segunda-feira, 7 de julho de 2025

A boneca




No café aqui da rua vejo a mocinha de serviço na caixa às voltas com uma caixa contendo um boneca. A caixa era grande, meio metro bem medido, e a boneca na proporção. E estava ela, a mocinha, de conversa com um cliente.

Quando fui pagar meti-me com a mocinha, dizendo “Então, ainda brinca com bonecas?”

A resposta calou-me a vários níveis.

“É de um cliente que me pediu para a guardar aqui até mais logo. É para mandar para a filha, em Cabo Verde, que queria uma boneca da Europa.”

Contém tanto esta resposta que é difícil de enumerar.

A fotografia? É de arquivo e com uns 20 anos. Não queriam que eu fosse fotografar a que há-de realizar um sonho em Cabo Verde, pois não?


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sábado, 5 de julho de 2025

F.....




As coisas são como são: puritanismos bacocos.

Num jornal on-line mostram-nos um curto vídeo onde um homem caído no chão é violentamente agredido a soco e pontapé na cabeça.

Alguém junto ao telemovel e fora de imagem pergunta se se chama uma ambulância e um terceiro, também fora de imagem, responde “Não, que se f...”

O que está entre aspas é a cópia do texto do texto do jornal. Já o vídeo, na palavra censurada, tem o clássico piiiiiii por cima para que não a oiçamos.

Palavras ditas feias, mas que todos conhecem, têm que ser disfarçadas para não ofender os bons costumes. Já um homem indefeso e caído no chão ser pontapeado na cabeça, nas costas, no torax, no ventre... isso já se pode mostrar a todo o público e de todas as idades.

Já agora: isto aconteceu em São Martinho do Porto e o agressor é espanhol e pescador. E já referenciado e impune por actos semelhantes.

Mas os perigosos são os migrantes da ásia, da áfrica ou das américas.

 

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5

 

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sexta-feira, 4 de julho de 2025

Boa ou má




Tenho para mim que não há boas ou más fotografias.
O conceito de bom e de mau é um conceito social que, muitas vezes, entra em conflito com as opções de quem fotografa.
Pior: Limita quem fotografa a fazer o seu trabalho pela opinião da sociedade, deixando para trás, tantas vezes, a sua própria capacidade de inovar e criar.
Entendo que uma fotografia é boa quando consegue satisfazer o seu autor. Quando ele olha para ela e se revê no que nela “lê” e sente. Isto é uma boa fotografia!
A partir daqui entra em campo a questão do gosto dos demais e da eficácia da comunicação.
Se a fotografia agrada à maioria leva o carimbo de boa. Se também agrada aos especialistas será excelente.
Mas, e antes de mais, a fotografia, o trabalho realizado que transformou aquilo que foi visto e sentido naquilo que o fotógrafo entende por um equivalente fotográfico, tem que agradar ao seu autor.
Claro que a fotografia também é uma forma de comunicação. Por isso existem os livros, as galerias, os álbuns, os grupos. As mais das vezes fotografa-se para outros vejam e sintam o que o fotógrafo viu e sentiu.
E quando tal acontece, a fotografia é eficaz na sua função de comunicar.

Mas também sabemos que comunicar, mesmo que com fotografia, implica o partilhar de códigos comuns. Tal como a escrita. Ou a música. Ou a escultura. Se quem o vê não entender os códigos usados por quem o fez, a ponte da comunicação não existe.
Daí que exista uma tendência generalizada em fotografar usando de códigos (técnicas e estéticas) que sejam do entendimento generalizado dos destinatários. Algum tipo de formalidade no fazer de fotografia.
Esta formalidade, este usar de códigos generalizados na fotografia, acaba por fechar portas à capacidade que cada um possa ter de se satisfazer com o que faz sem pensar nos outros. Acaba por limitar a criatividade absoluta, obrigando a criar de acordo com os códigos instituídos.
Mais do mesmo, portanto!

Claro que os chamados “profissionais” a isso são obrigados. Têm que agradar aos clientes!
A sua principal preocupação, ao fotografar, é que os sentimentos expressos nas fotografias que fazem, se alguns, sejam entendidos por quem lhes paga o trabalho. Que é isso que deles se espera.
Se a gestão do espaço e dos elementos nele (composição), se a nitidez ou as relações entre o claro e o escuro não estiverem de acordo com a técnica e estética em vigor (os códigos de comunicação) dificilmente será vendida. Quer seja uma fotografia de um acontecimento social, uma reportagem de guerra, paisagem ou vida animal. Não aparecerá numa revista ou jornal, ninguém a verá num cartaz publicitário nem constará no álbum de casamento.

Será uma necessidade do fotógrafo definir aquilo que lhe agrada e aquilo que agrada ao consumidor. E ter a coragem de o assumir.

Nunca disse a um aluno ou formando “Essa fotografia é má!”
O mais que fiz foi dizer-lhe “Não gosto” ou “Não entendo”. E, acto continuo, pedir que ma explicasse, que sobre ela discorresse em voz alta. E que me dissesse se ela correspondia ao objectivo a que se tinha proposto. E se esse objectivo era pessoal ou comunicação de massas.
A classificação de boa ou má seria a dele, de acordo com isso e com a conversa.

Que o mais importante é a satisfação do próprio. O resto é socialização. 


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quinta-feira, 3 de julho de 2025

No pátio




Teria uns sete ou oito anitos.
Irrequieta e palradora, acabou por vir sentar-se no banco onde eu estava, dizendo que também queria uma fotografia.
Não era o momento, que o mestre fotógrafo estava a cuidar de outras fotografias, nem era a vontade da mãe, creio que pelo preço.
Em qualquer dos casos ficámos os dois de conversa, ela muito “crescidinha”, eu a ver o que dali sairia.
A certa altura diz-me ela:
“O senhor tem uma grandes barbas, como o meu avozinho que já morreu. E ele também tinha uma grande pança.”
A mãe, que por perto ouvia a pequena, ficou sem saber o que dizer nem o para onde olhar.
Já eu, honrado pela comparação e sem querer estragar aquela bonita memória, disse-lhe que a barba é deixar só crescer e a pança é difícil de dominar.
Um nico depois levantou-se ela, muito senhora de si, e foi espreitar os gestos mágicos do photógrapho.
E eu deixei-me ficar sentado onde estava, cansado de um dia particularmente longo, e a tentar perceber se ainda serei fotógrafo ou se já terei passado à categoria de fotografia.

A mãe da catraia, bonita que era e, reparei então, vestida de preto, sorria discreta ainda no mesmo lugar.


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quinta-feira, 26 de junho de 2025

Pedro




Viveu como pôde, onde pôde. Comeu como pôde o que pôde.

De Kiev a Vladivostok, foi cumprindo o seu ofício militar até desistir e vir, embarcado ou não, até aqui onde a terra acaba e o mar começa. Há vinte e tal anos.

Foi trolha, almeida, coveiro. Foi o que os outros não quiseram, enquanto pôde. Casou e foi corrido, que o álcool é mau conselheiro. Nunca se drogou.

Sonhava. Sonhava, muito timidamente, em ter uma companheira. E sorria, enternecido e envergonhado, quando disso falava. Sonhava em regressar à Ucrania e às divisas de capitão, “para ajudar, que aquilo está mau”. Sonhava acordado, sabendo que estava a sonhar.

Rebelde a regras, como é apanágio nestes casos prolongados, nunca se deu bem nos abrigos que lhe arranjaram. Conheci-o a viver num carro velho. O apoio social internou-o num hospital e, quando regressou, tinham roubado o carro e todo o conteúdo. Todos os seus bens. Contou-me, alguns dias depois, que tinha encontrado uma das suas malas bem velhas no lixo. Vazia, claro. Refugiou-se com uns papelões e paletes, num recanto pacato, a meia distância entre um salão paroquial e uma sala de culto islâmica. Dizia que estava bem acompanhado.

De dia parava por aqui, na entrada da lavandaria. Não incomodava ninguém, lá dentro há cadeiras sem consumo obrigatório e o calor das máquinas é reconfortante. Toleravam-no.

Encontrávamo-nos quase todos os dias por aqui, no cruzamento da rua, as mais das vezes junto ao café-pastelaria. Amiúde era ele que se aproximava, com o seu passo lento e sofrido. E entre uma moeda para um “café” e um ou dois cigarros que partilhávamos, falávamos. De deus, de militares, da vida e dos ofícios, das pessoas. Algumas vezes, em indo eu à lojinha por um artigo de última hora para o meu almoço ou jantar, convidei-o a entrar e escolher o dele. Acedia relutante e sempre comedido no que trazia. Nunca foi vinho.

Mal visto pela vizinhança, poucos éramos os que lhe dirigiam a palavra. E os demais quando dele falavam sempre foi com sete pedras na mão. E foi de uma dessas bocas que hoje fiquei sabendo que as sirenes que ouvi de manhã eram para lhe vir buscar o corpo.

Creio que este é o único epitáfio que o Pedro terá.

 

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quarta-feira, 25 de junho de 2025

Contradições




Uma coisa e o seu contrário.

 

Pentax K1 mkII, Pentax-M macro 100mm 1:4


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Reciclagens




Esta tampa traseira de objectiva é minha conhecida há dezenas de anos. Sacrifiquei-a originalmente num projecto que resultou e que foi refinado de outra forma e com outras tampas. De então para cá tem servido para vários usos que, convenhamos, não lhe aumentaram a beleza. Alguns para uso privado, outros para efeitos didáticos. E se assim está é porque não é coisa fácil de encontrar e não sacrifico uma tampa em bom estado à toa.

Fará parte de um projecto que tenho em mãos e que resulta de duas frases velhas, uma dita por um mestre e compincha faz muito, outra que se me surgiu  uma manhã no banho e que tenho usado até me cansar:

“Sei como se faz mas ainda não sei fazer” e “Se eu souber porquê sei como”.

Em completando e testando o projecto decidirei se faço o sacrifício de outra e guardo esta para outras ocasiões ou se ficará agregada ao que agora criar.

 

Pentax K1 mkII, Pentax-M macro 100mm 1:4


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terça-feira, 24 de junho de 2025

Knight at sun set



 

Pentax K7, Sigma 70-300


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domingo, 22 de junho de 2025

A primeira




Quem não recorda o primeiro amor? Ou o primeiro carro? Ou, no caso de fotógrafos, a primeira câmara?

De um modo ou de outro, para além de a recordar conservei-a. Esta.

Uma pobre coitada, com mais de meio século, que não mereceria um segundo olhar pela sua simplicidade, mesmo na sua época. E imaginamos (sei-o) pela sua modesta qualidade óptica. E pelo seu estado de conservação, que levará qualquer um a perguntar porque ainda existe.

Mas, seja como for, foi a minha primeira e dessa nem esquecemos nem desvalorizamos.

Veio parar às minhas mãos de uma forma insólita: a empresa onde meus pais trabalhavam tinha o hábito de dar uma prendinha pelo natal aos filhos dos funcionários. Ajustada a prenda à idade de cada um dos ofertados. E todos os anos mudavam de prendas.

No ano em que fiz 12 anos, idade limite para se receber a lembrança ou brinquedo, foi uma câmara destas. Esta mesmo foi a que recebi.

Nunca lhe dei a devida atenção. Se, por um lado a fotografia era coisa particularmente cara de praticar, eu ainda não tinha descoberto o que ela poderia ser e fazer. Creio que fiz dois rolos de 120, (doze exposições cada) e nada mais.

Tem vindo a ser guardada em caixas ao longo dos anos, nem sempre com os melhores cuidados de conservação. E está neste estado agora. Mas apenas visual, que simplicidade do seu mecanismo é de durabilidade garantida. Claro que a óptica e o visor sofrem de “cataratas”, mas também nada tenho feito para o evitar.

Nas voltinhas que tenho dado por feiras de velharias, de quando em vez lá vejo uma. Com tão bom aspecto que apetece traze-la para substituir esta pobre coitada, há muito a pedir a reforma eterna.

Mas, caramba, esta foi a primeira. E por muitas e bem mais valiosas que tenha ou venha a ter, nada nem ninguém lhe retira esse título nem os afectos.

 

Pentax K1 mkII, Pentax-M macro 100 1:4


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Erros




Aprendi com a vida que nunca se aprende tudo.

Mas também aprendi que quem não tenta não corre o risco de errar. E que muito aprendemos com os erros.


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