quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Memória




Um dia fiz uma fotografia.


Depois, fiquei a olhar para ela e a perguntar-me: “Para que serve?”

E quando acabei por me recordar da frase, mais que batida e de uma fábrica de películas “Para mais tarde recordar”, fiquei com uma outra pergunta a atazanar-me a cabeça:

“Então se aquilo que me fez guardar algo para recordar era suficientemente importante para eu ter o cuidado de me não esquecer, não serei eu capaz de guardar isto na minha própria memória, com tudo o mais que a fotografia não mostra - cheiros, sons, paladares…?”

Dessa data para cá fiz muitos milhares de fotografias. Umas porque quis, outras porque mo pediram. Mas nenhuma delas para mais tarde recordar.

Que, se a minha memória o não guarda, então não é importante.

As imagens que produzi neste entretanto foram, acima de tudo, pelo meu prazer de ser capaz de fazer uma imagem contendo algo que fosse passível de me agradar e, eventualmente, de agradar a terceiros. E que contivesse uma história, explícita ou implícita, que eu quisesse que outros a ela acedessem.

Quanto ao resto, prefiro guardar em mim.

Para me não esquecer, tenho blocos de apontamentos, escritos com luz ou com tinta: nomes, endereços, ideias a trabalhar posteriormente… Mas não são fotografias: são instrumentos de trabalho.


Que eu sou tudo aquilo que fui. E o que tenha esquecido de pouca monta será.


By me 

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Sem título




Pentax K1 mkII, SMC Pentax 28-200 1:3,8-5,6


By me

sábado, 12 de outubro de 2024

Teatro




Quem quer que alguma vez tenha feito fotografia de palco sabe que o maior inimigo do fotógrafo é o baixo nível luminoso existente.
Não é isto um defeito: é uma característica.
A iluminação de um espectáculo, seja ele de teatro, de música ou de bailado, não é apenas para que ele seja visível. É criar ambiências compatíveis com o que acontece nas tábuas, ajustando as zonas de luz e cor ao desenrolar dos acontecimentos.
Se alguns espectáculos teatrais (pensemos em revista à portuguesa, por exemplo) sugerem uma luz uniforme, garrida e de fácil leitura, outros exigem bem o oposto, criando zonas de penumbra ou mesmo escuridão total.
Acontece que o olho humano é muito mais sensível às amplitudes lúmicas que os materiais foto sensíveis. Sejam eles electrónicos ou fotoquímicos. Uma relação de contraste de 1:100 ainda tem leitura para o ser humano, é o contraste total para uma câmara.
E os espectáculos são feitos para serem vistos pelas pessoas, ao vivo e a cores.
Em havendo equipamentos de captação de imagem (fotografia, vídeo, cinema) ou bem que há reforço luminoso ou bem que os contrastes são terríveis na grande maioria dos casos. Daí que, em sendo captados, há sempre ajustes na iluminação de cena, mesmo que com prejuízo para o público na plateia.

Em tempos fui fotógrafo de teatro. Um trabalho que me deu muito gozo, que aconteceu quase que por acaso e no qual aprendi muito. Sobre fotografia, sobre teatro, sobre o género humano.
Claro está que os níveis luminosos eram baixíssimos. As peças ali levadas à cena assim o exigiam. Tal como a exiguidade do equipamento de iluminação, acrescente-se.
De vontade ou não, fui obrigado a usar película em preto e branco. E por vários motivos.
Por um lado devido à temperatura de cor. Há trinta e tal anos a película preparada para luz artificial era, na melhor das hipóteses, de sensibilidade limitada a ISO 800. E, mesmo assim, difícil de encontrar à venda e dificílimo de encontrar quem bem a trabalhasse.
Por outro porque o “grão” que as altas sensibilidades tinham sempre foram pouco admissíveis em cor. No preto e branco aceitava-se, como sendo parte integrante do processo. Agora em cor… só em trabalhos de autor e, mesmo assim, o público não o aceitava lá muito bem.
Por fim porque, não tendo eu laboratório de cor, seria particularmente dispendioso o mandar imprimir com correcção de enquadramento. E moroso. Desta forma, tendo eu o laboratório de P&B, os ajustes eram feitos à minha medida. E esta era em função do quanto o grão ficava visível e da objectiva que tinha podido usar.
Isto porque, à época, a panóplia de objectivas que tinha era limitada e não muito luminosas, para além, naturalmente, da 50mm. Mas esta apenas permitia mostrar o palco, não o contar da história, que era o que eu queria e o motivo de me terem contratado com exclusividade.
O uso do Preto e Branco nem sempre é uma opção estética. Por vezes, não havia outra solução.
Na imagem, o actor João Guedes, então integrante do TEL, Teatro Estúdio de Lisboa, interpretando a peça “O homem que se julgava Camões”, 1981.

Entendo a fotografia em preto e branco como um caso particular da fotografia.
Não a tenho por melhor ou pior que a fotografia colorida, apenas se adequa ou não nalguns casos.
Como as cores saturadas, como os High Key, como as silhuetas…


By me

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Citações



"On résiste à l’invasion des armées; on ne resiste pas à l’invasion des idées.”

Victor Hugo

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Pentax K7, Sigma 70-300


terça-feira, 8 de outubro de 2024

Memórias




Uma pequena grande história, verídica mas que poderia ter sido escrita por Corín Tellado.

Quando eram jovens namoraram-se. Do modo que os costumes de então permitiam e os afectos que tinham impeliam. E tinham um projecto a dois.
Acontece que nesse entretanto ele “deu uma facadinha” no namoro. As coisas não correram bem e acabou por ter que casar com esta outra. Outros tempos, outros modos.
Mas os afectos originais mantiveram-se para além dos anos.
Quando ele enviuvou, já adiantado na idade,casou com ela que havia esperado por ele.
Conheci estes meus tios-avós já em fim de vida, era eu pequenote.
Do que recordo, entre a memória e o desejo, eram um casal velhinho, vivendo num rés-do-chão no meio da cidade, com um quintal cheio de roseiras. Felizes.

By me

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Velharias




Fotografar é medianamente fácil. Olhamos para o assunto, gostamos do que vemos, a luz é do nosso agrado e apontamos a câmara. E deixamos o controlo de exposição aos automatismos.
Alguns, não muitos, interpretam ou avaliam as indicações do exposímetro da câmara, seguindo as suas indicações ou conjugando as leituras com a análise da luz existente, bem como das reflectâncias dos elementos na imagem.
Mas… e antes de haver forma de avaliar e medir a luz através da câmara? Como era?
Usavam-se aparelhos de medida, manuais e externos: fotómetros ou exposímetros.
A diferença entre os termos (e sei que o segundo é estranho) está nas leituras que neles podemos fazer. Os fotómetros indicam-nos a quantidade de luz em “foot-candle”, ou “candela por pé quadrado”, havendo alguns que usam outra unidade, o “Lux”. Dessa leitura, e conjugada com a sensibilidade do material de registo luminoso, deduz-se tempo e abertura. Através de cálculos complexos ou, o que é generalizado, usando uma escala de correspondências integrada no aparelho.
Por sua vez o exposímetro apenas nos dá valores de exposição, ficando o seu utilizador sem saber a quantidade de luz. Profissionalmente usam-se os primeiros, que nos permitem fazer outros tipos de interpretação.
Grosso modo, destes aparelhos de medida existem dois tipos: os que, ao receberem a luz geram energia eléctrica que é quantificada ou os que, em recebendo a luz se tornam resistentes à passagem de energia eléctrica, resistência essa igualmente quantificada. Nos segundos, é necessário fornecer a energia, em regra usando pilhas ou baterias.
Ambos os sistemas têm vantagens, sendo que os últimos são mais exactos quando existem tipos de luz com temperaturas de cor extremas, muito altas ou muito baixas: muitos azuis ou muitos vermelhos.
Mas… e como faziam os fotógrafos antes destes sistemas existirem? Como mediam a luz ou calculavam a exposição?
A experiência, fruto de tentativa e erro, era a pedra de toque. Consta que alguns fotógrafos, aquando do surgimento dos aparelhos de medida de luz, mesmo depois de os usarem ajustavam as leituras obtidas às suas próprias experiências visuais e de laboratório. Convenhamos que o rigor seria diminuto, mas a satisfação por se obter o efeito desejado seria grande, certamente.
Mas existia outro sistema que, ainda que dependesse da experiência do seu utilizador, era um auxiliar precioso: o extintómetro.
O seu sistema de funcionamento era relativamente simples: Olhando-se por um orifício, fazia-se deslocar à sua frente uma cunha fumada, cuja transparência ia da máxima até à opacidade. Quando o observador deixasse de ver parte do assunto, parte essa que dependia da calibração feita pelo fabricante, consultava-se a tabela do aparelho para se saber a relação tempo-abertura em função da sensibilidade.
Método estranho e de rigor bem duvidoso, mas na época fotografar, mais que uma ciência, era uma arte ou artesanato, com tudo o que isso implica.
Ao longo da minha vida havia visto apenas um aparelho desses. Em óptimo estado de conservação, ainda razoavelmente rigoroso, pertencia a um companheiro de andança fotográficas e lectivas. Que nunca se deixou convencer a vender-mo, ofertar-mo ou mesmo deixar-se “roubar”. Quando ia a sua casa, ficava eu a admira-lo, se não estivesse sacramentalmente guardado numa gaveta.
Há uns tempos, numa feira de velharias no Jardim da Estrela, dou com um. Ao preço pouco mais que simbólico de 15 euros. Confesso que se me tivessem pedido 2 ou 3 vezes esse valor, tê-lo-ia dado sem pensar muito.
Nos tempos que correm, nem deu muito trabalho a encontrar referencias. Referencias ao fabricante e data de fabrico, bem como o respectivo manual de instruções.
Para os que ainda pensavam que o jardim da Estrela não é um mundo cheio de surpresas, espero que tenham mudado de opinião.

By me

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Perspectivas




Ele tinha emigrado para o Brasil. Por lá fez família e fortuna. E regressou com ambas.
Algures no interior, ali para os lados de Viseu, comprou terras e construiu uma quinta. Grande.
Casa senhorial, ao estilo do Brasil, o que não lhe dava grande conforto de Inverno, casas para quem com ele trabalhava, celeiros, estábulos… Nem faltou uma capela, nessa sua quinta, como era então hábito de quem tinha posses, era crente e gostava de se exibir.
E ele gostava mesmo de se exibir, pese embora o cerca de metro e meio que media.
De tal modo que a sua capela tinha a porta exactamente da sua altura. Ao que sei, tinha que tirar o chapéu, coisa normal numa igreja, para que nela não batesse.
Claro está que era o único que entrava na capela de cabeça erguida. Todos os demais, trabalhadores, familiares e visitas, tinham que se curvar onde ele entrava direito.

Esta história, que tenho por verídica por ter visto a dita quinta e capela, passou-se com um antepassado de um amigo e mestre meu. E se a sei foi porque decidimos um dia acampar no que restava daquela propriedade para tentar reproduzir as fotografias que existiam de quando a quinta era viva e vivida.
Dela restam ruínas, que os descendentes trataram de malbaratar a fortuna, repartindo terrenos e gastando à tripa forra. Ao meu amigo e mestre chegou apenas a memória contada de boca em boca, alguns registos eclesiásticos e nada mais. Nem um cêntimo. Ou mesmo a escassa altura do seu antepassado.

Não, não tenho os registos do que fizemos. As fotografias ficaram com esse meu amigo, entretanto falecido, e perdi-lhes o rasto.

By me

segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Memórias de um fotógrafo de jardim




Negra! Daquele tom africano que quase nos faz pensar em algo levemente azulado. E que, pela minha falta de hábito em registar este tipo de tez, me deixa quase à-toa em o reproduzir com exactidão.
Bonita! Francamente bonita. Pelo menos naquilo que lhe podia ver, ou seja, as mãos, metade dos pés e a cara. Que todo o resto estava integralmente coberto. Num sinal inequívoco da sua fé ou crença.

Quando passou para cima, acompanhada pela pequenada, olhou mas sem muito interesse, que a canalha miúda absorvia-lhe a atenção. Mas no regresso, com mais calma, ficou a olhar à distância para o meu artefacto. Sentindo-lhe interesse, sorri-lhe e gesticulei-lhe que se aproximasse, o que fez.
A comunicação começou por ser difícil e a medo, que pouco sabia de português. Mas em sabendo-me a falar, ainda que mal, o francês, tudo se tornou mais fácil e quis fazer uma fotografia.
Enquanto a impressão acontecia, fui inquirindo a anotando as respostas, como de costume. E foi aí que a coisa aconteceu!
Não tinha a senhora entendido que não apenas iria haver uma eventual publicação na web como, menos ainda, que eu ficaria com uma cópia do que lhe entregasse. E isso quase que a ofendeu. Acredito que entrasse violentamente em confronto com a sua religião que, ao que sei no seu país de origem – Senegal – é seguida com muito rigor.
Desfiz-me em desculpas pelo meu erro ou engano na informação e prometi-lhe solenemente que, em chegando a casa destruiria a cópia que possuía. Que ficasse tranquila que tal sucederia pela certa.
E tantas vezes o assegurei que ela acabou por se descontrair um pouco e passamos a uma pequena mas amena conversa. Estava há cerca de um ano em Portugal, a língua escrita entendia-a mas a falada era uma dificuldade. E que um dos objectivos em aqui estar era o continuar os estudos iniciados na terra natal, nomeadamente em filosofia.

Em chegando a casa e em tratando as imagens e dados recolhidos, confesso que me passou pela cabeça ficar com a imagem. Afinal, ninguém saberia da coisa, ninguém a veria, nem mesmo a retratada e a sua prole, pelo que nenhum mal daí adviria. Excepto…
Excepto a minha própria consciência! Que palavra dada é palavra a cumprir, mesmo que mais ninguém saiba que o fiz. Que o meu pior juiz sou eu mesmo!
E foi destruída!

E se a retratada, cujo nome eu tenho mas que aqui não referirei como é óbvio, por aqui passar, que esteja descansada:
Daquela fotografia, feita numa tarde de 2008 no Jardim da Estrela e com uma câmara de madeira, não existe nenhum outro registo que não seja aquele pedaço de papel com que ficou.
Porque afinal, seja qual for a fé que nos move (monoteísta, animista ou ateísmo) a honra é comum a todas!

By me

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Faltava pouco




É uma daquelas brincadeiras inocentes sobre comportamentos que qualquer um pode fazer:
Em vendo alguém consultar um aparelho de medida de tempo (de pulso, de bolso, de parede ou num telemóvel), assim que for de novo guardado perguntar de imediato “Que horas são?”.
Constatarão que a esmagadora maioria das pessoas olhará de novo para o relógio, porque não o sabe de cor.
Na verdade, quando olhamos para um relógio, aquilo que queremos saber ou aquilatar não é o valor nele indicado mas sim a sua relativização. Quanto tempo falta para ou quanto tempo já passou desde que. É cedo ou tarde.
O valor real, em horas, minutos ou segundos de pouca monta é. Que no momento seguinte estará alterado, pertencendo ao passado.

Assim, não fiquei de todo surpreendido ou incomodado quando fiz esta fotografia.
Olhando para o que este relógio de sol me indicava e comparando isso com o meu relógio de pulso, o telemóvel e a indicação da câmara fotográfica, obtive quatro informações diferentes. Mas pouco relevantes, já que estava exactamente na hora de fazer uma fotografia. Ou, em o preferindo, faltava pouco para dali a um pedaço.

Em última análise, e para os cépticos ou cientistas, será a demonstração prática de uma das leis de Murphy: aparelhos de medida iguais, nas mesmas condições, mostram resultados diferentes.

By me

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

F ou PH




Primeiro
A coisa começou há muitos anos! Éramos – e eu os compinchas de várias andanças, incluindo a procura de perguntas e respostas – razoavelmente novos.
O caminho que então percorríamos juntos passava também pela fotografia. Partilhávamos os equipamentos, as técnicas, as estéticas os conhecimentos e descobertas que íamos fazendo. E, não sendo nenhum de nós génios, procurávamos também os livros e revistas onde pudéssemos ir beber em mestres o suficiente para os nossos passos.
Estávamos na década, melhor, no decénio de 70, inícios do de 80 e por cá, Portugal, pouca leitura havia em português sobre a matéria. Livros apenas alguns mais antigos, ao estilo de almanaques, e revistas só aquelas efémeras, cuja qualidade e pouca procura faziam morrer pouco depois de nascer.
A solução era, inexoravelmente, recorrer ao que vinha de fora, do Reino Unido, dos EUA, de França. Cada uma destas origens, então como agora, tinha abordagens diferentes às técnicas e estéticas e às soluções. E o hábito de ler, apreciar e mesmo falar ia-se atendo às línguas que praticávamos fotograficamente.
Claro que também contava, face à juventude que tínhamos, o prazer de usar um código semi-hermético aos circundantes, aqueles que não bebiam onde nós nos alimentávamos: o prazer de fazer imagens.
E criou-se a brincadeira, petulante é certo, de dizer que por cá se fazia “Fotografia” e que lá por fora se praticava “Photographia”.
Com o passar dos tempos e as variações de rumos das vidas de cada um, tudo isto se transformou ou diluiu. A literatura e os periódicos em língua portuguesa foram aparecendo, algumas por nós mesmos produzidas, muitas vindas de além-mar. E deixamos de parte a necessidade juvenil da afirmação por códigos e mistérios.
Mas a sensação da diferença entre “fotografia” e “Photographia” ficou. Já não agarrada à tradicional maledicência sobre tudo o que é português, mas antes para marcar alguma diferença no tipo de imagens produzidas, onde quer que fosse. Diferença esta que não está nas técnicas, nas estéticas ou nas temáticas. Constata-se em cada uma delas e no seu conjunto mas não reside aí.
Está, antes sim, na forma de pensar e de fazer fotografia.

Segundo
A representação pictórica, ou iconográfica, existe desde antes da escrita, com esta tem co-existido e, pela certa, a ela sobreviverá. Porque os códigos alfabéticos, fonéticos, ideográficos ou binários mudam com as civilizações e tecnologias, o que não sucede com o uso das belas-artes. Poderão estas mudar de estilos ou de interpretações, mas perduram.
O comum do ser humano, gregário que é mas igualmente desejoso de marcar a diferença na sociedade em que se insere, procura igualar ou suplantar aqueles que admira e a quem atribui qualidades superiores. Entre outros, os que bem se expressam, seja qual for a arte em causa. E a pintura e representação gráfica é uma delas. Mas ela não é tão simples como parece, já que, além do domínio das técnicas, implica um certo “fogo interior” que na maioria está apagado. Para já não falar na morosidade do processo.
Ao invés, a fotografia é quase imediata, por comparação. E é-o tanto mais quanto as técnicas usadas evoluem. Técnicas estas que, com um domínio não muito aprofundado, permitem obter resultados satisfatórios, não apenas perante a sensibilidade de quem as produz como a aceitação de quem as vê. E os automatismos contemporâneos ainda reforçam este facilitismo no fazer da fotografia.
Se a isto juntarmos o consumismo desenfreado que vamos vivendo e a necessidade de afirmação social mais pela posse de bens que pelo resultado daquilo que se é e se pensa, temos que meio mundo possui e utiliza câmaras fotográficas. E que o outro meio anseia por o ter e fazer.
Mas esta fotografia é feita a correr, oriunda em impulsos de momento, quase que por obrigação. As questões estéticas são ignoradas, dos factores de comunicação nem se desconfia, e com a mesma velocidade com que dispara o obturador, também o seu resultado é esquecido. Tão ou mais grave que isso, a fotografia contemporânea padece da efemeridade, já que o seu apagar ou destruir resulta do uso de uma ou duas teclas na sequencia de sistemas de armazenamento cheios. A mesma ausência de pensar no acto fotográfico conduz a uma ausência de importância no seu resultado. Conservar ou não uma fotografia é uma questão de apetite momentâneo. E já não se usam pastas de arquivo cuidadosamente arrumadas, caixas de sapatos empilhadas ou gavetas repletas de papéis mono ou multi-coloridos que, volte e meia eram remexidos e supostamente organizados.
Some-se a esta pouca importância dada ao pensar a fotografia o seu actual custo zero. Fazer uma fotografia ou dez consecutivas tem o mesmo preço e dá o mesmo trabalho em obter. Que o “rolo” já não chega ao fim e as memórias dos cartões são cada vez maiores.
Nos tempos que correm, a velha frase publicitária “Para mais tarde recordar” deixou de fazer sentido, face ao uso e importância que é dada à fotografia.


Terceiro
Alguns há, no entanto, que assim não procedem.
Ao olharem pelo visor da câmara, ou ainda antes disso, o seu objectivo é o registo permanente daquele jogo de luz e sombras, daquela perspectiva, o contar daquela história, o eternizar daquele momento. E que, em tendo oportunidade para tal, procuram melhorar as suas capacidades de o fazerem, tanto pela prática como pelo estudo de quem o faz ou fez ainda melhor. Em que a afirmação pela fotografia não passa pela competição com os restantes com base no resultado ou na exibição da factura do seu equipamento mas antes consigo mesmo e com o resultado obtido a cada imagem produzida.
E que sabem que esse processo começa com o olhar o assunto e termina com olhar sobre o produto acabado, sendo que tudo o resto que medeia entre um e outro são meras técnicas, mais ou menos dominadas. Na tomada de vista e na selecção e tratamento posterior.
Que sabem e praticam que uma fotografia é o resultado de um processo mental materializado pela técnica. E que é mais naquele que se preocupam que nesta.
Ao resultado dos trabalhos destes, chamo eu (e mais uns quantos não tão poucos quanto isso) “Photographia”. Para o trabalho dos demais fica o termo genérico de “Fotografia”. Alguns há, ainda, que diferenciam com o uso de maiúsculas e minúsculas, mas o significado é o mesmo.
Nenhum dos dois termos tem mais valor que o outro ou algum deles tem uma carga negativa. Porque, na vida, o que importa é a obtenção da felicidade naquilo que fazemos e nenhum método é universal ou único.
Mas porque não são iguais nem nos processos de obtenção nem nos resultados materiais, identifiquem-se umas e outras imagens e fotografias.
Até porque entre imagens fotográficas e fotografias (com “F” ou com “Ph”) também há diferenças. Mas isso são outros contos!


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