motoristas de autocarro, este acabara de ganhar um lugar. Garantido!


Texto e imagem: by me

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Funeral



Não parece. Eu sei que não parece! Mas o que aqui se vê é um funeral.
Os cangalheiros são funcionários da autarquia, as carretas também pertencem à câmara municipal e o morto…
Bem, o morto é transportado em pedaços.
O destino, no lugar de um cemitério convencional, com campas, placas de eterna saudade e flores, nem sempre viçosas, será um qualquer armazém onde, identificadas e separadas as peças do defunto, ficarão elas à espera de uma ressurreição.
Fora de brincadeiras (ou talvez não), o que aqui está a acontecer é o retirar das placas de madeira colocadas atempadamente para servirem de suporte aos cartazes da campanha eleitoral.
Quatro placas, de bom tamanho, mas que dificilmente comportariam cartazes de todos os candidatos. Problema que não se levantou, ao que julgo saber, já que apenas uma das candidaturas ali afixou o que queria mostrar. Aliás, colocou dois cartazes, lado a lado mas que triste figura fizeram, na solidão da enormidade das madeiras e na distância a que se encontravam dos pedestres que ali passassem, a caminho ou de regresso do trabalho.
Foi este equipamento cívico levantado no dia seguinte ao que serviu (e assim estava previsto) para repetir o acto eleitoral.
Triste mesmo é que o defunto já estava em condição de morto bem antes da ida às urnas. A falta de vontade no uso do direito de voto fez com que, mais que serem úteis, estes placards não passassem de desperdício. Que estarem lá ou não seria bem o mesmo.
Fica-me o desejo que na sua ressurreição, este ano ainda ou no próximo, os meus concidadãos entendam que o voto, mais que eleger uns quantos sobre quem possam recair suspeitas não muito lisonjeiras, estão os eleitores a decidir sobre as suas próprias vidas:
No fazer das leis, no definir e cobrar impostos, no impedir, no autorizar, no impor o nosso quotidiano.
E quando são os outros que decidem por nós, a carreta é preta, os cangalheiros não usam colectes reflectores e a relva só cresce depois de tapada a cova. A nossa cova!

Texto e imagem: by me

Aberrações



Mesmo vista através de um jarro de água pura e cristalina, a vida é cheia de distorções e aberrações.
Ou, se calhar, somos nós que assim o interpretamos.
Seja como for, há que a aproveitar e dela tirar o melhor partido! Mesmo que nem sempre corresponda aos nossos desejos e mais secretos anseios!

Texto e imagem: by me

Nem elas!



A memória, por vezes, prega-nos partidas indecentes!
Então não é que me esqueci por completo do nome do autor do livro de geografia por onde estudei quando andava no liceu! Aquele mesmo livro onde esse senhor (seria senhora?) escreveu – e eu aprendi - que Portugal tem um clima temperado mediterrânico.
Imperdoável, este meu esquecimento!
É que eu queria ter uma conversinha de pé d’orelha com ele ou ela.
À uma, por que o Mediterrâneo até que nem fica mesmo aqui ao pé. Enfim, não é muito longe, mas sempre fica para lá de Gibraltar que, como se sabe, é um enclave Britânico em solo Espanhol. Nada tem a ver com terras Lusas.
Depois, que ele ou ela têm que rever o conceito de temperado, ou correm o risco de exagerarem também nos temperos de sal e arruinarem a saúde.
É que se isto é “temperado”, vou ali e venho já!
Nem elas gostam!...

Texto e imagem: by me

De La Palisse



Se no lugar de frio (muito) estivesse de chuva, este nunca estaria assim abandonado.

By me

Das duas uma:



Nos últimos tempos tenho visto bem menos objectos nas linhas de caminho-de-ferro que o habitual.
Sendo certo que o povinho não está mais cívico nos seus gestos e que a REFER não investiu mais verbas na manutenção e limpeza das linhas, restam duas alternativas:
- O frio não permite sequer tirar as mãos dos bolsos, quanto mais arremessar o que quer que seja para cima das chulipas;
- A crise está de tal forma que já nada se deita fora e tudo se aproveita.

Texto e imagem: by me

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Não se ensina: aprende-se!



Estava eu de passeio aqui no bairro com o meu sobrinho mais novo, que na altura frequentava o primeiro ciclo.
A dado passo pergunta-me ele porque agradecia eu, com um aceno ao chapéu, quando os automobilistas nos davam passagem nas passadeiras de peões.
E lá lhe expliquei que, apesar de termos prioridade, um sorriso e um agradecimento ficam sempre bem, provoca um sorriso em quem conduz e aumenta-lhe a vontade de continuar a dar passagem nas passadeiras.
Não pensei mais na conversa até que algum tempo depois, semanas suponho, em novo passeio o vejo a fazer o mesmo, do alto do seu pouco mais que um metro.
Tocou-me! Tocou-me que o petiz se lembrasse da conversa aquele tempo todo depois e que decidisse seguir o exemplo. E, passados que são uns anos sobre a história, não sei se ainda o repete, mas espero sinceramente que sim. Tenho que o confirmar.
O que acaba por ter graça e ser importante no aprender não é o que aprendemos mas, antes sim, o como aprendemos!
Tendo já passado o meio século de vida tenho, naturalmente, gestos, hábitos, vícios, tão arreigados que nem por eles dou no quotidiano. Nem todos serão os mais edificantes certamente e eu sei-o. Mas, ao fazê-los, nem de tal me lembro.
Pois um destes dias, caminhava eu com alguém quando sou surpreendido por um gesto seu. Feito com tanta naturalidade que mostrava bem que nele não estava a pensar. Mas tão diametralmente oposto à minha atitude nas mesma circunstâncias que me senti envergonhado. Não sei se terei corado, mas envergonhado até ao âmago fiquei!
Sobre o assunto não dissemos palavra. Nem então nem mais tarde. Nem sequer sei se quem comigo estava se terá apercebido da coisa.
Mas certo é que, de então para cá, de cada vez que vou para repetir este meu gesto velhíssimo, me recordo daquela lição, paro-me e corrijo-me.
No dia em que não se aprenda alguma coisa, mais vale nem sequer sair da cama!

E se querem saber que fazia eu e que deixei de fazer, bem podem tirar o cavalinho da chuva e deitarem-se a adivinhar: tenho por demais vergonha para o contar!


Texto e imagem: by me

Ir na onda




Nada como aproveitar as oportunidades: mesmo em frente a uma assembleia de voto, ontem.

By me

Foi você...



… que disse que de Inverno não há coisas bonitas nos jardins?
Desengane-se!

By me

Dai-me paciência

Pior que o resultado deste domingo é ter que levar todo o santo dia de hoje com o rescaldo, as análises, os comentários, as opiniões de politólogos e afins.

domingo, 23 de janeiro de 2011

O que resta

Linhas



O caminho de ferro não é sempre composto de linhas rectas paralelas.
A vida também não!

By me

Flores de Inverno



Não importa que seja inverno!
Não importa que esteja muito frio!
Não importa que o céu estivesse bem encoberto!
Não importa o resultado das eleições, já que homens há que passam à História que não pelos melhores motivos!
Quando vemos coisas bonitas paramos, admiramos e cobiçamos. No Jardim da Estrela, no bairro em que moramos ou nos antípodas.

Texto e imagem: by me

Secção de voto



Tive um colega que, para além de ser meu vizinho na freguesia, era igualmente vogal na respectiva junta.
Uma noite, dava-me ele boleia depois do trabalho, e questionei-o sobre o para onde enviar uma proposta de construção de um caramanchão num largo lá da zona, a fim de os velhotes reformados ali pudessem estar mais um pedaço, mesmo com a humidade normal do fim do dia.
A resposta deixou-me aterrado:
“Mas, oh JC: não vale a pena. Os velhos não votam!”
Para além de ficar furioso com esta opinião de um autarca eleito, fiquei bem triste com o desconhecimento que ele tinha (e suponho que muitos terão) sobre o que é acto eleitoral e o que ele significa para muitos.
É que os idosos, e corrija-me quem mais souber do assunto, são os que menos se abstêm. Desde que possam deslocar-se à mesa de voto, comparecem, por vezes com visível dificuldade. E, para que se tirem teimas, esteja-se um pedaço junto a uma secção de voto e faça-se uma estatística, mesmo que mental.
Tenho para mim dois motivos para tal, qual deles de maior peso:
Por um lado, um idoso, já reformado, ao votar e ao ser assinalado no respectivo caderno eleitoral que ali esteve está, de alguma forma, a afirmar que ainda está vivo e que ainda é útil. É uma espécie de grito ao mundo em que se proclama bem alto que ainda cá se está e que ainda podem contar com ele/a.
Mas, por outro lado, grande parte desses idosos passaram parte da suas vidas a não poderem votar ou, em podendo, a saber que de pouco adiantaria, já que as eleições estavam viciadas à partida. Poder fazê-lo e saber que, à medida de cada um, estão a influir no seu futuro e no dos seus, é algo de precioso que eles souberam o que era não ter.
Hoje está frio. Acentuado por um vento cortante.
Apesar disso, na escola do meu bairro onde votei, os idosos têm vindo a comparecer. Alguns, para alegria minha, acompanhados de petizes, tão encapuçados quanto os avós. Que, apesar do desinteresse que os pais destes minorcas manifestam pela democracia, restam ainda os mais velhos para dar o exemplo.
Não me esqueço da emoção que senti aquando da primeira vez que pude colocar o boletim de voto na urna. Espero que estas crianças o possam vir a sentir também, a despeito dos exemplos parentais.


Texto: by me
Imagem: edit by me

sábado, 22 de janeiro de 2011

Ódios de estimação



Um dos pequenos ódios de estimação que tenho, muito privado mas de muita estimação, é tentar barrar uma pequena bolachinha com manteiga, à laia de aperitivo do jantar, e a maldita da bolacha partir-se, ficando eu com os dedos besuntados de manteiga.
Juro que é qualquer coisa que me deixa mesmo chateado. Mas como me não dá jeito usar o pratinho como base para a tarefa, corro o risco da “lubrificação digital” em prol do prazer que tenho em as comer, junto, por exemplo, com um Porto Seco ou um “Very Dry Martini”, receita e especialidade aqui de casa.

Um dos grandes ódios de estimação que tenho são os caramelos que passam o tempo a dizer mal dos políticos, das políticas e da vida em geral e que, em chegando a altura de poderem fazer algo, optam por ir à bola, por ir à praia ou por ir ao centro comercial. Mas estes não posso terminá-los à dentada!

Texto e imagem: by me

A máquina fotográfica



É na câmara escura dos teus olhos
que se revela a água
água imagem
água nítida e fixa
água paisagem
boca nariz cabelos e cintura
terra sem nome
rosto sem figura
água móvel nos rios
parada nos retratos
água escorrida e pura
água viagem trânsito hiato.

Chego de longe. Venho em férias. Estou cansado.
Já suei o suor de oito séculos de mar
o tempo de onze meses de ordenado;
por isso, meu amor, viajo a nado
não por ser português mal empregado
mas por sofrer dos pés
e estar desidratado.

Chego. Mudo de fato. Calço a idade
que melhor quadra à minha solidão
e saio a procurar-te na cidade
contratada violenta negativa
tu única sombra murmurada
única rua mal iluminada
única imagem desfocada e viva.

Moras aonde eu sei. É na distância
onde chego de táxi.
Sou turista
com trinta e seis hipóteses no rolo;
venho ao teu miradoiro ver a pista
trago a minha tristeza a tiracolo.

Enquadro-te regulo-te disparo-te
revelo-te retoco-te repito-te
compro um frasco de tédio e um aparo
nas tuas costas ponho uma estampilha
e escrevo aos meus amigos que estão longe
charmant pays
the sun is shinning
love.

Emendo-te rasuro-te preencho-te
assino-te destino-te comando-te
és o lugar concreto onde procuro
a noite de passagem o abrigo seguro
a hora de acordar que se diz ao porteiro
o tempo que não segue o tempo em que não duro
senão um dia inteiro.

Invento-te desbravo-te desvendo-te
surges letra por letra, película sonora,
do sentido à vogal do tema à consoante
sem presença no espaço sem diferença na hora.
És a rota da Índia o sarcasmo do vento
a cãibra do gajeiro o erro do sextante
o acaso a maré o mapa a descoberta
num novo continente itinerante.


“A máquina fotográfica” de José Carlos Ary dos Santos
Imagem: by me

Ora batatas!!!!!!!!



Por cá há quem entenda que esta coisa da política, e de escolhermos através do voto quem gerirá o que é do país, algo como enfadonho, inútil, inconsequente ir votar, que o melhor mesmo é aproveitar o dia para ir ao centro comercial, à praia ou p’ra ficar na cama.
Por outro lado, sei através de um artigo de jornal que na Argélia vigora um estado de emergência desde 1992 e que todas as manifestações estão proibidas desde então.
Não querendo aqui assumir uma posição Che Guevariana, a verdade é que há gente tão bera, mas tão bera mesmo, que nem sabe dar valor ao que de bom pode ter e usufruir.
Como diz o povo, aquele mesmo povo que agora está a renegar o que tem e é: “Os deuses dão nozes a quem não tem dentes!”

Texto e imagem: by me

Porque é dia de reflexão



"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

“Cântico Negro”, de José Régio

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

À fé de quem sou



Bater! Juro que foi a vontade que tive.
Quando aquela mocinha/senhora de 24 anos (sei-o porque o perguntei) me disse que não iria votar visto não estar recenseada, foi isso que me apeteceu.
Não se trata de uma emigrante, d’África, de Leste ou dos Brasis. Portuguesa de gema. E, nos últimos seis anos não teve meia hora (certo, hora e meia contando com as deslocações) para ir à junta de freguesia para lá fazer o recenseamento eleitoral.
Claro que ouviu o que não esperava e que não gostou, dito por aquele cliente diário de cigarros e sempre (mais ou menos) bem-disposto. Que o meu tom, naquele momento, nada tinha de brincadeira nem a minha expressão de bom-humor.
Escapou ela de um valente par de palmadas, não das dadas no rabo mas antes sim na cara, daquelas que deixam os dedos marcados na pele por umas horas e na memória por muito tempo.
Do que ela não escapará, garantido, é de ser mais ou menos arrastada para a junta de freguesia de onde mora, lá em Maio, salvo erro, para tratar do seu dever de cidadã.
Que a sua opção seja a de se abster, posso discordar mas tenho que aceitar. O que não aceito é que se alheie por completo da sociedade em que se insere. Arrogando-se, ainda por cima, o direito de censurar o que vai estando de mal, governação incluída.
À fé de quem sou que esta cidadã o passará a ser por completo, queira-o o não!

Poderão perguntar agora, quem lê estas linhas, o que tem esta fotografia a ver com esta estória vivida hoje, a caminho do trabalho. Fácil!
Um pouco mais tarde desta conversa encontrei estas folhas que, sendo coisas bonitas no meio da sombra que as rodeava, e também pela cor, me recordou uma outra pessoa que me contou, há uns dias, que terá que se ausentar em trabalho, durante o fim de semana. Mas que fará tudo o que puder para regressar a tempo de exercer o seu direito e dever cívico. Felizmente ainda há gente assim, que me enchem a alma.


Texto e imagem: by me

Até quando?

Até Quando? by datreta

Encontrado numa colectânea de velharias de há 36 anos. Tocado por Luis Cilia, a pergunta é bem mais que pertinente nos tempos que correm: "Até quando?"

O frio e a distância



O ar está frio. A brisa, de feição, é suave com laivos de agreste. E traz-me, de longe, sons que não gosto de ouvir.
Vindos da serra da Carregueira, aqui a uns quilómetros em linha recta, os estampidos de armas de fogo militares, que as tropas ali aquarteladas estão em treinos.
Enquanto o televisor, em casa, vai passando as imagens e sons desta campanha eleitoral, que além de baixo nível redunda na demonstração prática de o povo português entender que alguém, uma vez eleito, é para ser reeleito contra ventos e marés, sons de uma campanha eleitoral onde uns quantos malbarataram os dinheiros públicos, sabendo, de antemão, que nunca teriam possibilidade de, sequer, chegarem a uma segunda volta, lá longe os militares treinam-se naquilo que é mais horrendo na espécie humana: matar o seu semelhante.
E fazem-no porque lhes pagamos para isso. Pagamos os prés, os equipamentos, os consumíveis, as compras duvidosas e as armas que desaparecem. E pagamos para que uns quantos, de quando em vez, partam para missões lá longe, onde a desgraça grassa mas o petróleo e o xadrez mandam mais alto. Que zonas há onde as mortandades, a ferro e fogo, de barriga vazia e de contaminações epidémicas são tão ou maiores que nos Balcãs ou no Médio Oriente.
E, nesta campanha eleitoral, que não segui atentamente mas em que fui obrigado a ouvir alguns petardos, nunca ouvi nenhum falar numa efectiva redução das despesas com militares, gente e equipamentos. E todos eles se candidatam ao cargo de chefia máxima das forças armadas.
Mas o único desassossego que se aceita nos quartéis é das manobras, com fogo real ou não.
E, enquanto oiço o disparar de armas reais sobre alvos de faz-de-conta, a mesma brisa fria traz-me o som de uma ambulância, tripulada por voluntários, que pede passagem para levar algum doente para um hospital. Um trajecto que será, junto com os exames, análises e demais actos médico, cobrado em tom de moderação a quem luta todos os dias para sobreviver com os escassos recursos que tem.
Esta brisa fria com laivos de agreste vem gelar ainda mais a minha alma e diminuir a vontade que tenho de existir nesta sociedade de aparências e supérfluos!
No próximo domingo irei votar. Enquanto aqui viver faço questão de ser interveniente no que aqui acontece. Estou certo que votarei não no melhor mas sim no menos mau. Mas a minha vontade de partir e bater com a porta é cada vez maior. Talvez que para a Patagónia.


Texto: by me
Imagem: in google maps

Uma fotografia...



… numa exposição.
Como diria um colega de trabalho: Ouch!

Fotografia retratada: not by me

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A estrelinha



Não sei quem é. Mas só posso aplaudir!
Volta e meia, de há uns tempos a esta parte, surgem no elevador cá do meu prédio umas estrelinhas coladas junto à botoeira ou ao indicador de piso.
Claro está que algum mal-humorado trata de fazer com que ali não esteja por muito tempo: horas, um dia foi o máximo que vi.
Mas, seja quem for que as vai colocando, os meus parabéns: consegue quebrar a monotonia de um elevador e com coisas bonitas que não com uns graffitis tontos ou umas queimadelas de isqueiro.
E se se lhe acabarem as estrelinhas avise: terei todo o prazer em ir desencantar mais, numa loja de festas ou do chinês para que mantenha o hábito.


By me

Em Coimbra...

... a baixa pode estar assim:



By me

Desabafos



Consigo imaginar a situação:
Tarde na noite, um gráfico em Exel para ser feito e entregue no dia seguinte, o último do prazo para o trabalho, que o Prof não perdoa.
E, a dado passo, ouve-se:
“Esta PØ¥¥@ deste rato não funciona! FØф@-∫¥ pra isto!” logo seguido de um ruído de vidros partidos.
Quantas vezes isso mesmo me apeteceu…

Texto e imagem: by me

Excentricidades



By me

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O botão



Talvez por ser onde foi: Coimbra;
Talvez porque o raiar do dia prometia-o bonito e ameno e cumpriu;
Talvez porque a minha própria predisposição me tornasse mais alerta;
Talvez por ser Lua Cheia, ainda que quase ninguém o soubesse em pleno dia…
Certo é que não me recordo de ter visto num dia de Inverno, ainda que apetitoso, tanta gente enamorada em público.
Ele era no comboio, ele era nas ruas, ele era nos cafés, ele era nos jardins, ele era… Por todo o lado se podiam ver pares de todas as idades, de braço dado, p’la cintura ou no ombro, de mão dada a passear, em ternurentos beijos, mais ou menos repenicados,… Bonito de ver e capaz de fazer sorrir a alma mais empedernida!
Mas a cereja no topo do bolo aconteceu aí pelas quatro e tal da tarde.
Saía eu de um bar, de ter ido ver uma exposição de fotografia (aliás, o motivo da viajem: várias exposições) e parei na esplanada a olhar para uma janela partida. E oiço, mesmo ao meu lado, uma voz feminina a dizer:
“Oh amor, então tu não sabes pregar botões?”
Surpreso e com a discrição possível, olhei de revés:
Um casal, aí na casa dos 18/20 anos, sentados com imperiais em frente. Terá ele respondido qualquer coisa, que não percebi, mas cujo semblante denunciava algum embaraço, e ela respondeu, no mesmo tom:
“Mas tu, aqui nas calças, também te falta alguns. Deixa ver: um, dois… e atrás, também? Mas é tão fácil: a linha na agulha, num buraquinho, depois no outro…”
Uma outra resposta dele, igualmente em tom sumido, e ela terminou:
“Anda lá! Vamos a tua casa buscar isso e tratamos do assunto na minha. Vais ver que é rápido, amor.”
E, de mão dada, desceram a rampa que, muito apropriadamente, dá o nome ao bar: “Quebra Costas”.
E fiquei eu ali, a vê-los afastarem-se, deixando na mesa as imperiais meio bebidas e a aquecerem, como, eu, ao sol. E, entre elas, este botão.
Ainda estive para os chamar e entregar-lho. Mas depois…
Certamente que encontrarão botões para pôr ou tirar nas respectivas casas, na casa de um ou de outro. E não precisariam de um intruso p’lo caminho.
Fica o botão no meu bolso, para que, em voltando a Coimbra e em os encontrando, lhes faça dele uma oferta.


Texto e imagem: by me

Janelas virtuais



By me

A rodinha



Imagine-se o que terá sofrido o ex-dono/a desta rodinha ao constatar, em descendo da carruagem a uns valentes quilómetros de distância, que a perdeu da mala de viagem.

By me

Chegada

Partida

Partida by datreta

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Escrevendo



Por vezes a minha escrita é um espelho perfeito do meu interior:
Confusa e ilegível, mesmo para mim!

By me

Equações policiais em Lisboa




PSP detém 6 homens em Lisboa na posse de armas de guerra e droga
A PSP anunciou hoje a detenção de seis homens na posse de várias armas de guerra, droga e 175 mil euros, no culminar de uma investigação que decorria há cinco meses na região de Lisboa.
A investigação culminou às 2h00 de hoje, com uma operação nas zonas de Chelas e Póvoa de Santa Iria, onde foram efectuadas 16 buscas domiciliárias.
Da operação resultou a apreensão de vários objectos, entre eles duas espingardas metralhadoras de calibre 7.62, uma pistola de alarme, uma carabina, 700 munições de vários calibres, cerca de 7 quilogramas de haxixe e 175 mil euros.
Em declaração aos jornalistas, o subintendente Resende da Silva referiu que os detidos, com idades entre os 32 e os 46 anos, foram responsáveis por vários “actos de violência” em estabelecimentos de diversão nocturna.
O responsável da PSP adiantou ainda que o grupo se dedicava igualmente ao tráfico de droga e que abastecia outras redes de tráfico de estupefacientes, tendo como “base de operações” a zona de Chelas.
As autoridades destacaram ainda que os seis homens possuíam várias casas e carros de alta gama, apesar de nenhum deles ter actividade profissional.
Os detidos vão ser esta quarta-feira presentes a tribunal para primeiro interrogatório judicial, para aplicação das medidas de coação.
In: jornal Público


Dois presos fugiram de uma carrinha celular em Lisboa
Dois reclusos considerados perigosos fugiram hoje de uma carrinha celular que estava estacionada próximo do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), em Lisboa, tendo-se registado tiros, disse fonte policia.
Os reclusos escaparam às autoridades prisionais quando a viatura se preparava para seguir para o Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL), às 15h10.
Os presos depois furtaram um automóvel, que entretanto já foi encontrado vazio.
A fonte policial adiantou que durante a fuga foram trocados tiros e que os dois reclusos continuam em paradeiro incerto.
Três agentes fizeram a marcação no chão do invólucro de bala, para preservação de prova.
O DCIAP situa-se na Rua Alexandre Herculano, em Lisboa.
Entretanto, a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais (DGSP) confirmou à agência Lusa "a fuga de dois reclusos junto das instalações do DCIAP em Lisboa".
"Os guardas prisionais receberem tratamento hospitalar e aparentemente estão livres de perigo", acrescenta a DGSP numa nota, que refere também que "foi determinada a abertura de um inquérito a cargo do Serviço de Auditoria e Inspecção, dirigido por um procurador".
In: jornal Público


Resultado da equação: Seis presos, dois em fuga, ganha a polícia!


Imagem: by me

Três em um



Estava eu de passeio em Sintra, bem ali ao fundo à esquerda, em busca de florzinhas e folhinhas, que sei ali existirem, para as fotografar em contra-luz.
Eis senão quando olho para aqui e vejo o que aqui se vê. Melhor, vejo o carro do meio em elaboradas e difíceis manobras para assim ficar estacionado. Que a rua até que é estreita e, em ficando na faixa de rodagem, outros carros não passariam.
E fiquei a ver a mocinha que em tais assados se encontrava, na vã expectativa de que desistisse e partisse para outras paragens. Mas qual quê!
E subiu, e desceu, e subiu e desceu, a tal ponto que foi obrigada a sair do carro pela porta da direita, que a sua já nem abria.
Com alguma paciência, esperei que se fosse embora à sua vida para fazer o registo do costume. Até porque, e para além de estar em cima do passeio, ignorou por completo o traço amarelo no chão e o sinal de estacionamento e paragem proibidas na curva. O chamado “três em um”.
Pois a mocinha apercebeu-se do que eu fazia e veio em protesto. Primeiro que eu não o podia fazer, depois qual a minha autoridade para o fazer e terminou com o apelo clássico de que seriam apenas cinco minutos, que teria que devolver um livro (isto passou-se junto à biblioteca de Sintra) e que a um euro o parquímetro, era muito caro.
Tentei usar da minha paciência, do fazer-lhe ver das infracções cometidas, do incómodo que causava aos peões, e nada. Nem ela nem o amigo que veio em seu socorro se demoveram e o carro ficou como se vê.
Foram eles à sua vida e eu à minha que, neste caso, passa por isto.
Talvez um dia passe um camião e a chapa amolgada seja bem mais cara que a multa pelo atraso do livro. Ou que descubra que um chassis em cima do corpo de um peão seja bem mais pesado que a moeda de euro que não quis pagar. Ou que passe a patrulha e que as três infracções de uma só vez sejam bem piores que o seu egoísmo e pessoal necessidade.

Texto e imagem: by me

Sentido de oportunidade



A isto chama-se:
Tirar partido das circunstâncias!
Av. João XXI, Lisboa, 2011/01/17

O operário que nada tem...



Foi há já uns anos, lá, onde trabalho.
Estivemos de greve. Três dias de greve. Por questões salariais, por condições de trabalho, por limpas e honestas relações empregador/empregado.
Claro está que, ainda que a esmagadora maioria dos trabalhadores tenha estado de greve, alguns houve que não a fizeram (direito que lhes assiste inalienavelmente), que tudo ou quase fizeram para minimizar os efeitos da greve dos companheiros (atitude ética discutível a vários níveis) e que dos seus actos procuram retirar proveitos pessoais junto do empregador (atitude condenável, já que o seu benefício aconteceu à custa dos actos dos demais).
Mas, deixando de parte as atitudes dos “amarelos” ou “fura-greves”, certo é que três dias de greve e de descontos no salário é algo que muitos não podem fazer sem sérias repercussões no seu orçamento. Principalmente os que auferem salários mais baixos.
Mas sendo que os nossos horários de trabalho são díspares, 24 horas por dia e sete dias por semana, gente houve que, desses três dias de greve, esteve de folga um ou dois. Donde, não lhe foi descontada a jornada de luta.
Propus eu a companheiros que esses, os que não seriam alvo de tantos dias de desconto, pusessem o valor desses dias num “saco” comum para ser equitativamente distribuído por todos, para que o impacto económico em cada um fosse minorado.
Fiquei siderado com uma resposta que obtive, por sinal de um dos que mais auferia no meu grupo de trabalho:
“Olha lá! Estás com problemas de dinheiro? Faz como eu e vai ao banco pedi-lo!”
Estive para lhe perguntar se o emprego paralelo que tinha não lhe estava a pagar o que devia ou se não tinha olhado com atenção para os horários e constatado que eu estava no grupo dos que estava de folga nesses dias. Não o fiz. E o saco comunitário nunca se constituiu. Ainda que, mais tarde, eu tenha emprestado (dado) algum a um mais aflito.

É esta história importante? Não creio!
Mas serve para demonstrar que são, em regra, os que mais têm os que menos solidariedade demonstram, por palavras ou por actos concretos.
Em tempos, escrito num muro entretanto derrubado e hoje ocupado por um hotel em Lisboa, estava a seguinte frase:
“O operário que nada tem, tudo pode arriscar, que nada pode perder.”


Texto e imagem: by me

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Próxima paragem



Entre o aqui e o ali, num comboio que vai vazio.
Não sei quem chegará primeiro: se ele que me leva se eu que nele viajo mas onde, se calhar, não estou.
E o comboio que não pára, e as portas que não abrem, e os passageiros que não entram…
Próxima paragem: Eu!


Texto e imagem: by me

Exame



Fui fazer uns exames e chumbei. Deram-me nota zero!
O que me leva a concluir que isto da ciência e dos cardiologistas… Podem saber muito de fluxos e refluxos, cargas e diferenças de potencial, ritmos e harmonias. Agora quanto ao resto…
Aquela carga vital, aquela energia, aquele bater mais rápido p’la proximidade…
Nah! Quando for grande não quero saber de ciência: só de poemas!


Texto e imagem: by me