segunda-feira, 30 de junho de 2008

Pontos de vista... panorâmicos


Eu não gosto do formato de três por quatro da TV, nem do formato convencional do cinema ou dos 24 por 36 mm da fotografia. E menos ainda o formato quadrado!São proporções artificiais, que em pouco ou nada correspondem àquilo que vemos.E se aquilo que vemos, do ponto de vista fisiológico, é redondo e num ângulo muito estreito, da ordem de poucos graus, o nosso acesso visual ao mundo baseia-se no varrimento que fazemos nele com os olhos. Para já não falar visão periférica e tudo o que ela implica a nível dos instintos e da sobrevivência do animal.Mas o varrimento visual que fazemos do mundo que nos cerca é essencialmente horizontal. Aquilo que está ao nível da nossa cabeça.Quer seja para nos acautelarmos com perigos, quer seja para nos aproximarmos do que nos interessa: Alimentação, relações sociais, objectos cobiçados. O nosso varrimento na vertical é pouco expressivo: olhamos para baixo para detectarmos obstáculos no caminho e para cima para ver se chove ou se existe algum pássaro pouco simpático. Nada mais.Na representação gráfica do que nos cerca, fazemos o mesmo. A menos que estejamos limitados por um formato do suporte (um painel para pintar ou uma folha de jornal para ilustrar) a esmagadora maioria das imagens são feitas na horizontal. Porque se aproximam do que vemos.Claro que há outro tipo de limitações, como sejam o assunto a representar. Se ele for vertical (uma figura humana ou uma árvore) se o quisermos fazer tão grande quanto possível e excluirmos o que o circunda ao máximo, pois o normal é recorrer ao formato vertical. Mas estas são excepções. Que a maioria das imagens que fazemos são horizontais.É por isto que desde cedo se começaram com representações fotográficas bem mais largas que altas: a fotografia panorâmica e as respectivas câmaras. No cinema, surgiu o Cinemascope, o Widescreen e outros, sempre com a ideia de representar aquilo que era visto como era visto e não agarrados a uma formato pouco menos que quadrado.Mas isto é complicado, do ponto de vista técnico: objectivas anamórficas para a captação e reprodução, objectivas rotativas e película encurvada para a fotografia… Difícil de manobrar pelo amador, caro de reproduzir e comercializar para a indústria. No caso da televisão mais complicado se torna, com a alteração dos sistema de captação e tratamento, por um lado e de recepção doméstica por outro.A fotografia digital veio introduzir alterações e facilitar a vida dos fotógrafos.
Não apenas as próprias câmaras permitem captar imagens preparadas para serem “coladas” posteriormente como ainda os sistemas de edição de imagem, alguns muito simples, permitem fazê-lo sem grandes complicações.
No caso da TV, com o advento dos sistemas digitais e da alta resolução, em breve o formato tipo será o 16 por 9, bem mais próximo da nossa realidade visual.

Pela parte que me toca, em fotografia, não uso os sistemas panorâmicos existentes.
Usando as ópticas e os ângulos convencionais e disponíveis no mercado, aquando da tomada de vista faço um enquadramento mental daquilo que o visor me mostra. Mais tarde, dantes no ampliador do laboratório agora no computador, reproduzo essa imagem que compus mentalmente. Mais detalhe, menos detalhe.
Se eu encontro satisfação no resultado final ou não, isso já é outra coisa.
Condicionados que estamos pela cultura visual do séc. XX, no cinema, na TV, nos formatos apresentados pelos laboratórios fotográficos industriais, pelas publicações periódicas, deixamo-nos levar na onda.
Mas a experimentação, pessoal ou tertúlica, permite-nos partir para outros voos, para outras formas de expressão pessoal. Nalguns casos chamam a isso de arte. Na esmagadora maioria restante, de quebra de regras ou extravagâncias.

Seja como for, aqueles que fazem da representação bi-dimensional da luz a sua paixão, devem passar por isso. Quanto mais não seja para poderem dizer que não gostam disso!


Texto: by me
Imagem: by me, 25 years ago

domingo, 29 de junho de 2008

Supostamente


Supostamente, o jornalista verá as cores do globo em preto e branco.

Sem se deixar influenciar nem pelo colorido partidário, nem pelos tons vivos das explosões ou os pálidos cadavéricos.

Em preto e branco para que todas as cores sejam tratadas pelo que são, sem simpatias ou empatias pessoais.


Supostamente…

sábado, 28 de junho de 2008

Uma boa fotografia?


Já na véspera tinha sentido problemas! Por um qualquer motivo, no mesmo local e à mesma hora, a luz estava diferente, resultando num chão bem mais intenso que o habitual e que atrapalhava. E só ontem é que me apercebi do que, realmente, se passava: tinham cortado uma árvore.
Acredito que o tenham feito por necessidades relacionadas com a saúde do jardim da estrela, mas que me estraga a vida fotográfica, lá isso estraga. Onde, dantes, conseguia ter uma luz uniformemente sombreada, com contrastes naturalmente controlados, deixei de o ter, que os seus galhos já lá não estão para mos garantir. Terei que repensar local e composição que os resultados, nestas circunstancias, são deploráveis.
Em qualquer dos casos, e dando de barato a questão da exposição e contrastes, observe-se esta fotografia. Concentre-se a atenção nas retratadas, nas suas poses, no que acontece em segundo plano e no fundo.
Ponderados estes factores, considere-se ESTA SEGUNDA fotografia. Analise-se-a segundo os mesmos critérios usados na que aqui está exposta: a pose das retratadas, o segundo plano e o fundo.
E, depois de feita a análise e comparação, saiba-se o seguinte:
Uma delas foi feita em primeiro lugar, impressa e entregue às interessadas. A mais nova, depois de a olhar bem e de ter dito que “Gosto, mais ou menos”, perguntou se poderia fazer uma segunda. E aceitei, fazendo-a como à primeira.
E, desta feita, já gostou, a ponto de me pedir se a poderia imprimir em tamanho grande, o que me é impossível no local, como será óbvio.

E a questão que aqui vos deixo é: das duas imagens que viram, qual foi a primeira feita e qual foi a que agradou às retratadas? E porquê?
É que, confesso, nem uma nem outra são boas fotografias. Com boa vontade, talvez se lhes possa chamar de sofrível, mas nunca boas.
Então, o que define uma boa fotografia? Que critérios objectivos e subjectivos para tal classificação? E considerando que ponto de vista: o do fotógrafo, o do retratado ou o do público em geral?
Tenho que admitir que, cada vez mais, menos sei o que é uma boa fotografia!

sexta-feira, 27 de junho de 2008

A meia-haste


Foi neste domingo, dia 22!
Ao passar pelo portão do Hospital Militar Principal, ali ao Largo da Estrela, o meu olhar embateu na Bandeira Nacional. Nada de estranho isto, já que era domingo, o hospital pertence à instituição militar e, como se tudo isto não bastasse, estamos em pleno Euro 2008, com a mania das bandeiras em tudo quanto é lado.
O que me deixou espantado foi vê-la como a vedes aqui: a meia-haste.
Se bem me recordo dos códigos de utilização das bandeiras – e os militares são bem rigorosos nestas coisas – a bandeira a meia-haste significa luto ou nojo. E, tratando-se da Bandeira Nacional, significa isto luto nacional, situação definida por decreto governamental, não seis e também presidencial.
Acontece que o meu grau de informação face à actualidade é razoável e de nada sabia (ou sei) sobre um luto nacional nesse dia, ou mesmo algum acontecimento que o pudesse provocar.
E se, como se costuma dizer, “A curiosidade matou o gato”, neste caso ela pôs o barbudo em acção!
Cruzei o portão e, dirigindo-me à guarita onde um elemento feminino controlava os acessos, questionei sobre o caso. Fui mais longe, e perguntei se alguém importante teria falecido na unidade. Ainda que creia que esta possibilidade não justifique o uso da Bandeira Nacional a meia-haste, mas tão só a da unidade.
A militar estranhou, interrompeu a camada de telemóvel que efectuava e chegou mesmo a abandonar o posto para verificar da veracidade das minhas afirmações. Como resposta, ouvi que de nada sabia e que, nestas coisas de bandeiras, ainda pouco tinha aprendido.
Ainda instei que fosse saber junto de alguém que o soubesse, o oficial de serviço por exemplo, mas fez ouvidos de mercadora, dando-me a entender que eu era um mero civil e que nada tinha a ver com o que se passa na instituição militar.

Eu sei que o uso da Bandeira Nacional tem andado abastardado, usada que tem sido por motivos fúteis como o futebol, pendurada de qualquer forma e em qualquer lado e nem sempre representando os códigos que a compõem de forma correcta, com belos pagodes no lugar de castelos medievais.
Também é verdade que eu mesmo pouca importância dou a esta mania popularuncha. Tal como não concebo esta coisa da nacionalidade e da necessidade de defender o “Torrão Natal”, como se o Homem fosse o dono da Terra e não o contrário.
Mas, em qualquer dos casos, se os códigos oficiais existem, seria de esperar que nas instituições oficiais e na militar em particular, se se respeitasse o uso do símbolo da Nação.
Que a única explicação que encontro para neste dia a Bandeira Nacional estar a meia-haste, é estarmos de luto por a selecção nacional ter sido afastada da corrida ao título de campeã europeia de futebol.
E, se isto é motivo para tal uso da Bandeira Nacional, por favor, não me peçam para a respeitar, onde quer que a torne a ver!

quarta-feira, 25 de junho de 2008

As meias


Vou deitar todas as minhas meias fora!

E vou comprar todas novas.

Só duas cores.

Mas iguais na cor, no padrão, na qualidade e no fabricante.


Não quero mais ter o trabalho que tenho todos os dias no regresso do banho: abrir a gaveta e andar às voltas para encontrar duas iguais.

Soltas que estão, tal e qual vêem do varal da roupa, é sempre uma confusão, correndo todos os dias o risco de sair de casa, com a pressa, com uma de cada qualidade em cada pé.

Não quero mais.


Por este processo, só dois tipos e qualidades, o máximo que terei que tirar da gaveta são três para ter a certeza que tenho um par certo nas mãos.

Monótono e conservador? Pois será!

Mas assim ganharei uns dois ou três minutos por dia para me dedicar a qualquer outra coisa que me agrade: dormir, tomar um café, ler um livro, conversar ou apenas estar…


O problema que temos na vida que levamos, não é o da falta de tempo. É antes o desperdício de tempo em coisas inúteis ou fúteis.

Escolher as meias ou uma camisa para vestir de manhã é desperdício de tempo. Para mim!

Simplifiquemos o que não gostamos e seremos muito mais felizes!

Nas tarefas que fazemos sem sabermos porquê, apenas porque é uma rotina adquirida algures, naquelas que temos que fazer porque no-la impõem ainda que não nos sirvam para nada, nas convivências que temos que ter porque há que ser cortêz…


Cada minuto de prazer é um a menos de “desprazer”! E isso é tão bom…!

terça-feira, 24 de junho de 2008

Que raio!


Chama-se Maria. Pelo menos assim o suponho, já que a maioria das mulheres nascidas, como ela, há mais de 60 anos, assim se chamvam: Maria Qualquer-Coisa ou Qualquer-Coisa Maria.
Pois a Maria partilha comigo o patrão. Tal como a cantina onde almoçamos, quando calha não estar eu de serviço de noite. E aconteceu, há uns dias atrás, estar ela mesmo à minha frente na fila para encher o tabuleiro do almoço.
Em chegando á sua vez para pagar, jogou a mão à pilha de guardanapos, que ali está para que nos sirvamos, e retirou uma mão-cheia deles. E quando digo “mão-cheia” não exagero, já que de facto tinha a mão plena deles, bem mais que o que a imagem ilustra, que foi feita numa tentativa falhada de o mostrar.
Fiquei boquiaberto! E furibundo! Pois ando eu a pregar a poupança de papel, em não desperdiçar as árvores á-toa, para vir esta Fulana gartar assim ao desbarato! Não me contive!
Em chegando a minha vez de pagar, peguei ostensivamente nos dois guardanapos do costume e, contando-os, perguntei a quem estava a cobrar:
“Não tenho direito a um desconto, já que só levo dois?”
A ironia e o tom duro não cairam em saco roto, e ela respondeu-me:
“Não ligue! Ela faz isto todos os dias. Ela e o seu amigo, que hoje ainda não apareceu. Deve ser para levar para casa.”
De furibundo passei a um estado de quase histeria mal contida! O raio da tipa! E do tipo, já agora! Não hão-de perder pela demora!
Nada fiz nesse dia, que tempo para a refição já era escasso (como de costume) e a fila enorme (igualmente como de costume).
Mas, da proxima vez que ali a vir a fazer o mesmo, tenho já a estratégia definida:
Esperarei que se sente e aproximar-me-ei cerimoniosamente. Em tom delicado e formal, perguntar-lhe-ei pelo nome, que anotarei cuidadosamente num bloco-notas que terei comigo para o efeito.
E mesmo que me não pergunte o porquê, tratarei de lho explicar: Quero saber a identidade de quem anda a destruir o que é de todos nós e dos vindouros. E quero saber o nome da pessoa por quem não acenderei uma velinha ao santinho da minha devoção. Que, quem tem este tipo de comportamento, não merece ser acarinhada, acautelada ou recomendada.
Seja qual for o Olimpo que consideremos!

Divertimentos dominicais


Como eu me divirto! Juro que me divirto à brava e só não solto sonoras gargalhadas porque isso iria diminuir o divertimento!
A maledicência e a necessidade que o ser humano tem de encontrar explicações para o que não sabe explicar ou sai do comum é muito divertido.
Sei que a minha presença no jardim da estrela é incomum. É incomum a minha figura, é incomum o meu artefacto, é incomum o que faço com ele.
Os menos tímidos ou os mais arrojados aproximam-se levados pela curiosidade e acabam por “meter conversa”. Alguns, os que menos têm que fazer na vida ou os que têm mais curiosidade por ela, para além da fotografia aproveitam para alimentar a conversa, tentando perceber, para além do exposto, quem ou o quê sou eu. Faz sentido!
Alguns, raros, assustam-se com a gratuitidade do acto e fogem. Será estranha esta reacção, se não considerarmos que nos seus passados possam existir acontecimentos que os levem a ter receio do que é gratuito ou ofertado. Contos do vigário, sistemas policiais, etc.
Mas outros, muitos, dos que me conhecem por ali, estranhando especulam! Com base no pouco que sabem, muito devem inventar, trocando entre si informações “fidedignas” que alimentam as suas imaginações.
E, neste fim-de-semana, ficaram com mais para as suas conversas de mata-tempo.

Foi ter comigo, para apreciar a função e dela fazer parte, uma amiga. Bem nova, foi com o seu filho de tenra idade no respectivo carrinho. E, em chegando, deixaram-se ficar por ali, sentados num banco próximo de mim, conversando nós como velhos amigos que somos, dividindo a nossa atenção entre os passantes, os parantes, a conversa e o pimpolho. Este com uma notória tendência em agarrar a minha barba e puxar, o que sendo divertido não é propriamente suave!
E era vê-las, às velhotas reformadas, ali em redor como borboleta com chama de vela!
Costumam sentarem-se em bancos dispersos, agrupadas às duas e três, em função das simpatias, dos temas de conversa, de quem chega e dos lugares que vão vagando.
Pois neste domingo assentaram arraiais nos bancos circundantes ao meu artefacto, em grupos de quatro ou mesmo cinco, mal cabendo nos assentos, que as suportavam com o estoicismo e a coragem de quem já está ali há mais tempo que elas têm de vida.
E elas já não conseguiam ou não queriam disfarçar: olhares assentes em nós de tal forma que nem reparavam em quem chegava ou partia, como seu hábito. Das conversas, pouco dava para perceber, que a distância não ajudava, mas os tons empregues e os gestos não davam azo a dúvidas. A coscuvilhice era o método e nós o mote!
Mas a cereja no topo do bolo aconteceu com um casal já conhecido, que ali apareceu e que quis ser fotografado. Não teve ele papas na língua e cedo tratou de perguntar se era minha a pequena. Fiquei na dúvida se se referiria à criança de colo e mama se à respectiva mãe que a embalava.
Tenho que admitir que esta curiosidade incontrolável, por parte dos “habituées” do jardim, me divertiu. A mim e à minha amiga, que o pimpolho não deu por nada. Mas pouco faltou para que desse, que só a vergonha impediu que alguma delas se levantasse e viesse sentar no mesmo banco para fazer tagatés na cabeça quase careca e, de caminho, tirar nabos da púcara.
Quanto ao resto, se esta visita que recebi serviu para que tivessem uma tarde de domingo mais entretida e feliz, sinto-me satisfeito. Mas fico à espera, com a certeza de não ser em vão, que de uma próxima vez em que me vejam me venham perguntar pela família.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Em torno de comentários a fotografias


Ao longo dos anos, tenho sido alvo de vários pedidos para integrar, como jurado, concursos de fotografia. Tenho recusado sempre.
Os motivos para tal são de vária ordem, cujas respectivas importâncias têm variado com o tempo, bem como a ordem como actuam sobre mim.
Tentarei, de seguida, explica-las, sendo que a sua sequência não define nenhuma ordem de importância.

Não sou bom fotógrafo!
Com boa vontade, saberei talvez fazer algumas imagens menos comuns ou que se salientem da maioria. Mas isso não as define como boas e, muito menos, me define como bom fotógrafo!
Também sei quais as regras e as técnicas, actuais ou do passado, usadas no fazer de fotografia. Fotografia de quase todos os estilos e utilizações. Mas o simples saber de como são feitas não implica o saber usar esse conhecimento na produção de imagens. E a sua demonstração está no trabalho sofrível que tenho.
Assim sendo, não sabendo eu fazer boas fotografias, como posso arrojar-me o direito de classificar o trabalho de outros, muitos bem melhores do que eu mesmo sei fazer ou sou capaz de fazer?
Melhor será aplicar-me em melhorar o que faço que dizer bem ou mal dos outros!

Critério de avaliação.
Dizer que uma fotografia é bonita ou boa não basta. É preciso fundamentar tal afirmação e enquadrar o que é dito em critérios objectivos. E estes podem basear-se em conceitos estéticos, em técnicas de execução, no conteúdo, na capacidade de comunicar emoções.
Os conceitos estéticos variam de sobremaneira com o passar dos tempos e o variar da geografia. Uma boa fotografia, feita aqui em Portugal, poderá não o ser no Japão ou no Irão. E vice-versa.
Não creio que haja uma estética universal e transversal ao tempo pelo que avaliar ou classificar fotografias implica contextualizar o trabalho e o autor num tempo e numa cultura. E saber se ele pretenderia ser original dentro de ambos ou manter as linhas em voga, seguindo as modas do pensamento e da criação.
Por outro lado, as técnicas também definem um trabalho fotográfico. Controlo de exposição, de nitidez e focagem, os suportes… Dizer que uma fotografia é boa ou má apenas porque tecnicamente está de acordo com os fabricantes ou com as modas é redutor. A técnica é apenas uma forma de chegar a um trabalho final, em paralelo com o factor estético e com a capacidade de emissão dos sentimentos do autor.
O conteúdo, só por si, também não é factor determinante na avaliação de fotografias. Porquê dizer que a fotografia de uma maçã é melhor, ou pior, que um retrato? E uma paisagem edílica resulta numa melhor ou pior fotografia que uma outra de um massacre de guerra? O que os conteúdos podem provocar, que não a qualidade, são os sentimentos no público. As emoções que eles despertam, face às experiências e memórias que ele, o público tem. E isto não define qualidade. Define empatia, define partilha de experiências e cultura.
Deve-se ainda falar, e na sequencia do ponto anterior, na eficácia da comunicação. Ou seja, até que ponto uma fotografia passa ao público o mesmo tipo, ou semelhante tipo, de mensagem que o autor quis transmitir. Aqui entra de novo o factor cultural, em que a partilha de códigos, de hábitos de interpretação que redunda na semelhança entre o recebido e o expresso. E quando o que é visto resulta em algo interpretável, a satisfação do público existe. E quando esta coincide ou se aproxima da intenção do autor, diz que o trabalho de comunicação foi bem sucedido. E a qualidade de “bom” ou de “mau”, neste caso, é apenas a da eficácia de comunicação, nada mais.

Com base em todos estes factor, torna-se particularmente difícil definir o que é uma boa fotografia e, pior ainda, se esta é melhor ou pior que aquela. Porque, e para além das características intrínsecas de cada uma, as características subjectivas de quem as avaliam são de tal forma importantes que esta avaliação tem tantos resultados possíveis quantos os avaliadores.

Acontece porém, e voltando à minha própria experiência, que tenho sido obrigado a fazer avaliações e classificações de fotografias. No decurso da minha actividade lectiva.
Mas lidar com trabalhos de alunos acaba por ser mais fácil de algum modo. Se, por um lado, os trabalhos apresentados para avaliação são resultado de exercícios mais ou menos definidos e com objectivos também concretos, por outro o conhecer cada autor e as suas potencialidades, bem como o poder conversar com cada um sobre o seu trabalho e comparar o que queria fazer com o que conseguiu fazer simplifica a tarefa de avaliar.
Indo mais longe, em cursos que versem a fotografia, aquilo que se pretende é que os alunos saibam comunicar com este meio, respeitando os códigos estéticos e técnicos em vigor. E mais incentivando a sua criatividade do que avaliando-a.

Assim, e para mim, fazer comentários ou críticas a trabalhos de outros tem sido cada vez mais difícil e pesado na minha própria consciência. Desconhecendo os contextos dos autores, qualquer opinião que possa emitir, para além de se basear no meu próprio mau trabalho nada mais pode exprimir que o meu próprio gosto.
Posso dizer se gosto ou não desta ou daquela imagem, se me transmite este ou aquele sentimento, se eu mesmo a faria da mesma forma ou de qualquer outra. Mas é sempre uma avaliação pessoal, muito pessoal, demasiadamente pessoal para que possa correr o risco de, com ela, vir a influenciar os seus autores. E esta é uma responsabilidade que, cada vez mais, me incomoda.

Se a tudo isto se acrescentar que eu mesmo tenho andado, nos últimos tempos, razoavelmente perdido à procura do meu próprio caminho e cada vez mais frustrado, mas nunca desistindo, com a dificuldade de dar com ele, talvez fique explicado o porquê de, nestes últimos tempos, terem sido cada vez menos frequentes os comentários que tenho vido a deixar nos trabalhos dos utilizadores do Photoblog.
Porque dizer apenas “Gosto” ou “Não gosto” é inútil ou quase; dizer “É bom” ou “É mau” é completamente subjectivo; e colocar seja o que for como comentário apenas para dar a saber que estive ali e que gostaria que viesse também ao meu, bem… não creio que haja outra classificação que não seja egocentrismo.


Em qualquer dos casos, recebi um pedido de quem estimo que emitisse uma opinião sobre uma dada imagem. Que não foi feita por quem a pediu e que, por sinal, foi objecto recente de um ex-Muse, actual de novo POD. ESTA.
Assim, aqui deixo um comentário, competa e exclusivamente sujeito aos meus critérios, sem querer agradar ou desagradar a quem quer que seja.
Trata-se de uma fotografia de que quase gosto muito. E o “quase” prende-se com pequenas ninharias que me incomodam. Mas vejamos:
Gosto da quase tranquilidade que transmite. O local aparenta ser perfeito e tranquilo, a noite mostrada pelo contraste de cores, parece ser amena e convidativa para uma ida àquela praia, que se mostra deserta de cá e de lá do murete.
O problema que vejo está na quase simetria ou equilíbrio, não conseguidos, tanto na vertical como na horizontal.
Incomoda-me o muito ligeiro desnível do mar, quase imperceptível mas que me atrapalha;
Incomoda-me aquela fenda no murete, transformando-o de uma linha recta em duas semi-rectas, dando-me a entender a existência de partes diferentes à esquerda e à direita e não tanto uma praia imensa da qual nos mostram um pedacinho; o mesmo se passa com a sargeta junto a essa fenda;
E incomoda-me a quantidade de céu comparada com a quantidade de areia, de mar, de murete e de passeio visíveis. Se a quantidade de areia, murete e mar visíveis são iguais, a quantidade de passeio desconcerta-me e fico na dúvida se o importante na imagem é o céu ou tudo o resto que está sob ele.
Estas assimetrias provocam-me uma sensação de desconforto, apenas compensado pela placidez e tranquilidade do vazio e pela complementaridade das cores, o clássico “ouro sobre azul”.
Numa interpretação completamente subjectiva, poderia dizer em torno desta imagem, que a natureza, sob a forma dos quatro elementos (céu, mar, terra e fogo - a luz amarela) são perfeitos, mas que é o Homem, com a sua intervenção sobre ela, que a estraga.

Dito isto, e considerando a total subjectividade da opinião, pergunto-me até que ponto a minha leitura terá algo a ver com as intenções do autor. Terá ele visto algum dos meus sentimentos ou apenas se sentiu atraído pelo que viu, na altura da tomada de vista e, mais tarde, quando a editou e escolheu para exibir? Provavelmente pouco ou nada.
E, considerando a falta de alguma qualidade do que vou fazendo, é uma opinião de fraco valor e que, como diz um companheiro de trabalho, “Vale o que vale: vale uma unidade!”

sábado, 21 de junho de 2008

21 de Junho


A maior parte das pessoas sabe que este é o dia que marca o inicio formal do verão, com ou sem calor, praia e férias. Alguns outros – poucos – sabem que este é o maior dia do ano. Não com mais de 24 horas mas antes com maior número de horas de sol e, consequentemente, com a noite menor.
Trata-se de uma curiosidade, que se recorda dos bancos da escola, de algum almanaque lido de viés ou de alguma referência num jornal, naquela secção das trivialidades.
Mas, para mim, tenho o solstício de Verão, bem como o de Inverno e os equinócios como datas maiores no que à vida nesta bola diz respeito.
Todas as outras datas que celebramos referem-se a nascimentos, mortes, batalhas ou descobertas. Algumas, as excepções, são ainda mais arbitrárias, já que foram escolhidas por conveniência de quem se lembrou de as celebrar, como o dia da criança, o da espiga ou mesmo o Natal.
Mas estes quatro dias são celebrados pelo Homem desde que existe ou quase. É data imutável, seja qual for o calendário, o regime político ou mesmo a espécie dominante no planeta. Haverá, façamos o que fizermos, sempre um dia com maior quantidade de luz solar, um com menor e dois com igual quantidade.
E esta realidade foi constatada e celebrada bem antes de a história o ser, ou seja, bem antes do aparecimento, invenção ou utilização de escrita. Fonética, ideográfica ou outra.
O Homem, bem primitivo, sem escrita, com uma média de vida diminuta, sem cálculo matemático e sem ferramentas exactas, soube identificar as datas e soube erguer monumentos megalíticos que assinalam os dias e se orientam, com uma precisão estonteante, para os nascentes ou ocasos extremos.
Que o século XX fosse marcado pela comunicação por satélite, idas à lua e aumento notório da esperança de vida, não me espanta. É a evolução natural da ciência, de quem investiga e de quem partilha o que descobre ou inventa.
Agora que os antigos identificassem dias únicos no ano, que assinalassem com rigor a posição do sol e que tudo isto fosse apenas transmitido oralmente, com a riqueza ou pobreza de vocábulos que desconhecemos, isso sim, espanta-me.
Por isso, o dia de hoje, bem como os restantes três, são datas maiores, em que honro os génios do passado!

sexta-feira, 20 de junho de 2008

A casa


Quando faleceu teria, suponho, mais de setenta anos. Eu deveria rondar os dez. O que, feitas as contas, nos diz que, se fosse vivo, o meu tio Artur teria mais de cem anos.
Os meus contactos com ele foram poucos, fruto de esporádicas visitas que faziamos. Mas de cada uma delas (ou do seu conjunto) guardo memórias indeléveis, algumnas das quais marcaram e marcam a minha vida e a minha forma de a ser.
Curiosamente, o detalhe mais importante que dele conheço, não o soube em primeira mão mas tão somente contado por outros parentes, que faz parte da história da família.
Na sua juventude estava de namoro sério com uma rapariga. Mas os entusiasmos e ardores da idade fizeram com fosse forçado a casar com outra pessoa. Os códigos sociais de então assim o obrigaram.
Mas o amor que tinha pela namorada era muito sólido e profundo e igualmente correspondido. Assim, esperaram que ele enviuvasse, já velho, para se casarem e serem, ao que consta, realmente felizes.
Acredito que em torno desta história se pudessem escrever romances “Best seller” ou rodar filmes campeões de bilheteira. Por mim, que não tenho nem arte nem meios para tal, fico-me com a fotografia da casa onde viveram e onde os conheci.
Mas... fará esta fotografia juz à história? Deveria eu ter esperado por melhor hora e luz? Ficaria melhor com gente a passar, para cima ou para baixo? Ou, complicando as coisas, deveria eu ter batido nesta porta e ter pedido autorização a quem lá agora vive para fotografar o jardim, que recordo com grandes e bonitas roseiras?
Há histórias que não são bem ilustraveis. E, ainda que os intervenientes tenham falecido há muito, o melhor será deixar as persianas púdicamente descidas.
E contentarmo-nos em saber que atrás delas viveu quem foi de facto feliz!

Stone wall


terça-feira, 17 de junho de 2008

Louca?


Tem cerca de quarenta anos e veste de uma forma colorida, desgarrada, excêntrica. É preta e, no seu périplo diário pelos corredores do shopping, pára em cada montra e porta.
Sorri para quem está e quem passa. E canta!
Não se percebe muito bem o que canta, nem a letra, nem a melodia. Mas canta e gosta de o fazer. O seu sorriso feliz, para dentro e para fora, assim o mostra.
Os passantes ocasionais estranham e sorriem, os lojistas riem de escárnio, os seguranças olham-na como se estivesse em vias de furtar algo ou escarrar no chão.
E ela, tudo ignorando, continua a sorrir alegre e amavelmente para quem passa e quem está, feliz não se sabe com quê.
Talvez apenas porque canta.
E depois vai-se, para sorrir e cantar noutras lojas e noutras ruas, cobertas ou não de telhas e seguranças, de preconceitos e ostracismo.
Fica o escárnio e a desconfiança. Porque é diferente. Porque canta e aparenta estar feliz. Porque fazê-lo sem ser num palco ou coreto, sem estar numa camisa-de-forças, é contra as regras e normativos.
Porque não se pode sair da normalidade sem que logo se trate de reconduzir o “prevaricador” ao bom caminho!

Se aqueles que franzem o cenho ou fazem chacota também cantassem e sorrissem, se formassem um grupo e, alegremente, saudassem quem passa com umas notas musicais no lugar de pedirem notas de banco…

Tem uma lâmpada fundida, dirão alguns!
Não!
Tem-nas é todas acesas de dia porque lhe apetece estar de bem com a vida. E dar luz mesmo quando não lho pedem!

Obrigado por nos mostrar quão loucos somos em não aproveitar o que nos cerca e sorrirmos com isso!

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Dificuldades de comunicação


Como se explica “CÔR” a um cego?
Esta foi uma pergunta que me foi posta por um mestre, há já muito tempo.
Nunca me debrucei muito, muito seriamente sobre a questão e nunca encontrei uma resposta satisfatória. É que acabo sempre por ir ter às teorias das energias, aos comprimentos de onda, às energias radiantes e térmicas e ao contra-senso de a nossas emoções serem opostas, em termos de calor, à realidade.
Talvez um dia mergulhe no problema e encontre uma solução mais fácil.
De igual dificuldade é explicar a um cego o que é a fotografia. Na sua bidimensionalidade, na sua ausência de valores térmicos reais e na sua dependência exclusiva da luz para ser feita e desfrutada.
Por tudo isto, se eu tenho pudor em fotografar um desconhecido à revelia do seu conhecimento, mais ainda o tenho para fotografar um cego. Que não poderá saber o que faço ou o resultado do que faço.

Igualmente difícil será explicar de que se trata o meu projecto “Oldfashion” a um surdo.
A dificuldade de comunicação é óbvia e certos detalhes ou subtilezas da questão pela certa que não saberei explicar.
Foi o que senti quando, por gestos e a alguma distância, expliquei a gratuitidade das fotografias a uma mulher surda-muda. Que estava curiosa e bastante interessada em fazer-se fotografar.
Só que teria que ser com o homem que a acompanhava, igualmente surdo-mudo. Que, contra todos os argumentos por ela apresentados, não queria posar.
E a discussão durou uns bons 15 minutos, ele sentado num banco de jardim, irredutível, ela de pé na sua frente, gesticulando com vigor. Com argumentos que, ainda que eu os visse, me escapavam por completo.
Ao contrário do habitual nestas trocas de opiniões, ele levou a dela avante e a fotografia não se fez. Grátis ou não. O olhar triste e o encolher de ombros que ela me lançou, quando se afastaram, foram bem esclarecedores do seu desapontamento.
Mas, para mim, foi como que um alivio. Ainda não tinha inventado o como lhes explicar o que ali acontece. Para além do recurso à escrita, claro. Mas nada me garantia que fossem portugueses, o que ainda iria complicar o caso, se o não fossem.
Espero que, da próxima vez que por ali passem, ela ganhe a contenda. Que seria peça rara no meu arquivo, uma satisfação para eles e um pôr à prova a minha capacidade de comunicação.
Felizmente são apenas surdos!

domingo, 15 de junho de 2008

Play it again, Sam!


Nos tempos que se seguiram à revolução de Abril, por entre o que de bom aconteceu, coisas houve não muito recomendáveis, más mesmo.
Uma delas foi a necessidade sentida de vingança. Vingança sobre os esbirros do regime, sobre as figuras públicas e de estado e sobre os colaboracionistas, informadores e outros de menor calibre que, com os seus actos, iam mantendo o sistema repressivo.
Sendo um país de brandos costumes, estas vinganças não passaram por pesadas penas de prisão, pelo rapar de cabelos e, naturalmente, também não pelos pelotões de fuzilamento. Apenas fugiram ou foram expulsos do país ou empresas.
Nestas, a identificação dos elementos a expulsar (sanear como então se dizia) era feito pelos comités de trabalhadores, em tribunais improvisados de empresa ou sector laboral, onde as acusações eram feitas e os veredictos rápidos e de braço no ar.
Acontece que nem todas as empresas ou serviços tinham gente assumidamente afectas ao regime deposto. Mas, se a limpeza não fosse feita, se não se apresentassem culpados e punidos, corria-se o risco de as empresas ou serviços serem acusados de escamotearem os fascistas e os seus elementos receberem o mesmo apodo.
Assim, por todo o lado se faziam saneamentos, justos ou não, promovidos por gente de movimentos clandestinos anteriormente ou por aqueles que, aproveitando a ocasião, se faziam passar por tal. A estes, alguns denunciados, chamavam de “vira-casacas”.
Naqueles locais onde não havia possibilidade de apresentar culpas concretas, as votações “divergiam levemente” daquilo que hoje entendemos por processos democráticos: para que o resultado desse em culpado e haver o consequente saneamento, havia quem somasse os votos de culpabilidade com as abstenções, obtendo assim um valor numérico superior ao dos votos de inocência. E o saneamento acontecia, com as consequências que se pode imaginar para os que eram alvo de semelhante distorção das regras. E para gáudio dos agitadores políticos que, um pouco por toda a parte existiam, a descoberto ou nem tanto.
Mas a ignorância não era tanta assim, tal como não era a incapacidade de discernimento de muitos dos que estavam envolvidos nas votações. Mas clamar contra a injustiça era complicado, pois corria-se o risco de ser o próximo a ser votado para saneamento por colaboracionista ou informador da terrífica polícia política extinta. Alguns houve que não se calaram e pagaram caro, bem como as respectivas famílias, a coragem de defender inocentes!
A justiça e a injustiça andavam de mãos dadas, nem sempre primando pela transparência!

Vem este recordar os tempos de então a propósito do que está a acontecer com a ratificação do Tratado de Lisboa.
As regras da União Europeia dizem, muito claramente, que um tratado para entrar em vigor tem que ser ratificado por todos os estados membros. Seja a ratificação por plebiscito ou por decisão parlamentar, isso já é questão nacional, mas o conjunto das nações tem que aprovar unanimidade.
E, tal como aconteceu em 2005, desta feita também um país recusou os termos do Tratado em causa, tendo por consequência, a impossibilidade de o pôr em prática.
Mas os políticos dos maiores países já vão dizendo, discretamente ou nem por isso, que não é bem assim, que a vontade expressa pelos Irlandeses não é bem para cumprir e que, ou bem que eles mudam de opinião usando seja que método for, ou bem que podem começar a considerar uma saída da União Europeia.
Ou seja: Regras são regras, mas umas vezes são assim, outras são assado, dependendo de quem age ou manifesta discordância e do seu peso na economia europeia. Foi o caso de, há três anos, a França e a Holanda, terem dito que não ao Tratado de então e ele ter morrido logo ali, sem mesmo alguns outros países como Portugal se darem ao trabalho de o ratificarem, com ou sem plebiscito.
Será que esta atitude tem algo a ver com o conceito de “País Periférico”?
Ou será que a União Europeia é uma democracia, mas quem manda são apenas alguns?

As atitudes e declarações dos políticos europeus, agora surpreendidos com o voto popular, são de tal forma que parecem estar a passar um atestado de incapacidade aos seus eleitores, dizendo que estes nada sabem do que lhes interessa e que o melhor é mesmo deixa-los fora destas decisões.
Pouco falta para juntar, de novo, abstenções com os expressos num ou noutro sentido para se obter o resultado previamente decidido por uns quantos iluminados.
Até que subam ao candeeiro que os ilumina, pelo pescoço!

Memória fotográfica


Quando chegaram, vinham a medo.
Deixaram-se ficar de lado, enquanto eu falava com outro casal, cochichando entre si mas sem se aproximarem. Só quando fiquei sozinho se aproximaram.
No inicio da conversa achei um pouco estranho as suas atitudes, que queriam fazer uma fotografia, como era habitual, mas havia algo que não batia certo.
Só quando a conversa se soltou, ainda antes do “Olhó Passarinho!”, é que se abriram:
Queriam saber se eu teria duas fotografias e arquivo, feitas há quase um ano. Uma onde entrava ele, outra onde entrava ela. O elemento comum era um amigo de ambos, na altura “namorado” dela, que tinha falecido pouco antes do Natal.
Ali não a tinha, garantidamente, mas em casa por certo que sim. Que não me desfaço de nenhuma fotografia que faço, muito menos das feitas com esta câmara.
E fizeram a foto do costume, de pé no enfiamento da rua, com o banco e o candeeiro em campo.
Quando a receberam, e enquanto eu tomava as notas habituais, bem como as necessárias para encontrar o que me pediam, lamentaram não terem ficado a olhar um para o outro. Fazer outra, com o artefacto, seria quebrar os hábitos, mas nada me impedia de usar a Pentax, que aquele queixume merecia algo de diferente.
O conjunto de fotos já ali está, guardado onde não me esquecerei de levar entregar quando os vir de novo. Com uma impressão extra, esta, afixada ali no painel, que a história merece um realce especial.
E quem era ele? Fica na minha memória e arquivo, bem como na deles, que se estimam ou algo mais.
Desejo apenas que, daqui por um ano, um deles não me venha pedir a fotografia do outro!

sábado, 14 de junho de 2008

Friday 13...


... and the Lisboa treaty

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Photographer


Me by me

Um desejo!


Ao que parece, a paralização dos transportes pesados de mercadorias está mesmo para acabar. Estará por horas, a dar fé em notícias dos media on-line, a esta hora.
Mas lamento-o. Lamento-o profundamente e razões de vária ordem!
Junto com o bloqueio, acaba o triste espectáculo de ver os cidadãos a açambarcarem combustível, estando horas a fio em filas para atestarem os seus depósitos a fim de evitarem uma eventual falta generalizada. Claro está que nenhum deles pensa que a falta que se sente, no que toca a gasolina e gasóleo para automóveis se deve, principalmente, a esse açambarcamento. Que, se se tivesse consumido ao ritmo normal, e visto que a paralização estaria para acabar mais cedo ou mais tarde, os stocks nas gasolineiras não se esgotariam e não haveria esta escassez. É a regra do “cada um por si”, típica não apenas do português mas do ser humano que, sentindo-se em risco seja lá pelo que for, esquece de imediato (se alguma vez o lembrou) o grupo em que se integra.
Acrescente-se que este comportamento de ameaça remota e açambarcamento, com a consequente falta de combustível, é um pouco o que se passa no mundo inteiro. Só que, no lugar de faltar combustível, aumentam os preços da matéria-prima. A escalada do preço do petróleo que temos vindo a assistir nestes últimos tempos teve origem exactamente numa situação semelhante, em que o receio de uma eventual e remota possibilidade de falta na produção levou a que alguns, poucos, investidores começassem a comprar mais e a preços mais altos. Provocando uma bola de neve que todos vamos provando amargamente!
Por último, este bloqueio no sector dos transportes pesados e a consequente ausência de alguns produtos no mercado poderá ser uma boa oportunidade para que todos e cada um de nós pensemos e nos consciencializemos do peso que o petróleo tem nas nossas vidas, que este não durará para sempre e que, enquanto não temos soluções eficazes alternativas, bom será que tenhamos uma atitude de poupança, quer a nível energético quer a nível dos produtos que consumimos e dos hábitos de vida.
Basta olhar, nas migrações diárias em que todo o mundo se dirige para o trabalho ou para casa, e constatar que a esmagadora maioria das viaturas contem uma única pessoa e que o conceito da partilha do carro, com a comodidade e a economia daí resultante, é algo que não se pensa ou aceita. Muito menos deixar o carro à porta e usar os transportes públicos, que permitem uma garantia de regularidade e cumprimento de horários, bem como a leitura, a escrita, o tricot ou tão só o pensar e ver quem nos cerca, sem as preocupações de quem vai a conduzir.
Que o carro, para muitos, mais que um utensílio é uma afirmação social. E deixá-lo à porta é descer uns degraus na escala e ser-se inferior ao vizinho ou colega de trabalho.
Espero, sinceramente, que os sinais de acordo entre governo e camionagens não se confirmem e que esta paralização dure mais uns dias. Os suficientes para que o pacato do cidadão aprenda mesmo qualquer coisa com ela, que não seja olhar em exclusivo para o seu umbigo! E, quem sabe, descobrir novos prazeres na vida!


Texto: by me
Imagem: in RTP

terça-feira, 10 de junho de 2008

10 de Junho


Os cidadãos não perdoam, os media também não e o aproveitamento político é consoante a época: as gafes!
Há pouco foi o primeiro-ministro a fumar num avião português, vindo depois afirmar que desconhecia a proibição.
Agora foi o Presidente da República a afirmar que o dia 10 de Junho é o “Dia da raça”.
A ala esquerda parlamentar não perdoou e levantou-se quase em uníssono a protestar. E a pedir explicações. Que o termo “Dia da raça” era usado em tempos, fazendo lembrar a segregação racial existente (ainda que discreta) e a manutenção (a todo o custo e sangue) das colónias.

Num noticiário televisivo afirmava-se que a expressão é do tempo do “Estado novo”.
E o jornalista que o disse, questionado sobre o porquê do uso da expressão “estado novo” no lugar de “regime fascista”, respondeu sem pudor que o termo “fascista” seria demasiado violento para a circunstância.
Claro que o facto de todos saberem ou terem a noção que o “regime fascista” se refere a decénios de ditadura derrubada em 1974 e que a maioria da população não sabe, por ignorância académica ou desinteresse politico e histórico, que “estado novo” foi o nome assumido pelos fascistas portugueses, emparceirados que estavam com Espanha, Itália e Alemanha, pouco ou nada é importante.

Podemos sempre aligeirar ou carregar as cores daquilo que contamos. Mas um jornalista, um profissional de comunicação, tem o dever de não colorir aquilo que relata, nem a favor nem contra. Não usar de classificações nem emitir, no texto ou na antena, opiniões pessoais. Assim o espera o público e assim o exige o código deontológico.
E, para que conste, o “Dia da raça” era um dos nomes dados ao dia 10 de Junho pelo regime de Salazar, durante muitos anos.
Demasiados anos, para nossa tristeza e vergonha.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

A bandeira


Não tem muito que saber!
Em Portugal, as janelas passaram a ser montras onde cada um exibe os símbolos dos seus sonhos ou sentimentos. De um consumismo desenfreado ou de um nacionalismo exacerbado e absurdo!
O Natal e o futebol são motivos para pendurar, nem sempre da forma certa, os Pais Natal made in China, bem como as bandeiras nacionais, muitas com a mesma origem e com pagodes no lugar de castelos. Um pagode de riso!
Não sou menos que os demais e também exibo os símbolos do meu estado de espírito, de acordo com a época e, de alguma forma, em consonância com o que sucede em redor. E, em redor, todos desejam que uns quantos sejam os maiores nos pontapés e fintas e que acertem mais vezes que os seus oponentes nas balizas.
E é isto, o futebol, que move o povo Português!
Mas eu, também levado pelo fervor nacionalista, prefiro antes estar de luto!
Pelos meus concidadãos e vizinhos!
Que gastam energia e dinheiro em torno de uma equipa de futebol, em torno dos seus ídolos da bola, com ou sem cromos mas certamente com transmissões televisivas, e que esquecem outros ilustres atletas, que tão bem ou bem melhor que à pantufada, representam e elevam bem alto as cores lusas!
Como é o caso de Vanessa Fernandes, multi-vencedora de taças do mundo, com dezenas de medalhas de ouro no palmarés. E que, aquando do seu regresso a casa depois de ser mais rápida que os restantes em prova, não vê esta mol de gente com bandeiras nos carros, nem com a sua fotografia nas janelas ou mesmo saberem que seja dos seus feitos. Que, apesar de apenas uma vez a cada prova, os media sempre vão divulgando.
Tal como não vejo os meus conterrâneos a baterem-se em conjunto por uma vida melhor, excepto quando lhes falta, realmente, o pão na mesa ou se o popó não anda por via do custo dos combustíveis.
Quanto ao resto, é cada um por si e todos por mim, que é mote que mais vigora neste jardim à beira-mar plantado e bem mal amanhado.
Nem mesmo quando se lhe pede que se pronunciem sobre decisões de fundo, no actos eleitorais. Que, apesar do pouco trabalho e nenhuma despesa, sempre se prefere uma cervejola fresquinha ou um passeio pelo shopping apinhado e a vender inutilidades.
Assim, na minha janela oscila ao vento uma bandeira negra. Que cada um se manifesta de acordo com o seu estado de espírito e eu estou de luto pelos meus patrícios!

Uma proposta


Bem sei que se trata de algo que, em regra, não tem grande aceitação: uma leitura. A esmagadora maioria das pessoas, nos tempos que correm, prefere coisas mais com bonecos e fotografias que com muitas letras. Mais ainda, esta que vos proponho até que nem é nada fácil de ler ao ponto de eu próprio ter a obra seleccionada para uma segunda leitura a muito curto prazo, com um ou dois livros apenas pelo meio para aliviar a cabeça.
No entanto, e apesar da sua densidade e dificuldade, trata-se das melhores coisas que li nos últimos tempos na abordagem e explicação do que é arte. Depois da primeira leitura, “de fio a pavio” e quase que sofregamente, acredito que tenho feito e tenho visto fotografia de forma diferente, ainda que os resultados continuem fracos como sempre.
Na badana interior pode ler-se:
Ao formar o seu pensamento sobre arte, Pareyson declara que não propõe uma estética da contemplação, mas sim da produção, não uma estética da expressão e sim da formatividade.
Neste livro, o autor apresenta os princípios fundamentais da sua estética da formatividade, além de ampliar o campo de reflexão, abrangendo uma gama muito diversificada de problemas, tocando questões fundamentais na reflexão artística, como a relação entre a obra de arte e sociedade, obra de arte e biografia, obra de arte e realidade, etc.

O livro em causa dá pelo nome de “Os problemas da estética”, escrito por Luigi Pareyson e publicado pela editora Martins Fontes, São Paulo.
Tropecei nele por mero acaso numa livraria, que não o conhecia ou ao autor e, apesar de andar agora à voltas com Rodolf Arnheim, não consigo esquecer algumas das questões apresentadas.
Para quem quiser ir um pouco mais longe ou mais fundo naquilo que faz ou naquilo que vê!

domingo, 8 de junho de 2008

Concrete wall


Uma vitória


Por considerar que pode influenciar negativamente as crianças
Tribunal proíbe RTP de emitir tourada de domingo antes das 22h30
04.06.2008 - 17h41 Lusa

O Tribunal de Lisboa proibiu a RTP de emitir antes das 22h30 a corrida de touros prevista para domingo às 17h00 por considerar que o programa é violento e susceptível de influenciar negativamente crianças e adolescentes.
A decisão foi tomada na sequência uma providência cautelar interposta pela Associação Animal que visava restringir a exibição televisiva de touradas pela RTP.
Considerando que a transmissão de touradas "é susceptível de influir negativamente na formação da personalidade de crianças e adolescente", como se lê na sentença judicial, o tribunal ordenou que a emissão só possa acontecer entre as 22h30 e as 6h00 e acompanhada de um identificativo visual permanente sob pena de a estação ter de pagar 15 mil euros e incorrer em pena de crime de desobediência qualificada.
A Lusa contactou a RTP para saber se já tinha recebido a notificação do tribunal e se iria acatar ou recorrer da decisão, mas até ao momento não foi possível obter nenhuma posição.
A estação de televisão tem anunciado a transmissão da "44ª Corrida TV" no domingo às 17h00 a partir da Praça de Touros Celestino Graça, mas o programa não se encontra nas previsões do site da estação.
A decisão foi qualificada pela associação Animal como "verdadeiramente notável" por confirmar as "alegações avassaladoras contra a exibição televisiva de touradas e contra os perigos que esta representa - justamente pela violência contra os animais que exibe".
Agora a Animal quer avançar com a acção principal do processo que pretende, como explicou o presidente da associação, que as televisões "não voltem a transmitir touradas fora do período compreendido entre as 22h30 e as 6h00 e sem a difusão permanente de um identificativo visual apropriado".
"Acreditamos que a atitude certa que a RTP deveria tomar seria a de não voltar a emitir quaisquer touradas. Trata-se de um espectáculo que foi considerado violento e inadequado para crianças e adolescentes por um tribunal", acrescentou Miguel Moutinho.


Texto: in publico.pt
Imagem: edit by me

sexta-feira, 6 de junho de 2008

A moedinha


Nunca encontrei dinheiro na vida!
Excepção feita àquela vez em que fui dar com uma nota de mil escudos muito mal tratada no bolso das calças, depois de lavadas. Mas isto não conta, já que mais ninguém usa as minhas calças e terei sido eu mesmo a lá a deixar.
Mas aquele “Achar”, de ir na rua e encontrar notas ou carteira, não terem nenhuma indicação de dono e, por razão de bom-senso, poder dizer “Já ganhei o dia!”, isso nunca me aconteceu.
Houve também aquela outra ocasião em que, num passeio pedestre na serra de Sintra, encontrei um Bilhete de Identidade. Era de um rapaz, de uns 14 ou 15 anos, não recordo bem e, no regresso, fui à esquadra de polícia entregá-lo, que lhe haveria de fazer falta.
A senhora agente que me atendeu olhou para mim, para o documento de um lado e do outro, para mim de novo e perguntou:

E onde está o resto?
Consegui ser educado e não permitir que a minha boca proferisse os impropérios que teimavam em querer sair. Mas sempre lhe disse uma ou duas das minhas que a deixaram tão branca quanto as divisas que ostentava nos ombros. E saí! Espero que tenham feito chegar o BI ao seu dono.
Mas, encontrar dinheiro, de algum valor, hoje foi uma estreia!
Estava ali, um tudo ou nada brilhante e solitária, esta singela moeda de um cêntimo, na plataforma de embarque dos comboios cá do meu bairro suburbano.
Ainda olhei em redor, não fora tratar-se de uma daquelas partidas em que a moeda está colada ao chão e, um pouco ao lado, alguns brincalhões se rebolam a rir com os incautos. Mas nada dava indícios de tal.
E fiquei à conversa com os meus botões:
Se a minha sorte não foi suficiente, até hoje, para encontrar dinheiro perdido na rua, não vou gastar o meu quinhão dela com esta moeda de um cêntimo. Quando a sorte me sorrir, neste campo, será de orelha a orelha e com os dentes todos!
E deixei-a lá ficar, trazendo, em contra partida, a sua imagem.
Acontece que a sorte, quando olha para mim, mostra-me uma expressão digna de uma tarântula com uma crise hepática. Assim tem sido e suspeito que continuará a ser, pelo que não conto ficar rico com o que encontrar no chão.
A minha única dúvida é se a fotografia que aqui vêem, bem como este texto que a acompanha, não valerão tanto quanto a moedinha que recusei apanhar.


Texto e imagem: by me

quinta-feira, 5 de junho de 2008

O elo 1


A história já tem alguns dias e, a dar fé no que AQUI li, até é repetida:
Terão sido encontradas no Amazonas profundo, perto da fronteira Peru/Brasil, aldeamentos de índios que não tiveram ainda contacto com o Homem dito “civilizado”.
Os avistamentos terão sido feitos de avião e, para o provar, ficaram as fotografias.
Ainda de acordo com a matéria lida, estas comunidades não são oriundas das zonas onde foram vistas, mas antes fugidas da desflorestação para cultivo ou extracção de madeiras.
Igualmente se contava que as autoridades Brasileiras estavam a envidar todos os esforços no sentido de manter estas tribos isoladas e afastadas da civilização, criando restrições a quem quisesse ir a estes locais.

Esta notícia provoca-me várias cogitações, pelo que conta por palavras e nos mostra com imagens.
Começando por estas, consta-se que os indígenas se sentiram ameaçados, quiçá com medo, e reagiram com a violência possível perante um avião, apontando-lhe arcos e flechas.
Presumindo que é verdade o seu desconhecimento do Homem-civilizado, menos ainda conhecem ou sabem o que seja um avião, por pequeno que seja. Então, o medo ou insegurança que sentiram não foi perante uma ameaça concreta, conhecida ou fruto de experiência anterior, mas tão só perante o desconhecido. Ao não conseguirem explicar o fenómeno visual e auditivo, a reacção foi de medo e reagiram agredindo ou tentando fazê-lo.
Poderemos tratar estes seres humanos de irracionais pelo simples facto de não saberem o que é um avião ou TV ou biblioteca ou armas de fogo? É que possuem armas elaboradas (arcos e flechas), constroem abrigos com transformação de matérias-primas (cabanas), possuem algum tipo de tabu (pois que, pelo que se vê nas fotografias, tapam as zonas púbicas), e até é provável que, de alguma forma, possuam divindades e respectivos rituais, talvez ligados à vida e à morte, à gestação, etc…
De irracionais nada terão, então!
Assim, o medo que tiveram foi resultado de uma incapacidade que sentiram de racionalizar o que constataram, tal como nós, os ditos civilizados, receamos ou tememos o escuro, a morte, os alienígenas.
Crianças e adultos, “civilizados” e “selvagens” reagem da mesma forma perante o desconhecido: medo e agressão!
Não é assim de espantar que a ficção, que materializa e exacerba pensamentos e afectos, aborde a eventual existência de seres de outros planetas como ameaças potenciais e que, tal como na realidade, preconize o “disparar primeiro e perguntar depois”!

Em contra-ponto com isto, recordo uma experiência pessoal, já com uns quantos de anos:
Num passeio numa zona serrana perto da capital, por alturas do raiar do dia, cruzou-se comigo numa estrada deserta uma doninha.
Ao vê-la estaquei e nem me atrevi a fotografar, não fora os meus gestos assustarem-na.
Por seu lado, o animal parou no meio do asfalto, farejou o ar e olhou para mim, através daqueles talvez nem dez metros, e deixou-se ficar por uns bons trinta segundos. Após o que retomou a sua marcha para a berma da estrada e desapareceu, sem correrias ou sobressaltos.
Durante aquele pedaço de tempo, entre mim, Homosapiens e racional, e a doninha, irracional e selvagem, não houve medo nem sensações de ameaça. Apenas curiosidade.

Pergunto assim: Quem poderá ser mais feliz? O Homem, com todo o seu conhecimento e civilização, nos seus diversos graus e que teme o que conhece e o que desconhece, ou os animais, que apenas reagem com medo ou violência perante ameaças concretas e conhecidas?
Não creio que sejamos os melhores do planeta!


Texto e imagem: by me

O elo 2


Sobre o assunto das comunidades índias encontradas e fotografadas no Amazonas profundo e que, supostamente, ainda não tiveram contactos com o “homem civilizado”, há ainda outro aspecto a considerar:
A atitude de manutenção do isolamento destas tribos que as autoridades brasileiras, bem como algumas ONG querem manter.
Para sustentar esta política, é argumentado que se devem manter as suas civilizações como estão, não permitindo que sejam “conspurcadas” com a dos restantes seres humanos. É também usado o argumento que estas comunidades não estão imunes a muitas das doenças típicas da nossa civilização e que um contacto entre ambas poderia ser fatal para eles.
Ambos os argumentos são falaciosos, se examinados à luz da cultura e civilização do séc. XXI!

No tocante às doenças, pela certa que o conceito de vacina existe há muito, bem como o de medicamentos paliativos e curativos. Bastaria um cuidado científico aturado nas relações inter-civilizacionais para que a questão fosse minimizada, senão neutralizada.
Já quanto à mistura cultural e da preservação destas comunidades, é uma atitude que prima por antítese das práticas actuais.
Em tudo quanto é zona do globo, nações, países, culturas influenciam-se reciprocamente, tentando que, de alguma forma, cada uma se sobreponha às restantes. E exemplos não faltam: desde a língua, com a quase universalidade da Inglesa, às religiões e respectivos conflitos, passando pela troca de culturas e sua aproximação que advém do uso das auto-estradas da informação.
Indo ainda mais longe, não faltam exemplos nos últimos lustros, para não recuar muito, de civilizações que se impuseram pela força das armas sobre outras, neutralizando ou quase as menos fortes. E quase sempre com o argumento da defesa dos direitos do Homem, ou do conceito de igualdade, democracia ou de auto-determinação: Países, e comunidades têm sido alvo de intervenções armadas, por parte de países ou comunidades internacionais ou não, com o resultado de os vencidos perderem parte das suas características civilizacionais em favor das dos vencedores.
Europa, África, Ásia, Américas e mesmo a Oceânia não têm escapado a estas guerras frias ou quentes ou meramente económicas, às tentativas de impor a uns as formas de vida e organização social de outros.
Claro está que este comportamento dos poderosos sobre os demais não pauta apenas por motivos ditos nobre ou humanitários. Outros há que, encapotados, ditam a existência ou não de intervenções e das suas profundidades. Veja-se o que acontece em algumas zonas africanas ou do médio-oriente.
Assim, as atitudes das autoridades do Brasil, bem como as de algumas ONG, que defendem a manutenção do isolamento daquelas tribos ditas “selvagens”, não são consentâneas com o comportamento generalizado dos países e comunidades internacionais.
Ou talvez esteja, já que, que se saiba, naquela zona não existe petróleo, gás natural, ouro ou qualquer outro bem da natureza, precioso e cobiçável. O único que é disputado é a madeira e o terreno para cultivo. Mas como nem uma nem outro são rentáveis para as autoridades ou são passíveis de disputa ideológica, não merecem a tenção de outros locais ou povos.


Texto e imagem: by me

O elo 3


Mas a questão dos índios brasileiros isolados no Amazonas profundo e o desejo das autoridades em os manter isolados do resto da humanidade pode ainda ter outra visão.
Generalizada a todas as culturas vigora o princípio do “livre arbítrio” bem como das regras e sanções. Por outras palavras, cada um (individuo ou grupo) é livre de fazer o que entende, desde que não infrinja as proibições, situação em que é objecto de punição. A sociedade não está organizada no sentido de dizer o que é bom ou positivo de fazer, ser ou pensar mas tão só no que é mau ou negativo de ser, fazer ou pensar. Rege-se pela negação!
Mas esta atitude de pseudo-liberdade é negada a este punhado de seres humanos que ali vivem. Nega-se-lhes a possibilidade de conhecerem como os seus semelhantes vivem (material e filosoficamente). Nega-se-lhes a liberdade ao impedi-los de acederem a todo o conhecimento disponível ao ser humano. Nega-se-lhes o livre arbítrio já que se os impede de poderem (ou não) viverem como nós mesmos vivemos.
Esta atitude de os ter fechados numa redoma (verde, neste caso) protectora, sob o pretexto de não os “contaminar” com a nossa existência, é, no fundo, uma atitude paternalista com base no conceito de que nós, os civilizados, é que sabemos o que é bom ou mau para eles.
Como se nós, os “civilizados”, possuíssemos todo o conhecimento do bem e do mal e, com isso, pudéssemos conduzir a humanidade (ou parte dela) a uma estádio superior ou melhor.
Com esta atitude de super-protecção e de definição de superior e inferior, sou obrigado a recordar-me do que aconteceu no passado, não tão distante quanto isso, com os Espanhois e Portugueses que, sob o pretexto de salvar as almas do paganismo, forçou a adopção do Cristianismo a todo o custo, mesmo pela força das armas. E, de caminho, ia negociando escravos e bens, que “Quem não é do nosso clã civilizacional, não é gente nem é nada!”
Violenta esta comparação? Pois será! Mas, na verdade, ao impedirem estas comunidades ao acesso aos restantes ser humanos, mais não estão que a criar prisões, sem grades e com muitos Km2, em que os contactos entre ambos os lados da “vedação” estão proibidos e quem está lá dentro não pode saber o que está cá fora.
Seremos nós, os “civilizados” tão bons que possamos decidir o futuro de uns poucos que nem de nós sabem, quanto mais terem-nos feito algum mal?
Não o creio!


Texto e imagem: by me

O elo 4


Pensando de novo sobre o bloqueio civilizacional imposto a algumas comunidades isoladas no Amazonas profundo, consigo imaginar mais um motivo para tal, imposto pelo “homem-civilizado”:
Antropologia, Sociologia, História e outras ciências e disciplinas de investigação.
Efectivamente, o estudo do Homem, da sua cultura, desenvolvimento e respectivos comportamentos é, em regra, baseado em documentos. Quando os estudiosos querem investigar, ao vivo, as civilizações que, de alguma forma, se possam assemelhar ao que fomos, o simples facto de eles, os estudiosos, estarem no local e com os estudados compromete o resultado da investigação ou estudo, já que a sua presença e hábitos irá “contaminar” a civilização estudada.
Encontrar uma comunidade não conspurcada pela sociedade actual e que viva de acordo com a sua ancestralidade é situação rara.
Tão rara é que merece, do ponto de vista dos estudiosos, ser conservada impoluta e virgem e que, com as tecnologias adequadas, se a possa estudar sem intrusão ou contaminação.
Esta raridade é tal que se pode assemelhar a ser encontrado um rochedo desconhecido, algures num oceano, onde viva ainda uma comunidade de pássaros Dódó. Seria uma viagem ao passado, materializada fora dos ecrãs de cinema, que nenhum estudioso poderá desdenhar!
Assim, com estas comunidades não contaminadas e mantidas no isolamento, é uma espécie de laboratório ideal e de se usarem os “microscópios” certos para os estudar. A bem dos restantes seres humanos do globo.
Este jardim zoo-humanólogo é um maná e não há bilhetes à venda para se o visitar. A menos que se pertença à sociedade científica.
Claro que a eles, aos que se encontram na reserva civilizacional, não se lhes pergunta se ali querem estar fechados e ignorantes de todo o resto, tal como não se questiona símios, repteis ou felinos ao colocá-los nos parques temáticos ou jardins zoológicos.
Que nós, democraticamente falando, temos todo o direito, por razão de maioria, de circunscrever ou mesmo prender para efeitos de ciência, aqueles que de nós são diferentes.
Sejam quais forem as manifestações dessa diferença!


Texto e imagem: by me

O elo 5


Para concluir esta mini-dissertação sobre as comunidades índias do Amazonas profundo mantidas afastadas do resto da civilização e humanidade:
Façam lá o favor de os manter afastados de nós! Que, em boa verdade, em quase tudo o que tocamos, conspurcamos ou destruímos!
É que, se felicidade é podermos ser livres naquilo que queremos, o melhor é mesmo deixá-los afastados das nossas próprias prisões e tabus.
Que nós, os civilizados, não prestamos!


Texto e imagem: by me

terça-feira, 3 de junho de 2008

Do outro lado


Tenho andado no dentista. Em regra vou lá de manhã, pelas nove horas, o que tem a vantagem de ser conveniente para o meu horário de trabalho e de não esperar por vez, já que serei sempre o primeiro.
O consultório, onde não passo maus momentos ao contrário do que seria de esperar, mas tão só vou reparar aquilo que se vai estragando, fica ali na Av. Almirante Reis, em Lisboa. À saída, e porque tenho tempo, vou-a descendo, passando pela zona dos Anjos, pelo Intendente e pelo Martim Moniz.
Na primeira, mesmo em frente da respectiva igreja, fica aquilo que conheço por “A sopa dos pobres”, que mais não é que uma cantina que fornece refeições aos pedintes, vagabundos e sem-abrigo.
A zona do Intendente, com o seu largo mal afamado, é zona clássica de putas e chulos, de há uns tempos a esta parte reforçados com a presença de drogados e respectivos comerciantes e traficantes.
O Martim Moniz é praça dominada pelo comércio de bijutaria, venda ou revenda de artigos de quinquilharia e para as lojas dos chineses e ponto de encontros do cadinho de culturas em que a zona velha da cidade se tornou. Nem bom nem mau, apenas isso, com indianos, africanos, orientais, com ou sem trajes típicos eles e elas, que partilham o espaço e as crenças com a capela secular e as tradições das encostas das colinas.
À hora a que costumo sair do consultório, é estranho constatar que a azáfama lá em baixo já é bem grande, sob o olhar vigilante e complacente dos polícias da esquadra que lá existe, que em redor da igreja já se vão juntando os que esperam pelo único momento agradável do dia (uma refeição quente) e que a zona do “ataque”, ferozmente patrulhada agora pelos cívicos, é agora apenas uma zona de prédios degradados e de pensões com pouco movimento. Que elas e eles subiram na avenida e mudaram de poiso. O “trottoir” passou agora, sob vigilância apertada dos que vivem de vender o sexo das outras, para a zona onde o meu dentista tem o seu espaço.

Acontece que hoje fui ao tratamento de tarde. Ao sair do consultório, pelas 17 horas, mais coisa menos coisa, percorri o mesmo caminho. Mas a “fauna” é outra. E bem mais abundante!
As putas estão a cada esquina, em grupos de duas ou de três (desculpem os mais sensíveis, mas não conheço nenhuma outra palavra que defina, com rigor, a sua profissão), e as abordagens aos potenciais clientes é bem mais agressiva. E a sua categoria etária sobe assustadoramente, sendo que nenhuma delas teria menos de 45 anos, com boa vontade. E com um ar de decadência que, provavelmente pela minha falta de conhecimento deste lado do mundo real, assusta qualquer um, por mais prevenido que possa estar.
Nas imediações da igreja, as movimentações já são outras, que os que por ali vão estando começam ou continuam a marcar o espaço onde irão colocar os seus cartões que farão de catre e coberta para a noite, tenha ela a clemência ou inclemência que tiver.
Não é, de facto, um ambiente que se recomende visitar, ainda que os riscos sejam pequenos, se alguns.

A questão que se me pôs, ao ir descendo a avenida, seria simples se o fosse: Como retratar aquele ambiente, com fotografias, sem invadir as intimidades daqueles que já não a têm ou que a vendem num quarto barato de pensão? É uma fronteira que não quero ultrapassar, não apenas por uma questão de pudor para com aquelas vidas que já não de sobrevivência mas tão só de existência, mas também porque a intrusão não é bem aceite nestes meios, como é de esperar.
Eis então que dou com este prédio onde se tenta, inutilmente, adiar a intervenção do camartelo para o erguer de um qualquer edifícios de escritórios, arrastando ou sendo arrastado pelos restantes que terão o mesmo fim. E, rapando do telélé, fotografei. Que aquelas existências, atarraxadas, fechadas, sem saída, pouco mais fazem que sonhar com apartamentos onde nunca entrarão e com um sol que apenas entrevêem nas vielas onde se arrastam ou reflectido nos vidros dos carros que as solicitam.


Texto e imagem: by me

Nota extra: nem imaginam a cara com que ficou o capataz da obra ao ver-me fazer esta fotografia, e como ficou a olhar para os canos recém-colocados, tentando, suponho, descobrir que ilegalidade teriam que justificasse o seu registo.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Sugestão musical


Perdoa-se o mal que faz pelo bem que sabe!
Esta é uma frase popular que justifica muita coisa, em particular os abusos. Neste caso eu subverto-a para uma outra linha: “Perdoa-se o mal que sabe pelo bem que faz… à alma!
Refiro-me a uma sucessão de eventos musicais, gratuitos para quem não quiser gastar dinheiro, que acontecem pela cidade de Lisboa, todos os domingos até final de Setembro.
Patrocinados por uma marca de águas com sabores a isto e a aquilo (de que eu não gosto, francamente) estão a acontecer concertos de Jazz todos os finais de Domingo em jardins e parques públicos da cidade.
Já tinha dado com eles o ano passado, no Jardim da Estrela, mas pensava ser um evento pontual. Enganei-me e, este ano, regressaram.
Passei um óptimo fim de tarde no jardim do Campo Grande, bem junto ao lago dos barcos, em que lia e ouvia, quase me abstraindo do ruído dos automóveis que, nas minhas costas, iam passando.
No caso particular do mês de Junho, o agradável da situação passará também, e para além de ouvir a música e beber as tisanas (para quem delas goste), por fazer tudo isso embalado num pequeno barquinho a remos, como estes aqui na imagem.
Recomenda-se vivamente e, para quem queira saber mais, AQUI vos deixo o link para que conheçam o programa.
E, já agora, comprem umas garrafitas da beberagem que, se a publicidade não surtir efeito, para o ano não haverá mais, suponho.

domingo, 1 de junho de 2008

De novo


Aí estão elas de novo!
Pudicamente esticadas e engomadinhas atrás dos vidros ou enrodilhadas ao vento, as bandeiras de Portugal estão outra vez a dar alguma cor ao cinzentismo nacional.
Estas cores sazonais cuja moda, muito curiosamente, surgiu a pedido de um não-nacional, já estão um pouco por toda a parte, cada qual a querer antecipar o vizinho na sua fé nacionalista e a suplantar os demais no tamanho dos trapos que exibem.
Enoja-me este cerrar de fileiras em torno de uma equipa de futebol e o total alheamento cívico ou comunitário destes portugueses de mesa de café e de bancada.

Por mim, irei fazer uma de duas coisas:
Ou bem que vou desencantar, de onde está arrumada, e hastear a bandeira da Catalunha (cada um exibe aquilo de que gosta);
Ou bem que vou comprar cetim preto, fazer uma bandeira de luto e exibi-la em honra da tacanhez de espírito dos meus conterrâneos.

Nature


It doesn’t matter the way we look at it!
Every year they fall, with no pattern, just following the rules of age, gravity and wind. Nothing else.
There are no ethics or aesthetics considerations about it!
But they are as beautiful here as they are up there, on the branches.